1. Introdução e Objetivo
O presente artigo tem o escopo de discorrer sobre o novo papel da jurisdição constitucional no Brasil, sobretudo ante às recentes modificações no ordenamento jurídico constitucional e infra-constitucional, bem como às decisões da Suprema Corte.
Para tanto, faz-se uma breve exposição sobre a evolução da atuação jurisdicional do Supremo Tribunal Federal, do avanço desde as “engessadas” e bem divididas atuações nas modalidades de controle de constitucionalidade para o moderno “molde”, flexível, com vistas a sacramentar a segurança jurídica e também a judicialização da política no Brasil, sobretudo pelo novo papel do controle difuso de constitucionalidade.
Desse modo, assume papel relevante a chamada “abstrativização” do controle difuso de constitucionalidade, fazendo com que este mecanismo avoque feições, cada vez mais, de um processo objetivo de controle, face aos recentes posicionamentos do Tribunal Constitucional.
2. Breve Evolução da Jurisdição Constitucional
Como sabido, o modelo brasileiro de jurisdição constitucional, seguindo o sistema jurídico que consagra apenas o contencioso jurisdicional, obedece, em regra, o controle de constitucionalidade realizado pelo Poder Judiciário, basicamente em duas modalidades (também chamada de vias de controle, por isso, denomina-se “misto”): a difusa-concreta e a concentrada-abstrata.
A primeira via possui origem norte-americana (caso Marbury versus Madison – 1803) e tem como característica a possibilidade de ser exercido por qualquer juiz ou tribunal, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, diante de um determinado caso concreto, com o escopo de proporcionar o respeito e consolidação máxima aos direitos fundamentais do interessado, e efeitos, a priori¸ apenas inter partes.
Já na segunda via, de origem européia, o que se busca é analisar objetiva e diretamente a compatibilidade de um comportamento estatal (ato “normativo” – omissivo ou comissivo) em face dos preceitos da Constituição, podendo acarretar a retirada do ato maculado do ordenamento jurídico, devido ao objetivo de proteção ao sistema constitucional vigente como um todo, a ser realizado exclusivamente pelo Tribunal Constitucional (que atua como legislador negativo direto), por meio de decisões com eficácia erga omnes e efeito vinculante aos demais órgãos do Judiciário e da Administração Pública, direta ou indireta.
O primeiro modelo positivou-se no Brasil com a instituição da República (Constituição de 1891), por meio da qual ocorreu uma inovação no que tange à relação dos poderes constituídos no Brasil: o que era monopolizado pelo então Poder Moderador (Constituição Imperial de 1824) passou para um modelo que permitia o controle jurisdicional de constitucionalidade de leis federais e de “leis e atos dos governos dos Estados em face da Constituição”, conforme art. 59, 3, b, da CF/1891.
Considera-se, portanto, que a partir da mencionada Constituição Republicana o Poder Judiciário assumiu novo papel na história da jurisdição constitucional: de transigente com o modelo político para personagem principal do desenvolvimento democrático no país, com a incumbência de limitar a atuação do Estado em prol dos direitos do cidadão, ainda que, naquela época, de maneira incipiente.
Porém, paralelamente ao desenvolvimento desse clássico papel da jurisdição constitucional, a produção normativa ficou a cargo do Poder Legislativo, restando à atuação jurisdicional a estrita aplicação das leis produzidas pelos legisladores ao caso concreto. A Constituição de 1934 previa, inclusive, no art. 68, a vedação ao Poder Judiciário em apreciar questões exclusivamente políticas (political questions, para a doutrina norte-americana).
Além disso, a “Constituição Social” brasileira trouxe a possibilidade do Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de ato declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, estendendo os efeitos à generalidade dos casos semelhantes – erga omnes, tal como previsto hodiernamente, no art. 52, X, da CF/88, cuja crítica se constrói algures neste artigo.
