Nova responsabilidade civil à luz da Constituição Federal

Sumário: 1. História do direito.  2. Funções dos princípios. 3. Mas, o que é justiça? 4. O papel da constituição. 5. A erosão dos filtros tradicionais da responsabilidade civil. O caso da culpa e a flexibilização do nexo causal. 6. A expansão do dano ressarcível e a necessidade de seleção dos interesses merecedores de tutela. 7. A função punitiva da responsabilidade civil. 8. Considerações finais.


1. Historia do Direito


COSTITUCIONALIZAÇÃO


De fato, as alterações socioeconômicas experimentadas a partir das revoluções industrial e tecnológica, sobretudo quanto à massificação das práticas comerciais e a captação desenfreada do mercado na busca do lucro, trouxeram uma conseqüência: a sociedade pós-moderna passou a ser caracterizada pela insegurança.


Problema esse antigo, milenar. Basta volver o pensamento para o que a tradição afirma ter sido a causa da Lei das XII Tábuas: a exigência da plebe romana, que sofria com a insegurança, para que fossem postas por escrito as normas em que os patrícios baseavam suas decisões.


Esse fenômeno gera duas características básicas: a constitucionalização do direito e a personalização do sistema, ou seja, a substituição do individuo pela pessoa, esta representando o indivíduo comprometido com sua essência em sociedade, isto é, com o coletivo.


A vitória mais importante nesse campo, fruto dos reclamos da sociedade e de ingente trabalho dos órgãos e entidades de defesa do consumidor foi à inserção, na Constituição da República promulgada em 05 de outubro de 1988, de quatro dispositivos específicos sobre o tema. O primeiro deles, mais importante porque reflete toda a concepção do movimento, proclama que o Estado legislará com competência concorrente com os municípios e Estados sobre danos ao consumidor (art.24, VIII). No capitulo da Ordem Econômica, a defesa do consumidor é apresentada como uma das faces justificadoras da intervenção do Estado na economia (art.170, V). E o art. 48 do ADCT anunciava a edição do tão almejado Código de Defesa do Consumidor, que se tornou realidade pela Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, após longos debates, muitas emendas e vários vetos, tendo por base o texto preparado pela comissão de juristas e amplamente debatido no âmbito do CNDC.


Democracia liberal, a proteção jurídica do consumidor se reveste, indubitavelmente, de fundamental importância na consecução deste objetivo. A este fato esteve atento o legislador constitucional ao posicionar a defesa do consumidor entre princípios gerais da atividade econômica. Essa constitucionalização advirta-se, torna patente o propósito intervencionista do Estado e situações de desigualdade e desequilíbrio social que não poderiam ser satisfatoriamente acomodadas ou corrigidas com uso de instrumentos meramente políticos ou econômicos. Conclui-se, assim, que a defesa do consumidor em nosso ordenamento jurídico atual reflete um princípio constitucional impositivo (Canotilho), a cumprir dupla função, como instrumento para realização do fim de assegurar a toda existência digna e como objetivo particular a ser atingido. No último sentido, assume a função de diretriz (Dworkin) – norma-objetivo-dotada de caráter constitucional conformador, justificando a reivindicação pela realização de políticas públicas. Ou, em outros termos, apanágio do próprio Estado de Direito, revelando incessante reivindicação do reconhecimento da existência de uma real igualdade e participação social equivalente para todos os cidadãos. Ao rigor desse raciocínio, inexiste dúvida de que a atual Lei Maior possui o condão de tachar de inconstitucional qualquer norma ou situação jurídica que viole ou que apenas possa constituir óbice á defesa dos direitos do consumidor.


2. Funções dos Princípios:


E arremata o ilustre jurista e professor Celso Ribeiro Bastos:


Os princípios constitucionais são aqueles que guardam os valores fundamentais da ordem jurídica. Isso só é possível na medida em que este não objetiva regular situações específicas, mas sim desejam lançar a sua força sobre todo o mundo jurídico. Alcançam os princípios esta meta á proporção que perdem o seu caráter de precisão do conteúdo, isto é, conforme vão perdendo densidade semântica, eles ascendem a uma posição que lhes permite sobressair, pairando sobre uma área muito mais ampla do que uma norma estabelecedora de preceitos.


