Responsabilidade civil dos arquivistas

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Vamos discutir neste ensaio a co-responsabilidade civil dos arquivistas nas relações de consumo perante a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, que dispôs sobre a proteção do consumidor dentre outras providências1.

No Título I, Capítulo V, Seção VI, prevê o art. 43 do CDC que o consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes. O § 1.º do mesmo dispositivo exige que os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos2. O § 2.º dispõe que a abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele (v. súmula 359 do STJ), sem prejuízo, diz o § 3.º, da imediata correção de tais dados, pelo arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicação essa que se estende aos destinatários das informações incorretas. Por fim, o § 4.º classifica os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres, como entidades de caráter público.

Arquivistas como a Associação Comercial de São Paulo3 e a Centralização de Serviços dos Bancos S/A4 concentram informações que denunciam o inadimplemento dos consumidores no mercado. Trata-se de atividade lícita segundo o citado art. 43.

Mas há situações que tornam tais arquivos ilegais5 e devem ser anulados pelo Poder Judiciário, pois a manutenção de informações nestas condições pode representar injustificada forma de coação visando o pagamento da dívida, objetivo não permitido pela lei.

Utilizamos, para efeitos didáticos, hipótese de anulabilidade de ato jurídico cuja origem é a manutenção de arquivos reputados ilegais decorrentes do pagamento com cheque6 e cuja responsabilidade também é do arquivista ou depositário das informações relativas ao crédito do consumidor7.

Com fulcro na Lei 7.357, de 2 de setembro de 1985, Fábio Ulhoa Coelho aponta que “A execução do cheque sem fundos prescreve, contra qualquer devedor, no prazo de 6 meses contados do término do prazo de apresentação a pagamento (art. 59). O direito de regresso de um coobrigado contra outro, contra o devedor principal ou seu avalista prescreve em 6 meses contados do pagamento ou da distribuição da execução judicial contra ele (art. 59, parágrafo único). Se se tratar de cheque pós-datado, apresentado antes da data lançada como emissão, para fins de cálculo do prazo prescricional, considera-se como data de emissão do título não a que nele consta, mas a da sua apresentação a pagamento. Computam-se, então, 30 ou 60 dias, conforme seja cheque da mesma ou de praças diferentes e, em seguida, os 6 meses. Após o decurso do prazo prescricional do cheque, será admissível ação com base no locupletamento sem causa, no prazo de 2 anos (art. 61). Embora se cuide de ação de conhecimento, é ainda de fundamento cambial. Qualquer coobrigado cambial que se locupletou indevidamente em função da prescrição do cheque pode ser responsabilizado. Prescrita a ação de enriquecimento ilícito, nenhuma outra ação será possível com base no título de crédito. Poderá, no entanto, o credor por obrigação que, embora representada por um cheque, seja de origem extracambiária promover a ação correspondente a seu título, que prescreverá no prazo que a lei específica estabelecer ou nos termos do art. 205 do CC. A própria Lei do Cheque possibilita esse entendimento ao dispor, no seu art. 62, que, salvo prova de novação, a emissão ou transferência do cheque não exclui a ação fundada na relação causal, feita a prova do não-pagamento”8.

Ainda que a lei preveja a manutenção das informações relativas ao consumidor pelo prazo de cinco anos9, temos que ter em mente a circunstância, em se tratando de cheques prescritos, ao princípio da especialidade na aplicação da norma10.

O art. 59, caput, da Lei do Cheque, estatui: “Prescreve em 6 (seis) meses, contados da expiração do prazo de apresentação, a ação que o art. 47 desta Lei assegura ao portador”. Prescrita a ação cambial11, prevê o art. 61 da mesma lei especial que “A ação de enriquecimento contra o emitente ou outros obrigados, que se locupletaram injustamente com o não-pagamento do cheque, prescreve em 2 (dois) anos, contados do dia em que se consumar a prescrição prevista no art. 59 e seu parágrafo desta Lei”.