Apesar de a Constituição de 1934 ter instituído a primeira ação direta de controle de constitucionalidade (ação interventiva), foi somente com a Emenda Constitucional nº 16/1965 à Constituição de 1946 que houve a inauguração no ordenamento jurídico brasileiro do mencionado controle concentrado de constitucionalidade, por meio do advento da ação direta de inconstitucionalidade.
Neste aspecto, é de se salientar que decisões judiciais com efeito geral e abstrato encontraram resistência de aceitação no país, a priori, pelo respeito ao dogma da Supremacia do Legislador. Este dogma foi relativizado a partir da segunda metade do século XX, com contribuição consistente de Hans Kelsen, a partir da Constituição Austríaca de 1920.
No campo do direito comparado, com relação ao sistema concentrado-abstrato, os tribunais constitucionais europeus proporcionavam decisões com eficácias contra todos, atuando verdadeiramente como legisladores negativos[1], e com função governativa, estruturante, arbitral e comunitarista[2].
Em oposição à este movimento de evolução da jurisdição constitucional surgiu a expressão denominada “governo dos juízes”, preconizando uma crítica à intervenção do Supremo Tribunal norte-americano nas opções políticas do Executivo e do Legislativo.
Desse modo, a partir do século XX, sobretudo da segunda metade, a par das críticas sofridas, a atuação da jurisdição constitucional efetivou a passagem de um Estado Liberal abstento para um Estado prestador aos destinatários das normas constitucionais, sobretudo por meio da colocação em xeque do papel monopolizador do Poder Legislativo na efetivação destes direitos constitucionais.
Contribuiu para esta relativização das funções dos poderes instituídos do Estado a existência, cada vez maior, de críticas a respeito do sistema de representação política como instrumento hábil a proporcionar a consecução plena da representação de minorias e a realização das idéias democráticas. Neste sentido:
“Parece bem evidente que a noção de democracia não pode ser reduzida a uma simples idéia majoritária. Democracia, como vimos, significa também participação, tolerância e liberdade. Um judiciário razoavelmente independente dos caprichos, talvez momentâneos, da maioria, pode dar uma grande contribuição à democracia; e para isso em muito pode colaborar um Judiciário suficientemente ativo, dinâmico, criativo, tanto que de seja capaz de assegurar a preservação do sistema de checks and balances, em face do crescimento dos poderes políticos, e também controle adequados perante outros centros de poder (não governativos ou quase-governativos), tão típicos das nossas sociedades contemporâneas.”[3]
Portanto, este quadro de evolução da jurisdição constitucional levou o Brasil à adoção do exercício dos dois sistemas de controle de constitucionalidade mencionados acima, cada qual com suas características peculiares, mas que têm assumido modernamente papel revolucionador na consubstanciação dos ideais democráticos preconizados pelo Estado Democrático Social de Direito.
Em decorrência do interesse do presente artigo, abordaremos as principais inovações trazidas pelo controle difuso de constitucionalidade, e sua proximidade com os efeitos já existentes e consolidados do controle concentrado (erga omnes e vinculante),o que chega a denominar-se sincretismo da jurisdição constitucional brasileira[4], possibilitado, graças ao fenômeno da participação cada vez mais efetiva do judiciário nos ditames políticos constitucionais do ordenamento, denominado, judicialização da política.
3. A Judicialização da Política Como Pressuposto da Jurisdição Constitucional
Em verdade, Constituições como a brasileira de 1988, dirigente e analítica, e com excesso de disposições acerca a atuação política do governante, necessitam da atuação intensa do Judiciário a fim de proporcionar a substancial concretização dos seus valores fundamentais, além de sofrer sucessivas alterações em seu texto, com o objetivo de sempre avançar na consolidação dos direitos fundamentais, movimento ancorado no conhecido princípio da proibição do retrocesso.
