Inconstitucionalidade do adicional do ICMS/RJ

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Histórico

A Assembléia Legislativa do Estado do Rio de
Janeiro promulgou, através de sua 1ª Vice-Presidente, em 31 de dezembro de
2002, a Lei Estadual n.° 4.056, de 30 de dezembro de 2002, oriunda do Projeto
de Lei n.° 3.413-A, de 2002.

A Lei em comento, em seu preâmbulo,
prescreve: “Autoriza o Poder Executivo a instituir no exercício de 2003, o
fundo estadual de combate à pobreza e às desigualdades sociais, em obediência à
Emenda Constitucional Nacional n.° 31, de 14/12/2000, que alterou o ato das
disposições constitucionais transitórias, introduzindo o artigo 82 que cria o
fundo estadual de combate e erradicação da pobreza.”

Em 09.01.2003, portanto, foi
publicado no D.O.E.R.J., o Decreto Estadual n.° 32.646, de 08 de janeiro de
2003, decretado pela Governadora Rosinha Garotinho, que em seu preâmbulo
afirma: “Institui e regulamenta o Fundo Estadual de Combate à Pobreza e às
Desigualdades Sociais nos termos da Emenda Constitucional Federal n.° 31, de
14.12.2000 e da Lei Estadual n.° 4.056, de 30.12.2002, e dá outras
providências.”

Eis o que dispõem os principais
dispositivos da Lei Estadual n° 4.056/02 (artigo 1°, 2°, 6° e 8°):

“Art. 1º – Em cumprimento ao
disposto no artigo 82 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da
Constituição Federal, fica o Poder Executivo autorizado a instituir, no e para
o exercício de 2003, para vigorar até o ano de 2010, no âmbito do Executivo
Estadual, o Fundo de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais, com o
objetivo de viabilizar a todos os fluminenses acesso a níveis dignos de
subsistência, cujos recursos serão aplicados em ações suplementares de
nutrição, habitação, educação, saúde, reforço da renda familiar, saneamento e
outros programas de relevante interesse social, voltados para a melhoria de
qualidade de vida.

Art. 2º – Compõem o Fundo de Combate à Pobreza e às
Desigualdades Sociais:
I – o produto da arrecadação adicional de um ponto percentual correspondente a
um adicional geral da alíquota atualmente vigente do Imposto Sobre Circulação
de Mercadorias – ICMS, ou do imposto que vier a substituí-lo, com exceção das
incidências previstas na alínea “b” do inciso VI do art. 14 da Lei n.° 2657, de
26 de dezembro de 1966 com a redação que lhe emprestou a Lei n.° 2880, de 1997
e no Inciso VIII do art. 14 da Lei n.° 2657, de 26 de dezembro de 1996 com a
redação que lhe emprestou a Lei n.° 3082, de 1998, que, além, do acréscimo
definido neste inciso, terão mais quatro pontos percentuais transitoriamente
até 31 de dezembro de 2006;

II – doações, de qualquer natureza, de pessoas
físicas ou jurídicas do País ou do exterior;

III – outros recursos compatíveis com a legislação,
especialmente com a Emenda Constitucional Nacional n.° 31, de 14 de dezembro de
2000.

§ 1º – Aos recursos integrantes do Fundo de que
trata esta Lei não se aplica o disposto no inciso IV do artigo 211 e ao inciso
IV do artigo 202 da Constituição, bem como qualquer desvinculação de recursos
orçamentários no que couber (art. 80, parágrafo 2° do Ato das Disposições
Constitucionais transitórias de 5 de outubro de 1988 introduzido pela Emenda
Constitucional Nacional n.° 31, de 14 de dezembro de 2000);

§ 2º – O adicional de que trato o inciso I deste
artigo não incidirá sobre os gêneros que compõem a cesta básica, assim
definidos aqueles estabelecidos em estudo da Fundação Getúlio Vargas.

(…)

Art. 6º – Os percentuais definidos no inciso I do
art. 2º são máximos, podendo a sua utilização ser no todo ou em parte a
critério do Poder Executivo, inclusive por produto ou segmento.