Diante da previsão especial da Lei do Cheque é possível defendermos como derrogado o prazo de cinco anos de manutenção pelos arquivistas de obrigações inadimplidas através dessa modalidade de título de crédito, cuja prescrição, de fato, tem prazo menor do que a regra geral prevista pela lei12 e pela súmula do STJ13.

Agora, vejamos a co-responsabilidade14 civil do arquivista, que mantém em seu banco de dados cheque prescrito, ato ilícito que deve ser repudiado pelo prejudicado mediante ação própria visando anular o ato jurídico de arquivamento.

No Título I, Capítulo III, o art. 7.º do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor diz que “Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade”. Seu parágrafo único frisa que “Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo”.

Co-autor do Anteprojeto do CDC15, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin16 tomou posicionamento no sentido de que “Os bancos de dados e os seus usuários respondem pelas irregularidades que sucedem na sua operação. Trata-se de responsabilização civil, mas também administrativa e penal”17; “Coletivamente falando, a posição do arquivo de consumo destaca-se, quando cotejada com a do simples fornecedor. É ele quem coleta, administra e distribui, comumente em nível nacional, as informações, cobrando, direta ou indiretamente, por seus serviços. É ele quem tem o poder (mais que isso, o dever) de controle e administração global do sistema, já que proprietário das informações assentadas, cabendo-lhe, ope legis, vários tipos de obrigações, todas inderrogáveis e indisponíveis, valendo mencionar: a) o dever de verificação da veracidade do dado; b) o dever de comunicação; c) o dever de fiscalização dos assentos; d) o dever de atualização das anotações; e) o dever de cancelamento ou retificação dos lançamentos; e f) o dever de sigilo (criando, inclusive, mecanismos que evitem o acesso a quem não é associado ou autorizado). Em síntese, quem tem a última palavra – e é esta que importa – sobre o que entra e o que sai é o arquivista. O fato de ele, contratualmente ou de fato, abrir mão da totalidade ou de parte desse poder verifica-se à sua conta e risco e em nada altera sua posição perante o CDC”18.

Sensível ao posicionamento do Ministro Antônio Herman, já decidiu o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo sobre a co-responsabilidade do arquivista pelo dano moral causado ao consumidor por não comunicar previamente o lançamento no banco de dados restritivo ao crédito como exige o CDC:

“TJSP: DANO MORAL – Banco de dados – Arquivos de consumo – Proteção ao crédito – Comunicação prévia ao consumidor, por escrito – Ausência – Indenização devida – Responsabilidade solidária do fornecedor e do administrador do banco de dados – Reconhecimento – Inteligência dos artigos 7º, parágrafo único e 43, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor – Sentença de improcedência reformada – Recurso provido” (Apelação Cível n. 976.734-0/0 – Campinas – 35ª Câmara de Direito Privado – Relator: Egidio Giacoia – 27.03.06 – V.U. – Voto n. 3.479)19.

Apesar de diverso o fundamento deste julgado, ele serve como demonstração de que o tribunal vem se sensibilizando com a tese ampliativa, onde o arquivista tem responsabilidade civil não só quanto à ilicitude na abertura do cadastro, mas também pela sua manutenção durante os cinco anos permitidos pela lei no fito de informar os associados dos órgãos de proteção ao crédito sobre a vida civil do consumidor, não concedendo novo crédito ao devedor na praça20 como imperativo da política de prevenção contra eventual – ou provável – inadimplemento consumado em outra oportunidade.

Admitindo, também, a responsabilidade civil do arquivista, sob outro prisma, o mesmo Tribunal de Justiça já decidiu a respeito da existência de dano moral, constatado pela manutenção indevida de anotações junto ao SCPC após quitada a dívida:

“Em decorrência das normas previstas no Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade do arquivista, do banco de dados, ou de terceiros que atuem na relação entre o consumidor e fornecedor, é solidária segundo os termos do artigo 7°, parágrafo único do CDC, sendo resguardado o direito de regresso de um contra o outro (art. 13, parágrafo único), pelo que deve o apelado, querendo, voltar-se pelas vias próprias contra o banco de dados (SCPC), para ressarcir-se da indenização aqui suportada” (Apelação Cível 1.183.513-1 – Comarca de São José dos Campos – 16ª Câmara de Direito Privado – Relator: Newton Neves – 18.09.07 – M.V. – Voto n. 4.414)21.