Com a atuação ineficiente dos outros poderes em atingir tais fins fundamentais do Estado e também em garantir os direitos do cidadão, seja pela ineficiência da organização estatal ou pela ineficácia dos mecanismos democráticos (como o voto) propugnados, não resta alternativa senão a recorrer aos órgãos jurisdicionais, fazendo com que haja, necessariamente, em tempos atuais, uma intenso intercâmbio entre o jurídico e o político, o que denomina-se judicialização da política.
Esta atuação jurisdicional não poderá, por óbvio, representar uma usurpação das funções alheias, devendo ser ocasionada pela necessidade de desenvolvimento das idéias democráticas no Estado e da respectiva aprovação pelos cidadãos. Tal necessidade gera uma evolução na atividade interpretativa dos juízes, com o intuito de propiciar a preservação da harmonia do sistema normativo no país.
Logicamente, além dos limites desta atuação jurisdicional serem pré-fixados em razão do sistema de separação dos poderes e da respectiva competência de cada um, mister conceber que o judiciário, com intensidade consciente e moderada de atuação, atue sempre dentro do âmbito de um processo, evitando agir ex officio, ou mesmo proferindo decisões genéricas.
Além disso, em última ratio, o Tribunal Constitucional deverá obrigatoriamente interpretar o texto constitucional (programa da norma) inserido nos limites da realidade (âmbito de norma), pois, ao proteger a ordem constitucional, por consectário, protege a soberania popular em sua mais intensa e importante manifestação: a obra do poder constituinte originário, cuja titularidade pertence ao povo – a Constituição.
4. As Mudanças do Controle Difuso de Constitucionalidade
Como já vimos, a origem norte-americana deste controle de constitucionalidade, lá denominado judicial review of legislation, foi responsável pela institucionalização no Brasil do sistema de contencioso constitucional, porém, com algumas diferenças.
No sistema praticado pelos Estados Unidos, apesar de todo órgão judicial poder exercitar o controle, a Suprema Corte desempenha um papel determinante, em virtude do princípio denominado stare decisis, ou seja, a eficácia vinculante das decisões da Supreme Court que analisam o caso concreto, fazendo com que o seu precedente seja determinante na hermenêutica constitucional. Ou seja, mesmo decidindo um caso concreto (incidenter tantum), as decisões (e os respectivos motivos determinantes) do Tribunal Constitucional norte-americano possuem naturalmente eficácia erga omnes. Portanto, este país não utiliza o controle concentrado de constitucionalidade em detrimento do sistema da força dos precedentes.
No Brasil, no conceito originário, não se adotou este sistema de precedentes ao controle difuso (somente o controle concentrado possui formal e originariamente os efeitos erga omnes e vinculante em suas decisões), estando as decisões submetidas a efeitos somente inter partes, fazendo com que possam existir decisões conflitantes entre os vários órgãos judiciários competentes, acarretando uma sensação de incerteza e insegurança jurídica, além do excessivo número de demandas judiciais. Além disso, outorgou-se ao Senado Federal a anacrônica possibilidade de conceder o efeito erga omnes, por meio da disposição constante no art. 52, X, da CF/88.
Entretanto, a jurisdição constitucional exercida no controle difuso vem sofrendo mudanças significativas (processuais e constitucionais) com o fito de propiciar uma melhor solução a estas falhas apontadas (insegurança jurídica e número excessivo de demandas), além de proporcionar a consecução dos fins democráticos do Estado e a consolidação plena dos direitos fundamentais dos cidadãos.
4.1. A anacrônica atribuição do Senado Federal no Controle Difuso
Não nos parece defensável o dispositivo constante no art. 52, X, da Constituição Federal, senão com o único fito de dar publicidade às decisões do Supremo Tribunal Federal em controle difuso, e não com o propósito de propiciar a concessão de efeitos erga omnes às decisões do Tribunal Constitucional em controle difuso.
Afigura-nos um contra-senso separar as funções do STF de quando ele atua em controle concentrado ou difuso. É o mesmo Tribunal Constitucional em atuação, com os mesmos propósitos já evidenciados alhures, isto é, de propiciar a defesa do ordenamento constitucional como um todo, por meio da consolidação e respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana.
