A pensão previdenciária por morte dos pais, ao filho maior de 21 anos, estudante universitário ou técnico profissionalizante e suas controvérsias

APRESENTAÇÃO

O presente trabalho faz uma avaliação sobre a possibilidade da pensão, por morte do mantenedor da prole, aos filhos estudantes universitários ou técnicos profissionalizantes, até 24 (vinte e quatro) anos de idade completos; procurando observar a real dimensão dos efeitos causados pela aplicação da Lei de Benefícios, reguladora da matéria, relacionando outros dispositivos legais que também abordam a relação de dependência. Dá enfoque especial à relevância das prestações previdenciárias, sua ligação com o direito fundamental à educação e o respeito ao princípio da dignidade humana, bem como o exercício da cidadania, valores formadores do Estado Democrático (e Social) de Direito, visando o desenvolvimento do homem dentro de uma sociedade livre, justa e solidária. Realça o papel importante a ser desempenhado pelo intérprete do direito, que deve buscar os fins sociais dos dispositivos legais aplicáveis, à luz dos princípios e direitos fundamentais garantidos na Lei Maior, como forma de reduzir as desigualdades sociais, valorizando o caráter criador da hermenêutica jurídica no difícil caminho para atingir o significado da lei, procurando corrigir as distorções sociais com ponderação e razoabilidade.

CONTROVÉRSIAS

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A Previdência Social baseia-se no princípio da justiça social e no dever da sociedade organizada de garantir ao indivíduo meio de subsistência suficiente, quando não esteja apto ao trabalho, mantendo o equilíbrio econômico daqueles que são atingidos pelas conseqüências dos riscos sociais ou de seus dependentes. Logo, o Estado e a coletividade financiam solidariamente a reposição dos recursos econômicos necessários aos indivíduos e seus familiares, para uma sobrevivência com dignidade.

O agravamento dos problemas sociais, especialmente nos países de economia mais fragilizada, a redução da produtividade, o avanço tecnológico, que diminuem os postos de trabalho e o envelhecimento da população agravam a situação do Seguro Social, já que existirão mais pessoas beneficiárias da proteção estatal do que as contribuições necessárias ao implemento de políticas sociais. A crise do Estado Social afeta a própria efetividade dos direitos fundamentais, neste caso, ficam comprometidos os direitos à vida e à liberdade; aumentando a exclusão social, a violência e a criminalidade. Paralelamente a essa delicada situação, Strek entende que se torna necessário também a superação da crise paradigmática do Direito, concebendo-o “como algo inevitavelmente comprometido com as tensões, interesses e lutas em conflito, podendo atuar como impulsionador das transformações sociais” (2002 apud ROCHA, 2004, p.43). É justamente nesses momentos mais críticos, em que a Previdência Social demonstra seu papel fundamental com vistas à manutenção de um nível de vida razoável à pessoa humana, que o aplicador da lei deve buscar a finalidade social dos dispositivos aplicáveis, dentro do ideal de justiça social. O Direito Fundamental à Educação é um fator canalizador de transformações sociais, pois permite ao beneficiário uma perspectiva inclusiva, haja vista, a possibilidade de pleno desenvolvimento da pessoa e a conseqüente qualificação para o trabalho.

O conflito que floresce entre a proibição de retrocesso social e a “reserva do possível” deve ser resolvido pela ponderação dos interesses conflitantes. Os órgãos do Poder Judiciário não só podem como devem zelar pela efetivação dos direitos fundamentais sociais, com base nos princípios do interesse público, do que seja razoável e da proporcionalidade, na sua dupla dimensão, como proibição do excesso e de insuficiência.