Na Comarca de Santos já foi decidido liminarmente na 2ª Vara do Juizado Especial Cível que o arquivista possui co-responsabilidade civil pela ilicitude da ausência de comunicação prévia ao consumidor sobre o lançamento previsto no § 2.º do art. 43 do Código de Defesa do Consumidor:

“Inicialmente, observo que a prova inequívoca está representada pelo ajuizamento desta ação, que torna a dívida discutida em Juízo. Outrossim, o fundado receio de dano irreparável decorre automaticamente dos efeitos de tal inscrição, que geram irreparáveis prejuízos ao devedor, dispensando demonstração por serem notórios. Ademais, a suspensão dos efeitos da inscrição na Associação Comercial de São Paulo e Serasa não trazem qualquer prejuízo aos réus, ao menos que desejem utilizar tal expediente como forma de coação para pagamento da dívida, no que não se acredita. Assim, presentes os requisitos previstos no artigo 273 do Código de Processo Civil, CONCEDO a tutela liminar pleiteada para suspender os efeitos das inscrições referidas na inicial, ou seja, para suspender o apontamento mencionado pelo autor de forma que as informações a ele concernentes não sejam divulgadas pela Associação Comercial de São Paulo e Serasa , sob pena de multa diária de R$ 1.000,00, respeitado o limite de alçada deste Juizado Cível .Cumpra-se”22.

Interpretando o parágrafo único do art. 7.º do CDC, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery afirmam: “Como a norma criou hipótese legal de solidariedade (CC 265; CC/1916 896 caput) entre os causadores de dano ao consumidor, a exemplo do que determina o CC 942 caput 2ª parte (CC/1916 1518 caput 2ª parte), o consumidor pode mover ação de reparação do dano em face de apenas um, exigindo dele a totalidade da dívida, ou em face de todos os devedores solidários, sendo que, nesta última hipótese, o litisconsórcio passivo será facultativo (CPC 46). V. CDC 18 caput, 19 caput, 25 § 1.º, 28 § 3.º, 34”23.

É preciso abandonar a costumeira visão de que os arquivistas não possuem qualquer responsabilidade em sua atividade de proteção aos comerciantes. É certo que os arquivos restritivos de crédito na defesa dos direitos dos comerciantes, precisamente quanto ao inadimplemento das obrigações dos consumidores e a prevenção em face de novos inadimplementos, alertando àqueles que concedem crédito para que não efetuem determinada operação com o consumidor-devedor, é ato lícito. O que não se pode tolerar, todavia, é o abuso desse direito, seja no tocante ao lançamento dos arquivos (seu procedimento), a veracidade e atualização das informações, e, também, sua retirada dos arquivos quando o caso concreto exigir, como por exemplo, quando o título que serviu como pressuposto ao lançamento estiver prescrito, precisamente se o prazo prescricional for inferior ao prazo de cinco anos estabelecido pelo CDC e pela súmula 323 do STJ, atendendo-se ao princípio da especialidade na aplicação do direito, como já ficou demonstrado.