Portanto, o princípio em carga normativa ganha como força valorativa a espraiar-se por cima de um sem-numero de outras normas. O reflexo mais imediato disto é caráter de sistema que os princípios impõem á Constituição. Sem eles a Constituição se pareceria mais com um aglomerado de normas que só teriam em comum o fato de estarem juntas no mesmo diploma jurídico, do que com um todo sistemático e congruente, Desta forma, por mais que certas normas constitucionais demonstrem estar em contradição, esta aparente contradição deve ser minimizada pela força catalisadora dos princípios. Outra função muito importante dos princípios é servir como critério de interpretação das normas constitucionais, seja ao legislador ordinário, no momento da criação das normas infraconstitucionais, seja aos juizes, no momento de aplicação do direito, seja aos próprios cidadãos, no momento da realização de seus direitos.


Em suma, são os princípios constitucionais aqueles valores albergados pelo texto maior a fim de dar sistematização ao documento constitucional, de servir como critério de interpretação e finalmente, o que é mais importante, espraiar os seus valores pulverizá-los sobre todo o mundo jurídico.


3. Mas, que é Justiça?


Segundo Hans Kelsen, aplaudido jurista austríaco:


A qualidade ou a virtude da justiça atribuída a um individuo exterioriza-se na sua conduta em face dos outros indivíduos, isto é, na sua conduta social. A conduta social de um indivíduo é justa quando corresponde a uma norma que prescreve essa conduta, isto é, que a põe como devida e, assim, constitui o valor justiça. A conduta social de um individuo é injusta quando contraria uma norma que prescreve uma determinada conduta. A justiça de um indivíduo é a justiça da sua conduta social; e a justiça da sua conduta social consiste em ela corresponder a uma norma que constitui o valor justiça e, neste sentido ser justa. Podemos designar essa norma como norma da justiça.


Como as normas da moral são normas sociais, isto é, normas que regulam a conduta de indivíduos em face de outros indivíduos, a norma da justiça é uma norma moral; e, assim, também sob este aspecto o conceito da justiça se enquadra no conceito da moral.


Miguel Reale doutrina a respeito:


“Para o autor da ética, Nicômaco, a eqüidade é uma forma de justiça, ou melhor, é a justiça mesma em um de seus momentos, no momento decisivo de sua aplicação ao caso concreto. A eqüidade para Aristóteles é a justiça do caso concreto, enquanto adaptada, ajustada á particularidade de cada fato concorrente. Enquanto que a justiça em si é medida abstrata, suscetível de aplicação a todas as hipóteses a que se refere; a eqüidade já é a justiça no seu dinâmico ajustamento ao caso. Foi por esse motivo que Aristóteles a compara à régua de Lesbos. Esta expressão é de grande precisão. A régua de Lesbos era a régua especial de que se serviam os operários para medir certos blocos de granito, por ser feita de metal flexível que lhe permitia ajustar-se ás irregularidades do objeto. A justiça é uma proporção genérica e abstrata, ao passo que a eqüidade é específica e concreta, como a régua de Lesbos: flexível, que não mede apenas aquilo que é normal, mas, também, as variações e curvaturas inevitáveis de experiências humanas.”


4. O papel da Constituição:


È a Constituição, sem dúvida, a norma superior de qualquer ordenamento jurídico positivo rígido democrático, situando-se no ápice da pirâmide normativa. Daí ser impossível, no plano material, o conteúdo de uma norma infra-ordenada ser antagônico ao de sua matriz.