Ingo Wolfgang Sarlet faz a seguinte ponderação à cerca da “reserva do possível”:

Na condição de limite fático e jurídico à efetivação judicial (e até mesmo política) de direitos fundamentais – e não apenas sociais prestacionais, consoante já frisado – vale destacar que também resta abrangida na obrigação de todos os órgãos estatais e agentes políticos a tarefa de maximizar os recursos e minimizar o impacto da reserva do possível. Isso significa, em primeira linha, que se a reserva do possível há de ser encarada com reservas, também é certo que as limitações da reserva do possível não são, em si mesmas, uma falácia, como já se disse mais de uma vez entre nós. O que tem sido, de fato, falaciosa, é a forma pela qual muitas vezes a reserva do possível tem sido utilizada entre nós como argumento impeditivo da intervenção judicial e desculpa genérica para a omissão estatal no campo da efetivação de direitos fundamentais, especialmente de cunho social. Assim, levar a sério a “reserva do possível” (e ela deve ser levada a sério, embora sempre com as devidas reservas) significa também, especialmente em face do sentido do disposto no artigo 5º, §1º, da C.F., que cabe ao poder público o ônus da comprovação efetiva da indisponibilidade total ou parcial de recursos do não desperdício dos recursos existentes, assim como da eficiente aplicação dos mesmos (2006, p. 375).

Não se deve esquecer que o orçamento da Seguridade Social não passa de uma “peça de ficção”, pois nunca foi efetivamente montado, acompanhado, ou publicado em qualquer ano a sua execução. Portanto, deve-se ter muita cautela na alegação de carência de recursos, no momento do reconhecimento de algum direito fundamental social, diante da imprescindibilidade deste, como elemento vital à dignidade humana.

O artigo 5º, §1º da Constituição Federal estabelece que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, inclusive os direitos sociais. Segundo Daniel Machado da Rocha, “conferir uma interpretação restritiva representa, no mínimo, uma acomodação indevida dos operadores do direito com as injustiças e desigualdades que a nossa Lei Fundamental prometeu enfrentar”.1 Tal formulação está de pleno acordo com o compromisso assumido pelos nossos constituintes com a implementação de um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

Sendo assim, a interpretação dos demais dispositivos legais e constitucionais há de ser feita à luz das normas constitucionais, consagradoras dos direitos fundamentais, materializados no Texto Fundamental e estrategicamente colocados no topo da Constituição Federal.

Para maior esclarecimento, torna-se oportuno transcrever excerto do Relatório de Evaristo de Moraes Filho, quando presidia a Comissão temática nº 9, encarregada da Ordem Social, da Comissão Provisória de Estudos Constitucionais, como segue:

O ponto fundamental, no entanto, é a sua auto-execução, a sua auto-aplicabilidade, que já deve ter ficado regulada no Título I, sobre os Direitos Fundamentais, pois é abrangente de todo o restante da Constituição, e não somente das suas disposições de natureza social propriamente dita. Na reunião do último dia 7, o Prof. José Afonso da Silva leu […] dispositivo genérico que determinava a executoriedade do texto constitucional, prevenindo ou eliminando os princípios meramente programáticos, verdadeiras e tradicionais letras mortas. […] Os enunciados da ordem social são ou devem ser exigências auto-executáveis, como direitos públicos subjetivos, exigíveis pelos seus destinatários, do Estado que os deve prestar ou obrigar que terceiros prestem. Não se trata mais de meras franquias individuais, passivas e negativas,diante de um Estado inerme e absenteísta. Tudo isso, porém, constitui matéria pacífica, por demais conhecida, que dispensa alongamentos inúteis, tão tranqüila que é (1986 apud ROCHA, 2004, p. 103).

Krel advoga uma interpretação valorativa dos direitos fundamentais “o que implica uma superação e reinterpretação de velhos dogmas constitucionais como o princípio da separação dos Poderes”, aumentando a responsabilidade do Poder Judiciário (2002 apud ROCHA, 2004, p.104). De acordo com Alexy, “o princípio da competência orçamentária do legislativo não assume feições absolutas, já que eventualmente direitos individuais podem vir a preponderar” (1994 apud SARLET, 2006a, p.366); quanto aos direitos fundamentais sociais previdenciários, em regra, deve prevalecer o princípio protetor do hipossuficiente, como forma de amenizar os efeitos das contingências sociais, com base na solidariedade social.