Desse modo, a jurisdição constitucional deve ser encarada com um só objetivo, o de permitir a intervenção do Pretório Excelso para promover o desenvolvimento do Estado Democrático Social de Direito, e o bem estar de toda a coletividade nele incluída, por meio da garantia de efetividade das normas constitucionais em harmonia com esta sociedade.
Constitui um dissenso aceitar o efeito erga omnes de uma decisão liminar, em ADI, do STF, a qual suspende a eficácia da lei ou de um ato normativo (em controle concentrado), e não admitir o mesmo efeito em decisão definitiva no caso concreto (em controle difuso), o qual deve também primar pela segurança jurídica e interesse social das decisões nos casos de maior repercussão.
Além disso, há a possibilidade de decisão do STF em controle difuso a qual, não necessariamente, declare inconstitucional de lei ou ato normativo no caso concreto, podendo, como técnica de decisão, promover uma interpretação conforme à Constituição ou até mesmo uma declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto e sem pronúncia de nulidade[5].
O próprio STF vem reconhecendo a eficácia geral de suas decisões de inconstitucionalidade (não somente da parte dispositiva das decisões, bem como dos fundamentos da decisão, o que é chamado de efeito transcendental dos motivos determinantes da decisão), mesmo em controle difuso, e sem a necessidade da intervenção do Senado.
Em geral, tais decisões acarretam, direta ou indiretamente, uma posterior modificação na legislação infraconstitucional correlata por parte do legislativo[6], ressalvando-se ainda os casos de edição de Súmula Vinculante pelo Supremo, como abordado à frente.
4.2. As mudanças no processo constitucional in concreto – controle difuso
Compete ao juiz moderno “compreender as particularidades do caso concreto e encontrar, na norma geral e abstrata, uma solução que esteja em conformidade com as disposições e princípios constitucionais, bem assim com os direitos fundamentais.”[7] Por este papel, o conteúdo da fundamentação jurídica, isto é, motivos determinantes em que se ancora a decisão – ratio decidendi – tem assumido um caráter vinculante e geral a ser aplicado a outras situações semelhantes, semelhante ao sistema norte-americano de precedentes.
Esta nova atuação jurisdicional de encontrar a regra no fundamento da decisão tem obtido respaldo do ordenamento, verbi gratia, por meio da adoção da Súmula Vinculante (art. 103-A, CF/88 e Lei nº 11.417/2006); da observância dos enunciados das súmulas de jurisprudência dos tribunais (arts. 475, §3º – dispensa do reexame necessário; 518, §1º – súmula impeditiva de recursos; 544, §3º; 557, etc., do CPC); do julgamento liminar de improcedência em causas repetitivas (art. 285-A, CPC); da admissibilidade do incidente de uniformização de jurisprudência (arts. 476 a 479, CPC) e dos embargos de divergência com o fito de uniformizar jurisprudência com base em precedentes judiciais (art. 546, CPC); e da adoção do julgamento por amostragem de recursos repetitivos no STJ (art. 543-C, CPC) e também relativo ao filtro de repercussão geral no Recurso Extraordinário[8] (arts. 543-A e 543-B, CPC).
Esta ampliação dos efeitos do processo in concreto de controle de constitucionalidade tem chamado a atenção dos doutrinadores, com codinomes diferenciados: abstrativização do controle difuso; objetivação do controle difuso, etc.
Com relação ao Recurso Extraordinário, embora a priori seja um instrumento do controle difuso de constitucionalidade (incidenter tantum), suas decisões têm se utilizado dos efeitos típicos do controle abstrato (principaliter tantum).
De acordo com Fredie Didier Jr.[9], nada impede, ainda, que o controle de constitucionalidade seja difuso, mas abstrato: a análise da constitucionalidade é feita em tese, embora por qualquer órgão judicial, acarretando efeitos inter partes, porém, vinculando o tribunal a adotar o mesmo posicionamento em outras oportunidades, v.g., a dispensa da reserva de plenário prevista no parágrafo único do art. 481 do CPC.