Em casos tais, de prescrição consumada – cite-se nosso exemplo, o cheque -, o prejudicado pode ajuizar ação judicial pleiteando a anulabilidade do ato jurídico24 de lançamento do arquivista para que sejam retirados os apontamentos ali constantes, tomados pela ilicitude25. Se o título que lhe deu causa perdeu a exigibilidade (com a perda do direito de ação cambial e de enriquecimento sem causa), não há interesse jurídico na manutenção dos dados relativos à dívida, “ao menos que desejem utilizar tal expediente como forma de coação para pagamento da dívida, no que não se acredita”, como bem fundamentou o Juiz de Direito titular da 2ª Vara do Juizado Especial Cível da Comarca de Santos26. O direito discutido em juízo, além do mais, pode ser tutelado antecipadamente com fulcro no art. 273 do Código de Processo Civil. Demandas que envolvem os direitos da personalidade, como o nome27, não pode receber tratamento meramente patrimonial em seu julgamento, absolutamente. Ainda com o fundamento do magistrado da Comarca de Santos, onde se pleiteou a anulação do registro liminarmente, “a suspensão dos efeitos da inscrição na Associação Comercial de São Paulo e Serasa não trazem qualquer prejuízo aos réus”28, servindo, pois, como exigência à concessão da tutela o fato da reversibilidade do provimento antecipado (§ 2.º do art. 273 do CPC29). Ignorar, de outra banda, a co-responsabilidade desses sujeitos significa abrir mão de tutela expressamente disposta em benefício do consumidor, que merece especial proteção do Estado, significando, na prática, “revogação tácita” na aplicação do direito sem uma causa jurídica que a sustente, violando-se, destarte, o art. 7.º, parágrafo único, combinado com o art. 43, § 1.º, do CDC30.

 