Como os direitos sociais prestacionais têm relação próxima à disponibilidade dos recursos públicos e à sua aplicação; de acordo com posição defendida por Canotilho, a norma contida do artigo 5º, §1º, na esfera destes direitos, “não pode assumir uma dimensão de tudo ou nada, constituindo, na verdade, postulado objetivando a maximização da eficácia dos direitos fundamentais”; observa, ainda, que poderiam os tribunais “controlar se a concretização legislativa tem sido pautada por critérios reais de realização gradual, bem como o emprego de um controle de razoabilidade na concessão das prestações, fundado no princípio da igualdade” (1991, apud ROCHA, 2004, p.98). Entretanto, o que tem ocorrido na prática é uma diminuição da atividade protetiva do Estado, o que evidencia um retrocesso. Portanto, mesmo para aqueles que pregam a relativização da eficácia dos direitos e garantias fundamentais, na seara do dispositivo constitucional em comento, deve-se exigir, no mínimo, uma otimização dos valores que deles emanam, na concretização de tais direitos.

A partir dos dispositivos constantes na Lei de Benefícios, começam a surgir as controvérsias sobre a pensão por morte dos pais, tema do estudo em pauta, mais especificamente quando o filho dependente completa 21 anos, é saudável, mas continua estudando, sem poder contar com o aporte financeiro essencial à sua subsistência, com vistas ao seu pleno desenvolvimento e qualificação profissional.

A Lei 8213/91, de 24 de julho de 1991, dispõe, em seu artigo 74, que em caso de morte do segurado do Regime Geral de Previdência Social, a pensão será concedida ao conjunto de seus dependentes. Segundo o artigo 16, inciso I, do referido diploma legal são dependentes do segurado, além do cônjuge, ou companheiro(a), o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos, ou de qualquer idade, se inválido. Entretanto, conforme o artigo 77, § 2º, inciso II, da mesma Lei, atingida a idade limite de 21 anos, a pensão paga ao filho cessa automaticamente. Como se pode perceber, a Lei Infraconstitucional, que regula tal benefício, não contempla a educação, que é um direito social fundamental inclusivo, indispensável à conclusão dos estudos do filho dependente em razão da contingência social à que foi vitima sua família. Portanto, entende-se, salvo melhor juízo, que a Lei de Benefícios é omissa quanto à receptividade da norma constitucional que reconhece o direito fundamental à educação, a qual deveria ser considera pelo legislador ordinário, com base nos princípios da dignidade da pessoa humana; da cidadania; da erradicação da pobreza e da marginalização; da redução das desigualdades sociais; do bem comum e da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, os quais são valores que se espraiam por todo o ordenamento jurídico, formando a base do Estado Democrático (e Social) de Direito, estabelecido no Brasil.

Nota-se, por outro lado, que outros dispositivos legais recepcionaram, de maneira mais adequada, o direito fundamental à educação, como é o caso da Lei Federal 9250/95, artigo 35, § 1º (trata do imposto de renda das pessoas físicas), o qual estatui que os filhos quando maiores até 24 (vinte e quatro) anos de idade, se ainda estiverem cursando em escola técnica ou ensino superior, também podem ser considerados dependentes. No mesmo sentido, a Lei 3765/60, com redação alterada pela Medida Provisória 2215-10/01, que determina no seu artigo 7º, inciso I, alínea “d”, como dependentes, para habilitação à pensão por morte de militar, os filhos ou enteados até 21 anos de idade, ou até 24 se estudantes universitários. Percebe-se que os dependentes do Regime Geral da Previdência Social foram tratados de maneira desigual em relação ao Regime Especial dos Militares.

