Dos produtos e serviços gratuitos e a aplicação do CDC

Este artigo tem o intuito de discutir a polêmica sobre a remuneração dos serviços apresentada no art. 3º do Código de Defesa do Consumidor. Com este intuito ele apresenta os conceitos de consumidor e fornecedor trazidos pelo código e concluí demonstrando a possibilidade da classificação do tomador de um serviço gratuito como consumidor nato ou por equiparação.

1. Considerações Iniciais

A lei nº 8078/90, conhecida como o Código de Defesa do Consumidor, foi criada com a finalidade de equilibrar as relações de consumo, onde segundo a visão do legislador o consumidor está sempre em uma situação desprivilegiada.

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A hipossuficiência do consumidor não pode ser entendida meramente pelo lado econômico, pois não necessariamente o consumidor será o pólo economicamente mais fraco, a hipossuficiência está localizada no campo técnico e científico, porque é o fornecedor quem domina o campo técnico e científico no qual o seu produto ou serviço está inserido.

Este artigo tem o intuito de discutir o §2º, do artigo 3º que estabelece que o serviços devem ser remunerados, e demonstrar algumas possíveis respostas para a aplicação dos CDC sobre os serviços gratuitos.

Antes de entrarmos no mérito da iremos apresentar os conceitos básicos sobre os pólos de uma relação de consumo.

Do consumidor

O Código de Defesa do Consumidor procurou em seu conteúdo inserir os conceitos dos sujeitos da relação de consumo, assim define no artigo 2º:

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Na doutrina existem duas correntes para a definição de consumidor, os finalistas e os maximalistas.

Para os finalistas o consumidor é a parte mais fraca da relação de consumo, no inciso I, do art. 4º do CDC, o consumidor é definido como o destinatário final do produto ou serviço, isto é, aquele que consumirá o produto ou serviço em sua plenitude, com um objetivo não profissional e sem utilizar o produto ou serviço com a finalidade de obter lucro.

Art. 4° A Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transferência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

O profissional não poderia ser considerado como consumidor, pois o preço do serviço ou produto que ele adquiriu seria incluído no preço das atividades que ele exerce, portanto, para os finalistas a destinação do bem deve ser para o uso doméstico e familiar.

Com esta visão os finalistas buscam restringir o grupo dos consumidores àquelas pessoas que realmente necessitam de proteção, pois são hipossuficientes, possibilitando, assim, um nível maior de proteção a este grupo.

Além disso, os finalistas alegam que o Código Comercial possui meio próprio para a proteção do profissional-consumidor.

A posição maximalista é mais ampla que a finalista e entende que o CDC como sendo um regulamento para as relações de consumo em geral, não importando se o consumidor é pessoa jurídica ou física, desde que este seja o destinatário final do produto.

Segundo esta vertente uma fábrica de toalhas que compra algodão ou um advogado que adquire um computador podem ser caracterizados como consumidores.

Segundo a professora Claudia Lima Marques o direito contratual moderno busca identificar o consumidor caso a caso, constatando a existência de desequilíbrio na relação contratual.

O Superior Tribunal de Justiça tem pendido ultimamente para teoria maximalista na grande de suas decisões.

“Efetivamente, grande número de empresas têm tentado ver reconhecido no judiciário seu status de” consumidores “– destinatários finais – e fáticas, pois o sistema do CDC demonstrou ser um setor de excelência e eficiência do direito civil brasileiro, onde as soluções de mérito e de Justiça contratual realmente realizam-se. Apoiadas por advogados atualizados, as empresas tornam-se litigantes comuns a recorrer ao sistema do CDC para resolver seus problemas contratuais intercomerciais, deturpando, assim, o espírito protetivo do CDC e colocando em perigo a proteção do verdadeiro consumidor strictu sensu. A atual resposta mais clara da jurisprudência e a eventual atualização que o novo Código Civil trará ao sistema geral do Direito Civil e Comercial tendem a superar este problema inicial da introdução do CDC no ordenamento jurídico brasileiro”.[1]

Além da definição dada pelo legislador no artigo 2º, o CDC apresenta outras três definições por equiparação o parágrafo único do art. 2º, o art. 17 e o art. 29.

Art. 2° (…)

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

O parágrafo único do art. 2° equipara a consumidores todos aqueles que apesar de não terem adquirido ou utilizado o produto ou serviço àqueles que de alguma forma foram afetados à relação de consumo, e.g., vítimas de um acidente de trânsito causado em virtude de um defeito de fabricação de um veículo automotor.

Art 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.

O artigo 17 se encontra na Seção II que recebe o título Da Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço, e este por sua vez está inserido no Capítulo IV que possui o título Da Qualidade de Produtos e Serviços, da Prevenção e Reparação de Danos.

Esta seção tem o intuito de responsabilizar o produtor, o fabricante, o importador, o construtor, nacional ou estrangeiro, além do comerciante, pelos produtos e serviços que estes colocam no mercado, esta seção possui a clara intenção de transferir todos os riscos da relação de consumo para os fornecedores.