O Supremo (especificamente o Pleno), ao julgar um Recurso Extraordinário com exame de inconstitucionalidade de uma lei tem admitido o controle abstrato, passando a orientar o tribunal em situações análogas posteriores[10]. Em decorrência disso, pode ainda optar, neste contexto, pela edição da Súmula Vinculante.
Um dos grandes exemplos jurisprudenciais da Corte Suprema, cuja força de seu precedente fez com que transcendesse os motivos determinantes a todo o país, foi o julgamento do RE 197.917/SP (DJU de 27.2.2004), o qual interpretou a proporcionalidade constitucional (art. 29, IV, CF/88) a ser seguida na fixação do número de vereadores em cada município. Importante lembrar que, neste caso, o TSE materializou a eficácia erga omnes por meio da Resolução n. 21.702/2004.
Já houve também a permissão pelo STF, dada a relevância da matéria, e à objetivação do processo constitucional difuso, da sustentação oral de amici curiae em julgamento de Recurso Extraordinário – RE n. 416827/SC e RE n. 415454/SC, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 21.9.2005.
Há casos também de modulação dos efeitos das decisões proferidas em controle difuso, típico instrumento previsto para as ações do controle concentrado (art. 27 da Lei nº 9.868/1999) – HC nº 82.959-SP e RE 197.917/SP.
Não se pode deixar de mencionar a criação do incidente de análise da repercussão geral (requisito de admissibilidade do Recurso Extraordinário previsto no §3º do art. 102 da CF/88) por amostragem (alterações advindas pela Lei nº 11.418/2006) tal como já existia para os Recursos Extraordinários provenientes do Juizado Especial Federal (art. 321, §5º do RISTF).
Tal incidente por amostragem também foi adotado recentemente pelo STJ para o julgamento de Recursos Especiais em causas repetitivas (art. 543-C do CPC), em face da Lei nº 11.672/2008.
Em suma, são diversas questões procedimentais que, cada vez mais, vem consolidando o entendimento defendido pelo Ministro Gilmar Mendes (na Reclamação nº 4335/AC, j. 1.2.2007) de objetivação do controle difuso, independentemente da atuação do Senado Federal, pois “a fórmula relativa à suspensão de execução da lei pelo Senado há de ter simples efeito de publicidade, ou seja, se o STF, em sede de controle incidental, declarar, definitivamente, que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais, fazendo-se a comunicação àquela casa legislativa para que publique a decisão no Diário do Congresso.”
A par dos elementos até aqui abordados, devemos mencionar um novo instrumento muito criticado por alguns doutrinadores: a possibilidade da edição, pelo STF, da chamada Súmula Vinculante. Não se pretende aqui abordar doutrinariamente os requisitos constitucionais (art. 103-A, CF/88) e procedimentais (RISTF e Lei nº 11.417/2006) deste instituto, porquanto o escopo crítico do presente enfoque.
A necessidade do debate impera acerca da possibilidade do STF, face a edição destas Súmulas, passar a atuar no cenário jurídico-político como um “legislador positivo”, o que, para muitos, feriria gravemente o princípio constitucional da separação dos poderes. O renomado constitucionalista Alexandre de Moraes[11] entende que o “Congresso Nacional deu um cheque em branco ao Supremo Tribunal Federal quando aprovou a Lei das Súmulas Vinculantes”.
O tema não é simples e não se pretende esgotá-lo no presente trabalho, apenas destacar os pontos que estão sendo suscitados pelos juristas do país. Não há dúvidas de que se trata de um enorme poder jurisdicional ao STF, pois, ao aprovar-se o enunciado, vincula-se todos os órgãos de todos os poderes do Estado, sob pena da sofrerem ação de Reclamação perante o STF.