Não existe consenso na doutrina e na jurisprudência sobre a manutenção da pensão nessa situação, estabelecida para o Regime Geral. Contudo, não parece razoável a retirada desse apoio material no momento em que o jovem mais necessita da solidariedade social e da proteção, pois a educação é um direito de todos e um dever do Estado e da família, devendo ser promovida com a colaboração de toda a sociedade. Caso o dependente estudante tenha que ingressar no tão seletivo mercado de trabalho, sem a devida qualificação, a fim de subsistência, fatalmente terá que paralisar os seus estudos qualificadores, e, possivelmente preencherá as fileiras dos excluídos, o que faz aumentar a violência e a insegurança social, tão visíveis nos dias atuais. O custo social da desqualificação profissional será mais elevado para toda a coletividade, pois aumentará a lista das assistências sociais patrocinadas por todos, e, não se pode esquecer que o pensionamento em questão tem caráter excepcional e temporário, sendo mais vantajoso em relação aos custos.

Marina Vasques Duarte, Juíza Federal da 4ª Região e mestranda da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em seu trabalho, desenvolvido para a Escola da Magistratura do TRF da 4ª Região (2005, P. 33), discorda das decisões que estão sendo proferidas pela 6ª turma da mesma Região, a qual tem reconhecido o direito do filho dependente até os 24 anos de idade, quando estudante universitário, de receber pensão pela morte do(s) pai(s) (AgRg no AI 2003.04.01.024512-2/SC, Relator Desembargador Federal Nylson Paim de Abreu, DJ2 22/10/2003; AI 2003.04.01.049020-7, DJ2 25/02/2004, Relator Desembargador Federal Nylson Paim de Abreu), porquanto “não se mostra razoável interromper o desenvolvimento pessoal e a sua qualificação profissional”.

Essa proeminente jurista tem o seguinte posicionamento em relação ao tema:

Somos contrários a esse entendimento porque a norma tributária que admite a manutenção da qualidade de dependente de filho maior de 21 anos e menor de 24 anos enquanto freqüente curso superior ou escola técnica de segundo grau somente irradia os efeitos previstos na própria Lei 9250/95. E não pode, como aceito em relação ao menor sob guarda, entender que deve prevalecer esta norma na ausência de previsão previdenciária, porquanto a garantia constitucional protetiva acima mencionada limita-se às pessoas menores, não sendo aplicada ao maior de 21 anos apto a exercer atividade laborativa. Nada justifica, portanto, que o regime previdenciário arque com despesas de manutenção de indivíduo que já possui completa capacidade para integrar a parcela ativa da população, em detrimento de outras pessoas que de fato necessitem do amparo estatal (2005, p.33).

Todavia, nessa mesma obra, Marina Vasques entende que para atender preceitos emanados da Constituição Federal, mesmo que as relações jurídicas sejam independentes e diversas e “deva ser observada a norma respectiva para os efeitos que a própria lei prevê, há hipóteses em que se faz necessário relacionar outras leis com as normas previdenciárias, em respeito aos princípios constitucionais” que orientam a hermenêutica (2005, p.30). Ora, a falta de solidariedade no momento mais crítico da vida estudantil levará o dependente a deixar de estudar para que possa sobreviver, ficando fadado ao insucesso; isso fere os direitos fundamentais à educação, ao trabalho, à previdência social (artigo 6º da CF); contrariando, ainda, o artigo 205 da Carta Magna, o qual prevê que a educação é um direito de todos e dever do Estado e da Família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o desenvolvimento da pessoa humana, seu preparo para o exercício da cidadania e a sua qualificação para o trabalho. Ademais, afronta os princípios fundamentais da cidadania, da dignidade da pessoa humana, os objetivos de erradicação da pobreza e da marginalização, da redução da desigualdade social e da construção de uma sociedade livre, justa e solidária; fundamentos primordiais que jamais podem ser colocados de lado pelo Poder Público. Sendo assim, por que não relacionar outras leis com a norma previdenciária a fim de albergar estes princípios fundamentais, insculpidos na Lei Maior?