J.J.Gomes Canotilho, versando o tema, ensina:


“A superioridade hierárquico-normativa apresenta três expressões: (a) as normas constitucionais constituem uma lex superior que recolhe o fundamento de validade em si própria (autoprimazia normativa; (b) as normas da Constituição são normas de normas (normãe normarum); afirmando-se como uma fonte de produção jurídica de outras normas (lei, regulamentos, estatutos ); (c) a superioridade normativa  das normas constitucionais implica o princípio da conformidade todos os atos dos poderes públicos com a Constituição.”


A ordem jurídica estrutura-se em termos verticais, de forma escalonada, situando-se a Constituição no vértice da pirâmide. Em virtude destas posições hierárquicas, ela atua como fonte de outras normas. Nos seu conjunto, a ordem jurídica é uma derivação normativa a partir da norma hierarquicamente superior, mesmo que se admita algum espaço criador às instâncias hierarquicamente inferiores quando concretizam as normas superiores.


Para Hans Kelsen:


Uma lei somente pode ser validada com fundamento na Constituição. Quando se tem fundamento para aceitar a validade de uma lei, o fundamento da sua validade tem de residir na Constituição. De uma lei inválida não se pode, porém, afirmar que ela é contrária á Constituição, pois uma lei inválida não é sequer uma lei, porque não é juridicamente existente e, portanto, não é possível acerca dela qualquer afirmação jurídica.


5 – A EROSÃO DOS FILTROS TRADICIONAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL: O CASO DA CULPA E A FLEXIBILIZAÇÃO DO NEXO CAUSAL


O sistema de responsabilidade civil se consagra pelas grandes codificações; ancorava-se, como se sabe, em três pilares: culpa, dano e nexo causal. Na prática judicial, tal sistema implicava que a vitima de um dano, dirigindo-se aos tribunais, precisava superar duas sólidas barreiras para obter indenização:


I) a demonstração do caráter culposo lato sensu da conduta do ofensor; e


II) a demonstração do nexo de causalidade entre a conduta do ofensor e o dano.


A estas duas barreiras – a prova da culpa e a prova do nexo causal – já se chamou filtros da responsabilidade civil, por funcionarem como meio de seleção das demandas de indenização que deveriam merecer acolhimento jurisdicional.


Parecia evidente, nesta construção, que, se, por qualquer catástrofe, estes filtros se rompessem, o Poder Judiciário seria inundado por um volume incalculável de pedidos de reparação os mais banais.


Em alusão a esta imagem, a primeira tendência é justamente aquela que se pode chamar com o nome, algo hidráulico, de erosão dos filtros tradicionais da responsabilidade civil. Quer a expressão significar a relativa perda de importância da prova da culpa e do nexo causal na dinâmica contemporânea das ações de responsabilização.


 Tome-se, de início, a prova da culpa. Já denominada prova diabólica diante das dificuldades que trazia, no século XIX, ás vitimas de danos derivados do maquinismo industrial, a prova da culpa veio gradativamente perdendo relevância em todos os ordenamentos de civil law. Assistiu-se, embora não necessariamente em uma evolução linear,


I) Á multiplicação das presunções de culpa:


II) Ao avanço da responsabilidade fundada no risco: e


III) Á alteração da própria noção de culpa e do modo de sua aferição.


Nesse novo contexto, resta claro que a prova da culpa perdeu muito de seus tormentos originais, não apenas por força da marcha da responsabilidade objetiva, mas também em virtude das transformações vividas no âmbito da própria responsabilidade por ato ilícito. Facilitada à prova da culpa verifica-se o considerável aumento do fluxo de ações de indenização a exigir provimento jurisdicional favorável por parte dos tribunais. Corroem-se, por assim dizer, um dos filtros tradicionais da responsabilidade civil, sendo natural que as atenções se voltem – como, efetivamente, tem-se voltado – para o segundo filtro, qual seja: a demonstração do nexo causal.