Opiniões mais obtemperadas e concordantes do fenômeno já explicado da judicialização da política asseveram que se trata de um avanço, desde que se obedeça na elaboração dos enunciados, rigorosamente, o seguimento aos precedentes da Corte, bem como a respectiva exeqüibilidade restrita, evitando a adoção de verbetes genéricos, sobre os quais possa haver extenso juízo de valoração e ponderabilidade subjetivos no momento de sua aplicação.
Seguimos a ponderada opinião destes últimos, de que, por meio de enunciados rigorosamente elaborados e com interpretação escorreita e estrita, a Súmula Vinculante já tem representado um importante mecanismo no papel do judiciário em atingir a efetiva consolidação dos direitos fundamentais do cidadão, ínsitos no contexto do Estado Democrático Social de Direito, desde que sejam cuidadosamente elaboradas, buscando-se alcançar o mínimo de subjetivação possível, em prol do inquestionável sentido objetivo ali desejado.
6. Conclusão
Como abordamos neste trabalho, a evolução do papel da jurisdição constitucional exercida pelo Supremo Tribunal Federal ampara-se, cada vez mais, na junção de sua atuação como verdadeiro Tribunal Constitucional, não somente nos casos de controle concentrado de constitucionalidade, bem como nos casos de controle difuso.
Este fenômeno evolutivo é permitido por meio da judicialização da política, que consiste na densificação das decisões do Tribunal Constitucional visando o cumprimento dos objetivos propugnados pelo Estado Democrático Social de Direito, isto é, a realização de um regime democrático substancial.
Neste aspecto, o Brasil tem adotado cada vez mais, reflexamente, o sistema de precedentes do controle difuso norte-americano (stare decisis), por meio da transformação paulatina do Recurso Extraordinário e de outras ações in concreto em elementos propulsores de decisões com eficácia erga omnes e efeitos vinculantes, típicos do controle concentrado (além da adoção de outras características deste controle), independentemente de qualquer ação do Senado Federal.
Neste contexto, a norma contida no art. 52, X, da CF/88 é norma retrógrada, que não condiz com o verdadeiro papel assumido pelo Supremo diante de seu múnus jurisdicional. Deverá permanecer em utilização apenas para que a referida casa legislativa deseje dar publicidade à decisão já consolidada, e bastante em si para gerar os efeitos gerais pretendidos.
Foram abordados institutos processuais recentes pertinentes a tal jurisdição, os quais visam minimizar a insegurança jurídica e o excessivo número de demandas que sempre permearam a clássica atuação prevista para o controle difuso de constitucionalidade.
Com relação à Súmula Vinculante, somos favoráveis à sua instituição (formalização do stare decisis), como elemento fortalecedor deste novo papel do Supremo no controle difuso de constitucionalidade, em defesa da ordem constitucional como um todo, e promovendo a segurança jurídica desejada.
O próprio STF poderá rever os enunciados das Súmulas, possibilitando sempre o progresso contínuo dos entendimentos, tudo com escopo de também resguardar a integridade sistêmica do ordenamento constitucional; razão pela qual, a edição da Súmula Vinculante nada mais é do que o aperfeiçoamento dos termos que expusemos acima, isto é, das decisões proferidas pelo plenário do STF em sede de controle difuso de constitucionalidade, cuja orientação tem prevalecido para a aquisição de efeitos ultra partes.
Obviamente que compartilhamos da prudência de se promover um rígido controle acerca de quais matérias serão sumuladas, observando-se os precedentes já existentes, bem como pela restrição ao máximo de elementos subjetivadores contidos nos enunciados, os quais possam permitir discussão em sua aplicação, em virtude de diferentes valorações pessoais.
Informações Sobre o Autor
Edgar Marques Xavier
Advogado. Especialista em Direito Público e Direito Constitucional. Professor de Teoria Geral do Estado e Direito Constitucional do Curso de Direito da Faculdade de Talentos Humanos de Uberaba-MG (Facthus).