Em Face da omissão da Lei que trata dos benefícios, boa parte da doutrina especializada, com a qual nos filiamos, entende que não existe objeção para que se aplique a analogia, com base na Lei 9250/95, que trata do imposto de renda de pessoas físicas, para que a pensão por morte seja mantida até os 24 (vinte e quatro) anos de idade, enquanto o dependente cursar ensino técnico ou superior.

Ademais, parece que não deveria haver oposição ao uso da analogia em relação à Lei 3765/60, artigo 7º, inciso I, alínea “d”, a qual permite que a pensão seja estendida até a idade de 24 anos, para o estudante universitário, nos casos de morte de militares, pelo simples fato de que seu benefício está subordinado a Regime Jurídico distinto; com base no princípio da isonomia, pois estamos vivendo num Estado Democrático de Direito, há muito distanciado do regime de exceção. Ambos os Regimes fazem parte da Previdência Pública. Não se pode tolerar, por ser completamente arbitrária e fora da razoabilidade, a previsão do referido benefício unicamente para os filhos dos servidores militares; ficando claro que se trata de uma distinção legal, no mínimo caprichosa, e sobremaneira injusta em relação aos filhos dos segurados servidores civis e do regime geral, os quais não tiveram genitores dentro da carreira castrense. E não se venha alegar que a extensão do benefício aos demais regimes contribuirá para a elevação da despesa pública, pois a Administração Direta não hesitou em editar a Medida Provisória nº 2215-10/01, tendente à ampliação do prazo dos pensionamentos a filhos de militares, que estudem em estabelecimento de ensino superior.  De acordo com Wladimir Martinez, quando da uniformidade entre as populações urbanas e rurais, o constituinte foi tímido porque não cuidou também dos servidores civis e militares (2001, p.187).

Aplica-se a analogia como uma medida de equilíbrio entre situações similares, ou para adaptar a legislação de modo que se torne semelhante em casos semelhantes. No que diz respeito à integração da legislação previdenciária, deve-se levar sempre em conta o princípio da hipossuficiência do segurado dentro da relação, devendo-se preencher a lacuna do modo que lhe seja mais favorável (FORTES e PAUSEN, 2005, p.50). O artigo 4º da Lei de Introdução do Código Civil dispõe que quando a Lei for omissa, o Juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.

Não há como negar que a cobertura efetuada com o benefício tem como objetivo substituir os rendimentos do segurado, constituindo-se como fonte financeira para a sobrevivência dos dependentes, demonstrando sua feição alimentar.

De acordo com Simone Barbisan Fortes e Leandro Pausen o caráter alimentar dos benefícios previdenciários é “bastante próximo do direito alimentar pertinente às relações de família (alimentos civis)” (2005, p. 51). Nesse sentido, existe decisão do TRF da 2ª Região, proferida no processo 9902125158, em 26.06.2002, tendo como relator o Juiz André Fontes:

PENSÃO POR MORTE. FILHO MAIOR DE IDADE. ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. CARÁTER ALIMENTAR. I – Filho de segurado da previdência social faz jus à pensão por morte até os vinte e quatro anos de idade, desde que comprovado o seu ingresso em universidade à época em que completou a maioridade e a dependência econômica, a fim de assegurar a verdadeira finalidade alimentar do benefício, a qual engloba a garantia à educação. II – Devido à natureza alimentar, não há argumento que justifique conferir à pensão por morte uma aplicação diversa da que é atribuída aos alimentos advindos da relação de parentesco, regulada pelo Direito Civil, sendo certo que na mesma seara vigora o entendimento segundo o qual o alimentando faz jus a permanecer nesta condição até os 24 (vinte e quatro) anos de idade se estiver cursando faculdade. III– É preciso considerar o caráter assecuratório do benefício, para que o segurado contribuiu durante toda a sua vida com vistas a garantir, no caso de seu falecimento, o sustento e o pleno desenvolvimento profissional de seus descendentes que, se vivo fosse, manteria com o resultado de seu trabalho, por meio do salário ou da correspondente pensão, IV – Recurso provido (2002, apud por FORTES e PAUSEN, 2005, p. 52)

