INTRODUÇÃO
Nos últimos tempos, a mídia tem dado especial relevo à questão da redução da maioridade penal. Inúmeras pessoas têm acenado, aqui e acolá, que imputabilidade penal deve ser reduzida para dezesseis anos e que a Lei 8069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) estaria incentivando a criminalidade.
Ninguém nega a existência de alarmantes índices de violência. Mas é preciso destacar que a violência, uma vez desencadeada, rege-se por uma dinâmica própria. Diante dela, ou a sociedade se deixa dominar, entrando no jogo, ou reage enquanto é tempo para restabelecer valores, recobrar o seu equilíbrio e fazer prevalecer a nacionalidade e o primado dos direitos humanos.
Mas não é pelo Direito Penal que a violência será eliminada. Ele ajuda a combatê-la, mas nunca ataca as suas causas. Diante do grave quadro, cabe a pergunta: é possível mudar?
É bom deixar bem claro que a violência da injustiça social não obriga a tolerância com a violência contra a segurança do cidadão. Mas isso não pode conduzir a excessos. O que não pode haver é uma desproporcionalidade entre a gravidade do ato cometido elo adolescente e a ação dos órgãos responsáveis pela segurança. Prevalecem sempre o preconceito e a discriminação. O fato de um menino ou menina estar mal vestido, sujo, sem ocupação, era suficiente para privá-lo da liberdade, confinando-o nas instituições totais. A intenção de fazer justiça resultou numa ação violenta, autoritária e de injustiça sobre cidadãos que são culpabilizados pelo fato de serem pobres.
Os dois tratamentos extremistas de vítima ou de agressor precisam ser evitados. É preciso considerar sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e garantir-lhe um tratamento sereno, mas consistente o suficiente para que ele possa tomar consciência de que existem formas mais eficientes de garantir suas necessidades básicas e de que a exigência dos seus direitos precisa acontecer de forma organizada e socialmente viável.
ASPECTOS RELEVANTES A SEREM CONSIDERADOS.
Todavia, quando se consideram os aspectos sociológicos, políticos, psicológicos e afetivos do adolescente e a realidade do sistema prisional brasileiro e a prática da execução penal, hoje, chega-se à conclusão de que os menores de 18 anos devem receber tratamento especial por parte da lei, no caso de cometerem infrações. Tal tratamento especial não significa, de forma alguma, deixá-los impune, mas oferecer-lhes condições para uma ressocialização, já que se encontram em desenvolvimento físico, psicológico, emocional e social.
Imputabilidade, como demonstra De Plácido e Silva em seu Vocabulário Jurídico, seja nos domínios do Direito Civil, Comercial ou Penal, revela a indicação da pessoa ou do agente, a quem se deva atribuir ou impor a responsabilidade ou a autoria de alguma coisa, em virtude do fato verdadeiro, que lhe seja atribuído, ou de cujas conseqüências seja responsável.
Neste sentido, o adolescente é imputável. Não tem a capacidade de ser responsabilizado criminalmente como adulto (outro perfil da imputabilidade), mas isso não quer dizer que não se possa atribuir aos menores de 18 anos a causa eficiente da infração culposa ou dolosa de certa norma penal. A inimputabilidade a que se referem a Constituição Federal (art. 228) e o Código Penal (art. 27) não significa irresponsabilidade. Refere-se, isto sim, à não sujeição às penas previstas na parte especial (ou leis extravagantes) do Código Penal. Daí a expressão imputabilidade infanto-juvenil.
A imputatio facti não deixa de existir por causa da menoridade. O que difere a menoridade penal da imputabilidade penal é única e exclusivamente a conseqüência jurídica do descumprimento da norma ou de um dever típico: se o agente for maior de 18 anos, ser-lhe-á imposta uma pena, se menor, uma
medida sócio-educativa. Na realidade, por mais que se aspire ao contrário, as diferenças entre uma (pena) e outra (medida) não são notadas na prática e pode-se dizer que são meramente terminológicas. Terminológica também é a diferenciação entre crime e ato infracional.