Reabre-se, de fato, por toda parte, o debate doutrinário em torno das teorias da causalidade, envolvendo a teoria da causalidade direta e imediata, a teoria da equivalência das condições, e tantas outras de evolução mais recente. Em muitos casos, é que os tribunais, muito pelo contrário, se valem da miríade de teorias exatamente para justificar uma escolha subjetiva e muitas vezes a técnica, da causa do dolo.


“Com efeito, expressões como “causalidade adequada” e “causalidade eficiente” têm sido empregadas, freqüentemente, em procedimentos racionais que refletem o uso de outras teorias, como a subteoria da necessariedade. Em outros casos, tais expressões têm sido usadas mesmo sem refletir qualquer construção teórica, mas tão-somente a eleição, com ampla discricionariedade, da causa que, no entendimento do magistrado, melhor assegura proteção á vitima.


6 – A EXPANSÃO DO DANO RESSARCÍVEL E A NECESSIDADE DE SELEÇÃO DOS INTERESSES MERECEDORES DE TUTELA: OS NOVOS DANOS E SEUS “LIMITES”


Ilustre Jurista Schreiber: A expansão do dano ressarcível e a necessidade de seleção dos interesses merecedores de tutela: os novos danos e seus “Limites”. Resta evidente a proliferação do que se tem chamado de “novos danos”. Verdade que, em alguns destes novos danos, o que se tem é simplesmente uma nova situação lesiva; em grande parte, contudo, o que se vê são realmente novos interesses cujo merecimento de tutela vem submetido ao Poder Judiciário. A abertura dos tribunais a estes novos interesses, se, de um lado, traz efetivamente a possibilidade de demandas pouco sérias, fundadas em meros aborrecimentos ou frustrações, de outro, tem acionado mecanismos de reação não raro equivocados, como o inconstitucionalíssimo Projeto de Lei 150/99, cujo propósito expresso era impor limites quantitativos ás indenizações por dano não patrimonial. A discussão, portanto, não deve ser de limites, mas, de função. O que parece essencial, em outras palavras, não é refletir sobre tetos indenizatórios ou áreas imunes á responsabilidade civil, sobre critérios que permitam a seleção dos interesses tutelados pela responsabilidade civil á luz dos valores constitucionais. A tarefa de selecionar os interesses dignos de tutela, embora relevante, permanece hoje exclusivamente a cargo do magistrado, que opera, á falta de subsídios da doutrina, uma seleção esta que, além de desconfortável em sistemas romano-germânicos, implica uma inevitável incoerência e insegurança no tratamento dos jurisdicionados, trazendo o risco, mais grave e cruel, de soluções que impliquem a restrição ou negação de tutela á pessoa humana.


Urge, em vista disso, a elaboração de critérios de seleção dos interesses merecedores de tutela reparatória, em consonância com os valores fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro. Tal seleção mostra-se imprescindível para evitar que interesses não-patrimoniais, mesmo os mais insignificantes, venham a ser associados á dignidade da pessoa humana com intuitos exclusivamente indenizatórios e, portanto, patrimoniais, o que representaria a verdadeira inversão da axiologia constitucional e traria, em última análise, o risco de sua negação.


 De outro lado, discute-se, sobretudo na esteira de influências estrangeiras, a instituição de mecanismos mais intensos de seguridade social, e de seguros privados obrigatórios, capazes de garantir ás vitimas de determinados danos reparação pelo seus prejuízos sem a necessidade e as vicissitudes do recurso á responsabilidade civil. Embora em alguns paises de realidade social claramente diversa da nossa como a Nova Zelândia e a Suécia, se tenham chegado mesmo a substituir amplamente a responsabilidade civil por um sistema de seguridade social, a idéia restringe-se, na maior parte do mundo, a mecanismo que poderiam funcionar paralelamente (e não substitutivamente) ás ações de reparação.      