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Entende-se por alimento, tudo o que é indispensável ao sustento, ao vestuário, à habitação e à educação, ou seja, o mínimo necessário para uma vida digna, atendendo aos valores exigidos pelo princípio fundamental da dignidade do homem. No caso em tela, presume-se que o alimentando, enquanto não concluída a sua formação profissional, ainda estaria sob a dependência do mantenedor falecido.

Existem diversas decisões jurisprudenciais no sentido do cabimento da prorrogação da pensão por morte ao filho estudante universitário até que este complete 24 (vinte e quatro) anos de idade; mesmo porque a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado, que deve assegurar a assistência na pessoa de cada um dos que a integram, nos termos do artigo 226 da Constituição Federal de 1988. Faltando a família, como no caso em questão, resta ao dependente a proteção estatal, a qual será fundamental ao seu desenvolvimento, o que também colaborará com o crescimento do país como um todo.

Neste sentido, entendendo que é cabível o prolongamento desse beneficio, selecionamos as seguintes ementas:

MANDADO DE SEGURANÇA. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. FILHA MENOR. UNIVERSITÁRIA. DEPENDÊNCIA DO PAI. PRORROGAÇÃO DO MARCO INICIAL ATÉ OS 24 ANOS DE IDADE. APLICAÇÃO DOS ARTS. 4º E 5º DA LICC.

A Administração Pública deve observar o Direito, nele compreendido, entre outros além da legalidade, in casu, deve também ser obedecido os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e interesse público.O benefício previdenciário devido aos filhos do segurado da Previdência Social tem por finalidade suprir a carência econômica deixada pela ausência do mantenedor da prole. A pensão de filha menor deve ser prorrogada até os 24 anos de idade, quando cursando nível superior, porquanto não se mostra razoável interromper o desenvolvimento pessoal e a qualificação profissional da Impetrante, em detrimento de verba econômica que a administração deverá dispor, sob pena de ferir o direito líquido e certo à educação (TRFda 4ª Região. MAS nº 2000.70.00023079-6/PR. 6ª Turma. Rel. Des. Tadaaqui Hirose. DJU de 22.1.2003, p.238 apud CASTRO e  LAZZARI, 2006, p.593).

PENSÃO POR MORTE. DEPENDENTE ESTUDANTE. MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO.

A pensão por morte pode ser prorrogada até o beneficiário completar 24 anos de idade se estiver cursando ensino superior, porquanto não se mostra razoável interromper o desenvolvimento pessoal e a sua qualificação profissional. Precedente da Turma. Hipótese em que o pagamento do benefício deverá ser mantido somente enquanto a pensionista estiver freqüentando o curso, bem como deverá cessar quando ela completar 24 anos de idade. Agravo de instrumento parcialmente provido (TRF da 4ª Região, AG – Agravo de instrumento. P. 200304010490207/RS,6ªTurma, 11/02/2004, Relator Juiz Nylson Paim de Abreu).

Assim, diante de tudo que já foi exposto, baseando-se no princípio da razoabilidade, conclui-se que a interpretação dos demais preceitos legais e constitucionais deve ser feita à luz das normas constitucionais que proclamam e consagram os direitos fundamentais, os quais possuem valores nucleares que se espraiam por toda a ordem jurídica, como forma de se alongar o benefício da pensão por morte até que os dependentes estudantes completem 24 (vinte e quatro) anos de idade, ou concluam os referidos cursos, pois é função do Estado promover o desenvolvimento da pessoa humana.