Adolescentes praticam atos legalmente previstos como crimes e contravenções. O que ocorre, na erdade, é que a Lei chamou os atos delituosos da criança e do adolescente e atos infracionais. O art. 103 da Lei nº 8069/90 é explícito em dizer que se considera ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção. Assim, afirmar-se que “menor” não pratica crime, pode representar uma heresia jurídica, se não for feita a ressalva de que pratica ato infracional e que o ato infracional é uma conduta tipificada como crime ou contravenção.
O mesmo ocorre com relação à possibilidade de o adolescente ser preso. E a prisão é to pelo qual o indivíduo é privado da liberdade de locomoção em virtude de infração da norma legal ou por ordem da autoridade competente.Tanto isso é certo que o art. 106 da Lei n.º 8069/90 é textual em afirmar que o adolescente pode ser privado de sua liberdade na hipótese de flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente.
Entretanto, a Lei Estatutária (nº 8069/90), por convenção terminológica e sem aparente ou explícita motivação jurídica, chamou a “prisão” de adolescente de apreensão (v g., arts. 107,171 e 172). Na prática inexistem diferenças entre a prisão e a apreensão, a não ser pelo fato de os adultos serem presos e os adolescentes apreendidos.
Finalmente, quanto à possibilidade de um adolescente ser condenado, muito não se precisa dizer para concluir-se que se a condenação for uma sentença que impõe ao autor de um delito uma pena, a resposta é negativa. Mas se por condenação entender-se a responsabilidade ou imputabilidade de um delito ou contravenção (ou ato infracional, se se preferir), em virtude do que se lhe é imposta uma medida como reparação ao mal praticado, então o adolescente pode ser condenado, sim. Dessa forma, ao aplicar ao adolescente uma das medidas sócio-educativas previstas para o autor de um ato infracional (art. 112 da Lei 8069/90), juiz esta emitindo um decreto condenatório.
Na verdade, existe um aparente desconhecimento da Lei e um real descumprimento da mesma. Adolescentes podem ser presos tanto quanto os adultos podem ser presos. As medidas podem ser, em alguns casos, mais brandas. Mas aí não é solução reduzir a imputabilidade penal e, sim agravar as medidas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
A pretensão de redução da maioridade penal de 18 anos para 16 anos não resiste ao debate sério e fundamentado em premissas sociológicas e jurídicas. A rigor, do ponto de vista estritamente jurídico, a questão pode ser considerada superada pelo fato de que a proteção integral dos direitos da criança e do adolescente encontra guarida na Constituição Federal, notadamente, nos artigos 227 e 228, como ficou demonstrado na análise deste trabalho. O direito a tratamento diferenciado dos menores que cometam atos tipificados como crimes ou contravenções penais possui a mesma natureza dos direitos e garantias individuais arrolados no art. 5º da Constituição e outros dispersos pelo texto constitucional. E, como tal, reveste-se do caráter de cláusula pétrea, não podendo, por isso mesmo, ser objeto de emenda constitucional que vise à sua abolição, como se depreende da leitura do art. 60, § 4º, inc. IV. Não se justifica, ainda, a referida pretensão sob o argumento de que há impunidade, em vista da tutela do Estatuto da criança e do Adolescente. As sanções previstas pelo Estatuto para as infrações são tão ou mais severas que as penas previstas para as mesmas condutas tipificadas como crimes no Código Penal. O que ocorre é a não aplicação das medidas previstas pelo Estatuto, do mesmo modo como muitas penas previstas pelo Código Penal não são aplicadas em virtude de deficiências no funcionamento da Justiça Criminal ou na aplicação defeituosa da Lei de Execução Penal.
Não se pode, ainda, atribuir o aumento da criminalidade à “impunidade de criminosos” como afirmam os defensores da pretensão da redução da maioridade penal. Há fatores sociais e políticos a serem considerados na questão.
Informações Sobre o Autor
Jozemir Loureiro Pereira
Acadêmico de Direito em Vitória/ES