Hoje, tem-se como certo que tais mecanismos devem centrar-se menos sobre o Poder Público, e mais, sobre a sociedade civil, onerando em particular os agentes econômicos potencialmente causadores do dano. Nesta acepção, a experiência não é estranha ao ordenamento jurídico brasileiro, tendo alcançado algum grau de sucesso no que tange ao seguro relativo a acidente de trabalho. Cumpre, por esta razão, não apenas promover, no âmago da responsabilidade civil, as alterações estruturais necessárias ao adequado desempenho de suas novas funções – como a tutela de interesses não patrimoniais – mas, igualmente, cogitar de outros instrumentos que possam somar-se ao instituto com o propósito de promover a mais ampla e justa proteção contra os danos, desempenhado aquelas tarefas que, de forma procustiana, lhe vêm, hoje, atribuídas.


Vale aqui singela proposta de Hannah Arendt: “trata-se apenas de refletir sobre o que estamos fazendo”.


7- A função punitiva da responsabilidade civil.


Ao tratar dos fundamentos da codificação civil que vivemos em 2002, asseverou Judith Martins Costa: Se o mais relevante for à relação entre a pessoa e os bens patrimoniais, economicamente avaliáveis, crescem em importância as regras jurídicas atinentes á tutela do patrimônio. As normas de direto privado restam ai reduzidas a meios de tutela dos bens patrimoniais, obscurecendo-se a civilidade, dimensão social da existência e da própria dimensão social do ser civil no individualismo egoísta. Contudo, se em primeiro plano está à pessoa humana valorada por si só, pelo exclusivo fato de ser pessoa – isto é, a pessoa em sua irredutível subjetividade e dignidade, dotada de personalidade singular e por isso mesmo titular de atributos e de interesses não mensuráveis economicamente – passa o Direito a construir princípios e regras que visam a tutelar essa dimensão existencial, na qual mais que tudo, ressalta a sua direção etimológica  e do direito dos indivíduos passa a ser considerado o direitos dos civis, dos que portam em si os valores da civilidade.


Na França, as vozes neste sentido são ainda mais intensas porque já em 1904 L. Hugueney apresentava sua tese a favor da pena privada com a obra intitulada “L’idée de peine privée em droit contemporain”. Seu sucessor nesta linha de pensamento, Boris Starck, apresentou a sua tese “Essai d’une théorie générale de la responsabilité civile, considerée en sa doublé fonction de garantie et de peine privée” em 1947.


Mas nem mesmo na França a função punitiva da responsabilidade civil teve fleuma na sua trajetória e foi Geneviève Viney que, ao prefaciar a obra de Suzane Carval, relatou que “Na sua famosa na tese, publicada em 1947, STARCK sublinhava o dupla função da responsabilidade civil: “garantia” e”`pena privada”. No entanto, durante quase cinqüenta anos, é inegavelmente o desenvolvimento da função de `garantia” que a teve como vedete e monopolizou a atenção e os cuidados da doutrina. Com efeito, o formidável desafio da indenização das vítimas exigia reformas que se têm imposto gradualmente – embora ainda imperfeitamente – graças aos esforços alguns, em que na primeira fila é necessário colocar André Tunc.


Em contrapartida, a função de ‘aflição privada’, pouco solicitada, parecia destinada a estiolar-se, ao ponto de, em grande números de obras, era totalmente negligenciada e mesmo proscrita, considerando que a responsabilidade civil seria totalmente estrangeira à punição, esta que é da competência do direito penal.


Nos dias atuais, Suzane Carval, com toda sua autoridade, defendeu a função punitiva da responsabilidade civil, dizendo que esta função não é, de forma nenhuma, acessória ou secundária, é um atributo natural e necessário da responsabilidade civil, e atende às diversas demandas de interesses da pessoa humana (aspecto sócio-cultural) como também algumas circunstancias na atividade econômica (aspecto sócio-econômico)


As doutrinas brasileiras, contando com grandes nomes no ramo da responsabilidade civil, têm apontado pela rejeição de um caráter punitivo da indenização. O melhor exemplo é Maria Celina Bodin de Moraes que assevera seguramente: “A função punitiva representa atualmente um grande incentivo à malícia. Ademais disso, ela ‘corre solta’, sem critérios, já que proveniente apenas da maior ou menor sensibilidade de cada magistrado”.


