A ação fiscal do INSS em relação a
empresas de construção civil encontrou, nos últimos anos, um procedimento
aparentemente confiável, cujo objetivo é agilizar o processo de fiscalização.
Trata-se de aferir valores de contribuição de forma indireta de obras e, após o
resultado, comparar o valor aferido com o valor efetivamente recolhido.
Tudo iria muito bem se esta prática não
tivesse sua base em critérios técnicos que pressupõem, além de uma formação
acadêmica específica, um conhecimento profundo da técnica de custos por
estimativa.
A Diretoria de Arrecadação e
Fiscalização não mediu esforços em criar critérios rápidos (como os que se
utilizam numa receita de bolo) para transformar seus fiscais em especialistas
na análise de custo de construção. A receita exige, como todas,
a obtenção de ingredientes – os dados da obra (área, números de
pavimentos, número de unidades autônomas, etc.). Tudo isso é
“enfiado” num programete eletrônico e,
milagrosamente, em segundos, surge o custo da obra, o total de salários de
contribuição, os valores de recolhimento, etc.
Pois bem. Fosse assim tão fácil, o INSS
arrecadaria muito mais vendendo cópias de sua programa
de calcular custo de obra! Talvez até pudesse adaptar o programa e torná-lo um
administrador invejável dos custos da construção.
Mas como procede o
INSS? Em suas instruções de ação fiscal, o órgão arrecadador recomenda a seus fiscais:
“Em relação a
construção civil, quando forem constatadas diferenças entre os recolhimentos
efetuados pela empresa e os valores resultantes da aplicação dos parâmetros
utilizados pelo INSS, para cálculo de mão-de-obra de construção civil (tabelas
do SINDUSCON) e os percentuais sobre Notas Fiscais de Prestação de Serviços
etc. (aferição indireta), estes não são suficientes para justificar o
lançamento do débito. Torna-se necessária uma pesquisa com maior profundidade,
detectando a existência de elementos que provem que a escrituração contábil não
reflete a realidade da mão de obra empregada ou que levem o FCP a utilizá-la
apenas como elemento subsidiário, para fins de fiscalização.
Exemplo: Na Construtora
“JJ” Ltda., o FCP constata que o recolhimento médio da contribuição
previdenciária em relação a cada obra corresponde a 30% do valor obtido por
aferição indireta e que a contabilidade encontra-se em situação regular, não
sendo constatado pagamentos a empregados sem registro, nem, tampouco,
documentos não contabilizados.
Da análise, conclui-se que há indício
de sonegação. Porém, a situação, por si só, não fornece suporte ao FCP para lançamento
do débito por arbitramento. Torna-se indispensável a
busca de elementos subsidiários, que demonstrem, de forma clara e objetiva, que
a contabilidade não espelha o movimento real da mão de obra utilizada, como:
· verificação física nas obras
em andamento a fim de averiguar a existência de mão de obra e material não
contabilizados;
· exame das funções dos
empregados registrados, em relação ao porte e tipo da obra, objetivando
averiguar se possuem a qualificação específica para a execução das tarefas
inerentes a obra (ex.: azulejista; eletricista, carpinteiro, encanador etc.);
· visita a outra construtora
objetivando comparar, com obra do mesmo porte, o número mínimo de trabalhadores
e qualificação da mão de obra utilizada;
· lançamentos contábeis dos
materiais utilizados na obra, visando detectar falhas
na escrituração;
· pesquisa junto à Justiça de
Trabalho, visando constatar pagamentos decorrentes de reclamatórias
trabalhistas, para posterior confronto com a escrituração contábil, observando,
inclusive, se houve lançamento relativo ao período trabalhado sem registro
formal. (“Manual de Procedimentos de Arrecadação e
Fiscalização”/98-DAF-INSS)
Observe-se que, embora a introdução do
assunto busque uma análise “políticamente
correta” (para usar uma expressão em voga), o exemplo dado a seguir impõe
uma atitude investigativa, tendo como argumento para essa imposição o
“indício de sonegação”. E, claro, com base na mágica aferição
indireta.
É evidente ao senso comum que alguns
elementos de análise de custo na industria da
construção civil não precisam de muito suporte técnico para um estudo de
coerência. Ë impossível obter razões de convencimento quando, por exemplo, o
número de funcionários numa determinada obra de construção civil é disparatadamente inferior àquele que, por intuição, se
poderia esperar. Isto, porém, tem seus limites. Entre o disparate e o razoável
existe uma grande distância.