Notas:
1 Conhecido como Código de Proteção e Defesa do Consumidor, microssistema no qual o Estado promoveu a política de defesa do consumidor nos termos dos art. 5.º, XXXII, e 170, V, ambos da Constituição Federal, combinados com o art. 1.º do próprio CDC.
2 Conforme, também, o enunciado da súmula 323 do Superior Tribunal de Justiça.
3 Ou Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), expressão conhecida entre os meios de comunicação no Estado de São Paulo.
4 Ou Serasa, expressão conhecida entre os meios de comunicação no Estado de São Paulo.
5 Ferindo o direito objetivo, o ordenamento jurídico em si mesmo considerado, sem que seja necessária a demonstração do dano material efetivamente causado. O dano, nesse caso, nasce da atividade ilícita, servindo eventual demonstração material do prejuízo causado como pressuposto do quantum debeatur indenizatório. O an debeatur nasce com o ilícito praticado, apurado objetivamente pelo magistrado.
6 Fábio Ulhoa Coelho, in Manual de Direito Comercial, Saraiva, SP, 15ª ed., 2004, pp. 272/284.
7 Sujeito de direito que é reputado “honesto” ou “desonesto” segundo as informações obtidas por aqueles que manuseiam dados relativos ao crédito, ou melhor, sua inadimplência.
8 Manual de Direito Comercial, ob. cit., pp. 278/279.
9 Art. 43, § 1.º, do CDC. V. o art. 205 do Código Civil.
10 Teoria da Antinomia que pode ser explicada em parte pelo art. 2.º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, instituída pelo Decreto-Lei 4.657, de 4 de setembro de 1942 (LICC).
11 Aquela em que incide os Princípios Gerais do Direito Cambiário: cartularidade, literalidade e autonomia. A Parte Especial, Livro I, Título VIII, em seus Capítulos I, II, III e IV, do Código Civil, precisamente o art. 887, adotou em parte teorias desenvolvidas por Heinrich Brunner, Baumbach-Hefermehl, Vivante, Bulgarelli, Ascarelli, et al, ao dizer que “O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei”.
12 Art. 43, § 1.º, cit.
13 Enunciado da súmula 323 da Corte, cit.
14 “A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes”, diz o art. 265 do Código Civil. Quanto aos arquivistas e sua responsabilidade pelo ato de arquivamento/depósito das informações prestadas por seus associados, resulta ela – a solidariedade obrigacional perante o consumidor – da lei, certamente. O arquivista não tem relação contratual com o consumidor, surgindo sua responsabilidade civil pelo arquivamento da relação extracontratual (culpa aquiliana), objetivamente protegida pelo CDC.
15 Na companhia de Ada Pellegrini Grinover, Daniel Roberto Fink, José Geraldo Brito Filomeno, Kazuo Watanabe, Nelson Nery Junior e Zelmo Denari.
16 Foi Procurador de Justiça no Estado de São Paulo. Atualmente é Ministro do Superior Tribunal de Justiça.
17 Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, Forense Universitária, 8ª ed., RJ, 2004, p. 471.
18 Idem, p. 472.
19 Disponível no site oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: tj.sp.gov.br/.
20 Expressão largamente difundida pelos comerciantes.
21 Disponível no site oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: tj.sp.gov.br/.
22 Proc. 5688/2007, em que figuram como partes passivas a Associação Comercial de São Paulo, a Centralização de Serviços dos Bancos S/A e o Serviço de Protesto de Letras e Títulos de Santos. Disponível no site oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: tj.sp.gov.br/.
23 Código Civil Anotado e Legislação Extravagante, 2.ª ed., RT, SP, 2003, p. 918.
24 A validade do negócio jurídico requer: II – objeto lícito (…), assegura o art. 104 do Código Civil. A anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença, nem se pronuncia de ofício; só os interessados a podem alegar, e aproveita exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade, diz o art. 177 do mesmo código.
25 Para Luiz Guilherme Marinoni “Se a ação inibitória se destina a impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito, a ação de remoção do ilícito, como o próprio nome indica, dirige-se a remover os efeitos de uma ação ilícita que já ocorreu. Esclareça-se que a ação inibitória, quando voltada a impedir a repetição do ilícito, tem por fim evitar a ocorrência de outro ilícito. Quando a ação inibitória objetiva impedir a continuação do ilícito, a tutela tem por escopo evitar o prosseguimento de um agir ou de uma atividade ilícita. Note-se que a ação inibitória somente cabe quando se teme um agir ou uma atividade. Ou melhor, a ação inibitória apenas pode ser utilizada quando a providência jurisdicional for capaz de inibir o agir ou o seu prosseguimento, e não quando este já houver sido praticado, estando presentes apenas os seus efeitos. Há diferença entre temer o prosseguimento de uma atividade ilícita e temer que os efeitos ilícitos de uma ação já praticada continuem a se propagar. Se o infrator já cometeu a ação cujos efeitos ilícitos permanecem, basta a remoção da situação de ilicitude. Nesse caso, ao contrário do que ocorre com a ação inibitória, o ilícito que se deseja atingir está no passado, e não no futuro. A dificuldade de compreender a ação de remoção do ilícito advém da falta de distinção entre ato ilícito e dano. Quando se associa ilícito e dano, conclui-se que toda ação processual voltada contra o ilícito é ação ressarcitória ou de reparação de dano. Acontece, como já esclarecido, que há ilícitos cujos efeitos se propagam no tempo, abrindo as portas para a produção de danos. Isso demonstra que o dano é uma conseqüência eventual do ilícito, mas que não há cabimento em ter que esperar pelo dano para poder invocar a prestação jurisdicional. A prática de ato contrário ao direito, como é óbvio, já é suficiente para colocar o processo civil em funcionamento, dando-lhe a possibilidade de remover o ilícito e, assim, de tutelar adequadamente os direitos e de realizar o desejo preventivo do direito material” – Técnica Processual e Tutela dos Direitos, RT, SP, 2004, pp. 268/269.
26 Proc. 5688, cit.
27 Arts. 11/21 do Código Civil.
28 Proc. 5688, cit.
29 Vide nosso ensaio “Abuso do direito e seu reflexo na concessão da tutela antecipatória punitiva”, in clubjus.com.br/, dentre outros periódicos especializados.
30 Pois inexistente processo legislativo na espécie, estando em plena validade, vigência e eficácia os dispositivos mencionados, não podendo ser subtraídos pelo magistrado quando o caso concreto assim exigir dada a natureza jurídica das normas previstas no CDC em seu art. 1.º, comentado por Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery nestes termos: “As normas do CDC são ex vi legis de ordem pública, de sorte que o juiz deve apreciar de ofício qualquer questão relativa às relações de consumo, já que não incide nesta matéria o princípio dispositivo. Sobre elas não se opera a preclusão e as questões que dela surgem podem ser decididas e revistas a qualquer tempo e grau de jurisdição” – Código Civil Anotado e Legislação Extravagante, ob. cit., p. 906.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Tassus Dinamarco

 

 


 

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