Porém, se pode afirmar que Fernando Noronha é dono de um pensamento muito plausível para a negação da função punitiva da responsabilidade civil: “A função sancionatória da responsabilidade civil é invocada geralmente para justificar o agravamento da obrigação de indenizar, mas às vezes ela tem o efeito contrário, fundamentando uma redução do quantitativo que em princípio seria defensável. Assim, a natureza indenizatória da responsabilidade civil não impede que o juiz possa reduzir eqüitativamente a indenização, nos casos em que sejam enormes os danos causados e seja reduzida a culpa do responsável, nos termos do parágrafo único do artigo 944. Por outro lado, é considerando a função sancionatória, ou melhor, a inexistência de censurabilidade que em muitos casos de responsabilidade sem culpa (e às vezes mesmo com culpa menor) se fixam limites máximos de indenização, impossibilitando muitas vezes a reparação integral do dano sofrido pelo lesado.”


Para o autor, se a função punitiva da responsabilidade civil tem, segundo a sua natureza jurídica, o efeito de justificar um aumento da indenização, pode também apresentar um efeito reverso, já que pelo mesmo fundamento (grau de culpa do agente) justifica a redução da obrigação de indenizar. E este é o espírito do Parágrafo Único do art. 944 do nosso Código Civil: “Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.


A questão aparentemente simples torna-se complexa, caso se pondere a função punitiva da responsabilidade civil com o intuito de justificar um aumento da indenização, levando mais em consideração a conduta do agente do que os danos efetivamente sofridos pela vítima. É neste ponto que alguns juristas brasileiros sustentam a inviabilidade do instituto, considerando-o uma verdadeira aberração jurídica. Se o caput do artigo 944 traz ao nosso ordenamento jurídico a inovação da positivação do princípio da proporcionalidade (princípio este que segundo Suzane Carval é uma das condições de validade para a utilização do recurso à pena privada , poderia se sustentar que a mesma natureza jurídica da função punitiva é capaz de aumentar o quantum indenizatório, principalmente o dano mostrar-se insignificante e mas a conduta do agente, ao revés, muito grave.


Porém, para chegar neste patamar, para além do consenso doutrinário, seria preciso, antes de tudo, de um estudo ético-sociológico da sociedade brasileira. O que não se pode fazer é simplesmente rejeitar a idéia de plano, taxando-a de inconstitucional ou inconsistente. Neste trabalho, foi proposto o enfrentamento da possibilidade de adoção de um caráter punitivo da responsabilidade civil, não em defesa do instituto, mas principalmente para suscitar a reflexão jurídica acerca do tema que se mostra tão instigante.


É, porém, sustentado na posição de Fernando Noronha, o ensinamento segundo o qual a harmonia não está em nenhum dos extremos, defendendo um caráter punitivo em certas circunstâncias:


“Um sancionamento do ofensor só terá justificação quando haja dolo ou culpa; unicamente nestes casos a reparação civil do dano pode passar a ser também uma pena privada. Mas mesmo nestas situações, parece que o agravamento da indenização só se justifica na medida em que a idéia de punição do responsável (através da imposição da obrigação de pagar uma quantia) constitua ainda uma forma de satisfação proporcionada aos lesados, para de certo modo lhes “aplacar” a ira”.


Esta harmonia, certamente se dará através do reconhecimento de certas regras e medidas para a aplicação da ‘pena’, sem que se possa abrir brecha a um juízo arbitrário e livre de limites do julgador (uma das maiores críticas ao instituto). Sem também que se aproxime do descontrole dogmático (como o errôneo entendimento que a função punitiva é simples cópia do ‘punitive damages’ do sistema anglo-saxônico), bem como a taxação de inconstitucionalidade do instituto.