(…)

Art. 8º – Decreto do Poder Executivo, disporá sobre
a matéria de que trata esta Lei autorizativa. (…)” (OBS.: O ano de edição da
Lei n.° 2.657 é 1996 e não 1966, como consta no texto original do inciso I, do
Artigo 2°, da Lei n.° 4.056/02)

Em conformidade com o disposto no
artigo 8° da Lei Estadual n.° 4.056/02, o Decreto Estadual n.° 32.646/03 veio a
regulamentar a Lei Estadual supracitada, criar o Fundo, e definir os
percentuais dos adicionais na alíquota do ICMS do Estado do Rio de Janeiro, nos
seguintes termos:

“Art.
1º – Fica instituído o FUNDO DE COMBATE À POBREZA E ÀS DESIGUALDADES SOCIAIS na
forma da Lei Estadual n.° 4.056, de 30.12.2002, editada em cumprimento ao art.
82 e à principiologia contida nos arts. 79 a 81, todos introduzidos no Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT pela Emenda Constitucional
Federal n.° 31, de 14.12.2000.

Art. 2º –
Compõem o Fundo de Combate à Pobreza e às Desigualdades Sociais:

I – o produto da arrecadação adicional de um ponto
percentual correspondente a um adicional geral da alíquota vigente do Imposto
Sobre Circulação de Mercadorias – ICMS, ou do imposto que vier a substituí-lo,
com exceção das incidências previstas na alínea “b” do inciso VI do
art. 14 da Lei n.° 2.657, de 26 de dezembro de 1996 com a redação que lhe
emprestou a Lei n.° 2.880, de 1997 e no Inciso VIII do art. 14 da Lei n.°
2.657, de 26 de dezembro de 1996 com a redação que lhe emprestou a Lei n.°
3.082, de 1998, que, além, do acréscimo definido neste inciso, terá mais quatro
pontos percentuais transitoriamente até 31 de dezembro de 2006; (…)”

As
inconstitucionalidades dos dispositivos instituidores do adicional do ICMS/RJ

É importante notar que a
legislação que instituiu o adicional do ICMS no Estado do Rio de Janeiro, busca
fundamento na Emenda Constitucional Federal n.° 31, de 14.12.2000, que criou o
Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, ao acrescentar os artigos 79 a 83 ao
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).

Vale destacar que, ainda que se admita que Emenda
Constitucional Federal n.° 31/00 tenha criado uma exceção restrita ao princípio
da não vinculação da receita de impostos a fundo ou despesa específica
insculpido no artigo 167, IV, da Constituição Federal, não possui o Estado do
Rio de Janeiro autonomia para instituir adicional de ICMS, ferindo as próprias
condições estabelecidas nos termos dos artigos 82 e 83 do ADCT, que prescrevem
o seguinte:

“Art. 82. – Os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios devem instituir Fundos de Combate à Pobreza,
com os recursos de que trata este artigo e outros que vierem a destinar,
devendo os referidos Fundos ser geridos por entidades que contem com a
participação da sociedade civil.

§ 1º. – Para o financiamento
dos Fundos Estaduais e Distrital, poderá ser criado adicional de até dois
pontos percentuais na alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços – ICMS, ou do imposto que vier a substituí-lo, sobre os produtos e
serviços supérfluos, não se aplicando, sobre este adicional, o disposto no art.
158, inciso IV, da Constituição.

§ 2º. – Para o financiamento
dos Fundos Municipais, poderá ser criado adicional de até meio ponto percentual
na alíquota do Imposto sobre serviços ou do imposto que vier a substituí-lo,
sobre serviços supérfluos.

Art. 83. – Lei federal
definirá os produtos e serviços supérfluos a que se referem os arts. 80, inciso
II, e 82, §§ 1º e 2º. (…)”

A primeira
inconstitucionalidade observada diz respeito ao limite estabelecido pelo § 1°
do artigo 82 do ADCT, visivelmente extrapolado pelo inciso I, do artigo 2° da
Lei n.° 4.056/2002 e inciso I, artigo 2° do Decreto n.° 32.646/2003.