O “calcanhar de Aquiles”
desse processo de “fiscalização por indício” está justamente na forma
de obter parâmetros. Como já foi referido, o INSS optou por um índice setorial
– o Custo Unitário Básico (CUB). O histórico das diversas ordens de serviço da
Diretoria de Arrecadação e Fiscalização mostra um sem fim de tentativas de
aperfeiçoar o processo. Ocorre que o Custo Unitário Básico é parte de uma norma
técnica abrangente, onde Custo Unitário e Custo Global passam por diversos
conceitos, classificações, recomendações, e normas de procedimentos. Tudo isto
normalizado pela ABNT, na NBR 12.721/92.
A cada nova Ordem de Serviço foram
sendo introduzidos novos aspectos técnicos, na busca de uma fórmula perfeita e
na tentativa de não contradizer a norma técnica específica. Ora, tudo isso
reforça a constatação inicial da ineficácia do sistema, que desemboca numa busca
inútil de formatar um procedimento cujas variáveis não se resumem a um conjunto
de dados e a uma seqüência de operações de cálculo.
Em centenas de notificações fiscais,
pode-se encontrar o bordão “foram constatadas diferenças entre os
recolhimentos efetuados pela empresa e os valores resultantes da aplicação dos
parâmetros utilizados pelo INSS, para cálculo de mão-de-obra de construção
civil (tabelas do SINDUSCON)”. Mas, analisando criteriosamente o
cálculo que deu origem aos “indícios de sonegação” encontram-se
inúmeros equívocos técnicos. Valores absurdamente gerados, quase a sugerir que
a fiscalização atuou no sentido de encontrar um valor que se ajustasse à sua
necessidade de produção fiscal.
Por outro lado, as próprias alterações
normativas do INSS estão a indicar a fragilidade do sistema de fiscalização.
Considere-se a seguinte análise:
Para galpões em alvenaria, pavilhões e
assemelhados numa aferição em período anterior à Ordem de Serviço INSS/DAF N. º
161, de 22 de maio de 1997, o INSS tomava como base o CUB H-1-N-2Q
(Habitacional, um pavimento, padrão normal, tipo dois quartos), sobre o qual,
segundo a Ordem de Serviço vigente, o salário de contribuição corresponderia a
8% do valor do referido CUB divulgado pelos SINDUSCON’s
estaduais. Em valores atuais, para o estado de Santa Catarina, no mês de
Fevereiro de 2000, o valor de salários por metro quadrado corresponderia a R$
50,05 (cinqüenta reais e cinco centavos). Com o advento da Ordem de Serviço
INSS/DAF N. º 161, de 22 de maio de 1997, a base foi mudada para o CUB H-1-B-3Q
(Habitacional, um pavimento, padrão baixo, tipo três quartos), e o salário de
contribuição passou a ser estimado como correspondente
a 6% do Custo Unitário Básico adotado. A estimativa de salário de contribuição
por metro quadrado, com as mesmas referências do cálculo anterior, é de R$
28,32 (vinte e oito reais e trinta e dois centavos).
Partindo do pressuposto de sonegação,
uma empresa que fora notificada com base no argumento de recolher 57% do
aferido indiretamente, antes de maio de 1997, um mês depois seria considerada
um contribuinte exemplar! E a fiscalização buscaria outra vítima, para engordar
seus índices de produção.
E frise-se: as trapalhadas técnicas não
param por aí. Atualmente, para contestar os valores de notificação por
aferição, que gera um arbitramento, basta utilizar os próprios critérios do
INSS.
A fiscalização, em resumo, utiliza-se
de um artifício de cálculo. O que supostamente fundamenta-se no CUB, não passa
de um embuste tecnicamente armado para sustentar notificações fiscais.
Como no exemplo das instruções acima
transcrito, a fiscalização, depois de “aferir” o “indício de
sonegação”, encontra três ou quatro erros contábeis e cria o fato. Claro,
não se atém a cobrar a diferença provocada pelos equívocos de recolhimento;
cobra, também, a diferença entre o total recolhido e o total aferido. No caso
dos galpões, analisado anteriormente, se todo esse procedimento foi adotado em
determinada ação fiscal anterior a maio de 1997, a empresa
contribuinte foi literalmente saqueada.
Desconsidero neste comentário, ainda,
todos os argumentos que poderiam ser originados na evolução da industria da construção civil nacional, empenhada em reduzir
custos e perdas, em incorporar novas tecnologias de construção, enfim, em maximizar
sua produtividade.
O procedimento do INSS certamente não
resiste a críticas fundamentadas. Para isso, basta colocar em análise os
cálculos confusos que o referido órgão quer impor como verdades incontestáveis.
Como se vê, a questão é predominantemente
técnica. Resgatado o verdadeiro significado técnico do procedimento de
estimativa de custo de obras da construção civil através do Custo Unitário
Básico, o INSS perderá em argumentação, mas ganhará em justiça. É o que se espera.
Informações Sobre o Autor
Paulo Andres Costa
Engenheiro Civil
Consultor do SINDUSCON-OESTE/SC