Assim, tratar sobre a estrutura das funções da responsabilidade civil requer, inicialmente, ter em mente que os princípios da culpa do risco fundamentam a própria responsabilidade civil, e justificam a imputação desta a alguém. Para estudar o sentido punitivo que a responsabilidade civil pode tomar, é imprescindível, antes de tudo ligar esta ‘punição’ a uma conduta do agente, que considerada ético-juridicamente, seja entendida contrária ao ordenamento jurídico. Para tanto, deve-se situar o âmbito que pode ser inserida a ‘punição’, os critérios de imputação da ‘penalidade’ bem como a sua conexão com o resultado da conduta, qual seja o dano injustamente provocado.


8 – CONSIDERAÇÕES FINAIS


Não se pode fechar os olhos para a evidência daquilo que está na base da redescoberta do interesse pela pena privada. Esta redescoberta parece ter uma razão bem profunda, que nasce da insatisfação que se percebe no dia-a-dia, em como a tutela dos direitos da pessoa não encontra um remédio suficiente naquele tradicional ressarcimento do dano.


Trata-se de uma insatisfação que se vê crescente, porque na sociedade do nosso tempo a dignidade da pessoa humana assume um valor central e conseqüentemente o eixo da tutela civil se desloca do direito patrimonial para o direito das pessoas.


Por outro lado, quando se fala numa função punitiva da responsabilidade civil, logo se projeta a maior ou menor censurabilidade da conduta do responsável. E tal sorte tem reflexos na obrigação de reparar os danos causados, aproximando muitas vezes a “indenização” de uma “pena privada”, e é justamente na reparação por danos extra patrimoniais que é patente, mesmo que com relevo secundário, a finalidade de punição do lesante, sobretudo se agiu com forte culpa. Ainda, a responsabilidade civil também visa a dissuadir outras pessoas e ainda o próprio lesante da prática de atos prejudiciais a outrem: obrigando o ofensor a reparar o dano causado, contribui-se para coibir a prática de outros atos danosos, tanto pela mesma pessoa como por quaisquer outras. É empírico, nosso ver, este axiomático que o ordenamento jurídico civil poderá incluir a expressão, sanção Punitiva ao dano, tanto ao moral como material. Sendo que este instituto não vai influenciar no Quantum a indenizar, este instituto terá que ter uma maior profunda analise.


Já “pacificado” em um dos seus votos, a ministra Nancy Andrighi. O STJ através de novas súmulas, aos poucos conforme a necessidade da sociedade, e do ordenamento Jurídico civil, preenchendo as lacunas dentro da responsabilidade civil. Breve comentário para corroborar, contribuição, elucidação do instituto da Responsabilidade Civil, com precisão acadêmica e elegância literária de sempre.


Vários critérios são adotados, desde o tipo e a extensão do dano até a disponibilidade financeira do condenado. O que não pode acontecer é a indenização representar enriquecimento ilícito. Em um dos seus votos, a ministra Nancy Andrighi destacou a importância do valor adequado da reparação, afirmando que a indenização não é apenas uma punição contra o causador do dano, “mas é também uma maneira de restaurar a integridade da vítima”. (Resps nºs406585, 945519, 891284 e 971845 – com informações do STJ).


 


Novas súmulas do STJ que dispõem sobre o dano moral:

362 – A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento.

326 –  Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca.

281 – A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa.
227 – A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.

221 – São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação.

221 – São civilmente responsáveis pelo ressarcimento de dano, decorrente de publicação pela imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação.

37 – São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.

 

Bibliografia

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REALE, Miguel. Aristóteles (384-322 a.C.), Cognominado o príncipe dos filósofos. Op. Cit. P.125.

SCHREIBER, Anderson. Novas Tendências da Responsabilidade Civil Brasileira. Pg. 293,294,295 e 299,300).

SCHREIBER, Anderson. Novas Tendências da Responsabilidade Civil Brasileira p.309-310-312-315.)


Informações Sobre o Autor

Jésse Toni Porto dos Santos

Academico de Direito da Ulbra-RS


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