Ora, ao invés de observar o
texto constitucional, preferiu, o legislador fluminense, elevar as alíquotas
atualmente praticadas para o fornecimento de energia elétrica e telecomunicações
em 5% (cinco por cento) mediante vinculação ao supracitado Fundo.

Uma segunda
inconstitucionalidade diz respeito à inexistência de Lei Federal que defina
quais e quantos produtos podem ser entendidos como supérfluos.  Note-se que o artigo 83 do ADCT é claro ao
definir que Lei Federal definirá os produtos e serviços supérfluos a que se
referem os arts. 80, inciso II, e 82, §§ 1º e 2º.

A terceiro
inconstitucionalidade diz respeito ao vício de iniciativa ocorrido no Projeto
de Lei n.° 3413-A/2002, responsável pela criação da Lei Estadual n.°
4.056/2002, tendo em vista não ser de autoria do Poder Executivo, na forma que
impõe o artigo 167, inciso XI (Art. 167. São vedados: (…) XI – a utilização
dos recursos provenientes das contribuições sociais de que trata o art. 195, I,
“a”, e II, para a realização de despesas distintas do pagamento de benefícios
do regime geral de previdência social de que trata o art. 201.), combinado com
artigo 61, § 1°, II, “a” (Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias
cabe a qualquer membro ou comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal
ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal
Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos
cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. § 1°. São de
iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: (…) II.
Disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na
administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração.)

Além das inconstitucionalidade acima citadas, os
malfadados adicionais do ICMS/RJ violam inequivocamente o Princípio da
Anterioridade Tributária, insculpido no artigo 150, III, “b” (artigo 150. Sem
prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) III. Cobrar tributos:
(…) b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido  publicada a lei que os instituiu ou
aumentou.).

Ora, ao analisar-se a legislação em comento,
verifica-se, claramente, que  somente
através do Decreto Estadual n.° 32.464/2003, publicado em 09.01.2003, foram
efetivamente criados os adicionais do ICMS e do respectivo Fundo (artigos 1° e
2° do Decreto Estadual n.° 32.464/2003). 
Há, portanto, violação do Princípio da Anterioridade Tributária.

Frise-se, por último, que o
legislador fluminense delegou ao Decreto Estadual a fixação precisa dos
adicionais do ICMS criados, além do próprio Fundo Estadual, violando, portanto,
o Princípio da Estrita Legalidade Tributária insculpido no artigo 150, I, da
Constituição Federal (artigo 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas
ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios:  I. exigir ou aumentar
tributo sem lei que o estabeleça.), e no artigo 97, IV, do Código Tributário
Nacional (artigo 97. Somente a lei pode estabelecer: (…) IV. A fixação da
alíquota do tributo e da base de cálculo, ressalvado o disposto nos arts. 21,
26, 39, 57 e 65.).  Ademais, é
importante destacar que há inconstitucionalidade quanto à espécie da Lei
Estadual, pois as condições para a instituição e funcionamento de fundo deve
ter forma de Lei Complementar, nos termos do artigo 165, § 9°, II, da
Constituição Federal (artigo 165.  Leis
de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: (…) § 9°. Cabe à lei
complementar: (…) II. Estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial
da administração direta e indireta, bem como condições para a instituição e
funcionamento de fundos.)

Em síntese conclusiva, percebe-se
que os contribuintes possuem argumentos suficientes para o ajuizamento de
medidas judiciais com o desiderato de afastar a incidência do malfadado
adicional de ICMS.


Informações Sobre o Autor

Leonardo Ribeiro Pessoa

Advogado Especializado em Direito Tributário; Professor de Pós-Graduação em Direito Material e Processual Tributário; Mestre em Direito Empresarial e Tributário; Pós-Graduado em MBA de Gestão Empresarial em Tributação e Contabilidade; Pós-Graduado em Direito Tributário e Legislação de Impostos; Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil; Pós-Graduado em Docência do Ensino Superior; Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário – ABDT; Filiado à Associação Brasileira de Direito Tributário – ABRADT; Sócio-Pleno da Associação Brasileira de Direito Financeiro – ABDF; Associado Máster da Associação Paulista de Estudos Tributários – APET; Sócio-Professor do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário – IBPT; Membro da International Fiscal Association – IFA