Na relação elencada na Seção II o comerciante é o que corre o menor risco entre os fornecedores, pois ele terá responsabilidade residual, isto é, no caso de não se localizar o fabricante, produtor ou importador do produto é que ele será responsabilizado pelos defeitos e vícios dos produtos.

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Art. 29 Para os fins deste Capítulo e do seguinte equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.

Os capítulos que o artigo 29 faz referencia são o Capítulo V, que cuida das práticas comerciais, e o Capítulo VI que versa sobre a proteção do contrato.

O Capítulo V engloba questões como a oferta dos produtos, da publicidade, das práticas abusivas, da cobrança das dívidas e dos bancos de dados e cadastro dos consumidores. Com isso todas as ilegalidades que os fornecedores venham a cometer nestes quesitos, equiparam as vítimas a consumidores, invertendo o ônus da prova, o que dificulta muito a defesa dos fornecedores.

Sendo assim caso uma instituição financeira venha utilizar uma propaganda enganosa, ou um de seus prepostos ofereça um produto ou serviço em desacordo com os preceitos do CDC, as vítimas serão equiparadas ao consumidor do caput artigo 2º do CDC.

3. Fornecedor

O outro pólo da relação de consumo é o fornecedor, o artigo 3º do CDC traz a sua definição, que busca englobar todas as atividades caracterizáveis como fornecimento de produtos ou serviços.

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

O intuito deste artigo é analisar se os serviços gratuitos estão protegidos pelo CDC, visto que eles não são remunerados, pelo menos de uma forma direta.

4. Dos Serviços Gratuitos

Segundo o entendimento da melhor doutrina remuneração é o recebimento de alguma vantagem, não necessariamente pecuniária, sendo assim, remuneração não é sinônimo de lucro, conseqüentemente, a remuneração citada no § 2º do artigo 3º, pode ocorrer de forma indireta.

A remuneração indireta é a forma de pagamento onde o fornecedor recebe outras vantagens, diversas do pagamento direto através da entrega de um bem, como a realização futura de um negócio, a angariação de novos clientes, ou a divulgação de um produto ou marca.

A poupança popular é um serviço gratuito clássico, pois não gera nenhum ônus ao consumidor, visto que este autoriza o banco a utilizar o dinheiro depositado em suas operações ativas, em troca do pagamento de juros sobre o valor depositado.

A poupança popular é uma das formas mais baratas e eficientes que os bancos utilizam para captar de recursos, pois a remuneração que os bancos dão aos seus clientes é irrisória perto do lucro que estes auferem na utilização destes recursos, além disso, a poupança é uma porta de entrada para outros serviços oferecidos pelos bancos.

Sendo assim, vimos que a maior parte dos serviços gratuitos oferecidos no mercado, na verdade, são remunerados de forma indireta, e como se não bastasse, o preço destes serviços estão embutidos nos outros serviços oferecidos pelos fornecedores.

Não obstante estar demonstrado que os serviços gratuitos colocados no mercado pelas empresas com fim lucrativo serem sempre remunerados de forma indireta, ou por terem o seu preço embutido em outros serviços, os tomadores destes serviços podem ser classificados como consumidores pelos conceitos do parágrafo único do artigo 2º, do artigo 17, ou até pelo conceito do artigo 29.

Conclusão

O Código de Defesa do Consumidor foi criado com base na teoria da hipossuficiência do consumidor, com a finalidade de equilibrar as relações de consumo, trazendo regras mais benéficas do que aquelas apresentadas pelo Código Civil, tendo em vista que as relações consumeristas possuem características e necessidades próprias.

No tocante a remuneração os serviços gratuitos oferecidos pelas empresas com fins lucrativos não são isentos de remuneração, pois a remuneração pela realização destes serviços ou acontece de forma indireta ou a remuneração está embutida em outro serviço.

Quando for identificado que em uma prestação de serviço gratuita a presença de um consumidor e de um fornecedor, formando uma relação de consumo, surgirá a necessidade da aplicação das normas trazidas pelo CDC para equilibrar esta relação.

Não obstante haja o entendimento de que o tomador de um serviço gratuito não esteja classificado como consumidor, ele estará protegido pelos conceitos de consumidor por equiparação, em virtude de defeitos, danos, vícios, tanto nos serviços como nas práticas comerciais dos fornecedores.

Sendo assim, o tomador de uma prestação de serviço gratuita estará protegida pelo CDC por ser caracterizado como consumidor nos moldes do art. 3º ou será considerado consumidor por equiparação, nos moldes do parágrafo único do art. 2º, o art. 17 e o art. 29.

 

Bibliografia:
BITTAR, Carlos Alberto, Direito do Consumidor: Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078 de 11 de setembro de 1990), Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 1990. ed 4.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito Comercial, volume 3, São Paulo: Editora Saraiva, 2002. ed.3.
MARQUES, Cláudia Lima, Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações contratuais, São Paulo, editora Revista dos Tribunais, 2002, 4ª ed.
BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências.
Notas:
[1] Cláudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações contratuais, 4ª ed., atual. e ampl., Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2002.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Rodrigo Garcia Bastos

 

Bacharelando em Direito

 


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