Obviamente, a matéria não é pacífica, havendo divergência dentro das próprias turmas que julgam o mérito, segue posicionamento jurisprudencial contrário ao prolongamento da idade limite:

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. FILHO UNIVERSITÁRIO. MAIOR DE VINTE E UM ANOS. CESSAÇÃO DO DIREITO. LEI 8213/91, ARTIGO 77, PARÁGRAFO 2º, INCISO II. EXTENSÃO DO BENEFÍCIO ATÉ 24 ANOS, PARA ESTUDANTES UNIVERSITÁRIOS. IMPOSSIBILIDADE.

A relação previdenciária se assenta em pressupostos legais próprios, não permitindo se tome por empréstimo interpretações relativas às prestações alimentares estrito senso, derivadas do Direito de Família, para com base nelas se deixar sem aplicação norma expressa do diploma legal que os estabelece.

Prevendo o artigo 77, parágrafo 2º, inciso II, da Lei 8213, de 24 de julho de 1991, vigente na data do óbito, que o direito ao pensionamento se extingue para os filhos, salvo inválidos, aos vinte e um anos de idade, inadmissível estender-se a prestação até os vinte e quatro para os estudantes de cursos universitários, sob pena de se impor a contrariedade não apenas ao dispositivo legal em comento, mas à própria Lei Fundamental, que não admite sequer à lei, muito menos ao Poder judiciário, a extensão de benefícios sem a correspondente fonte de custeio para fazer face ao aumento da despesa.

Recurso de apelação a que se nega provimento (TRF da 1ª Região, AC 200233010009692/BA decisão de 26/05/2004, DJ 02/09/2004, p. 24, relator Desembargador Jirair Aram Megueira).

Primeiramente, deve-se destacar que é inegável o caráter alimentar do benefício, sendo bastante próximo do direito alimentar, inerente às relações de família, do direito civil, já adotado em situações similares para conceder ou prorrogar o pensionamento, conforme já ficou demonstrado. Outrossim, não nos parece que haja impedimento que se use, por analogia, o artigo 35, §1º, da Lei 9250, que norteia, em alguns aspectos, os alimentos civis; especialmente, quando a Lei de Benefícios, que regula as prestações previdenciárias, é omissa quanto à receptividade da norma constitucional que reconhece o direito fundamental social à educação, a qual deveria receber a consideração e o destaque por parte do legislador infraconstitucional, em atendimento aos princípios fundamentais matrizes, demonstrados exaustivamente.

Nesses casos, é impossível dissociar o benefício previdenciário da dignidade do ser humano, da erradicação da pobreza, do exercício da cidadania e da redução da desigualdade social. Somente com a educação se pode conquistar uma vida digna, sendo dever do Estado proporcionar as condições adequadas à sua concretização. Ademais, a partir de posicionamento de Marina Vasques, entendendo que mesmo que as relações jurídicas sejam independentes e diversas, e, deva ser observada a norma respectiva “para os efeitos que a própria lei prevê, há hipóteses em que se faz necessário relacionar outras leis com as normas previdenciárias, em respeitos aos princípios constitucionais que orientam a hermenêutica” (2005, p.30), fica evidenciado que não existe óbice na adoção de outra legislação para o preenchimento da lacuna.

Por outro lado, quando o Desembargador Jirair Meguerian alega que uma decisão favorável ao alongamento do benefício contraria a própria Lei Fundamental, que não admite a extensão dos benefícios sem a correspondente fonte de custeio para fazer face ao aumento da despesa, está invocando para si uma norma que é dirigida ao legislador infraconstitucional, conforme destaca Ingo Sarlet, que é posição acolhida pelo Supremo Tribunal Federal, o qual sustentou que o artigo 195, §5º da Constituição federal, “de acordo com o qual nenhum benefício poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total, vincula tão somente o legislador[…]“ (RTJ 1995 apud SARLET, 2006, p.335). Ficar o Poder Judiciário limitado a uma norma que não lhe é dirigida, ofusca a sua própria independência, embora deva agir com prudência e ponderação. Parece não ser razoável privilegiar-se a legislação orçamentária em detrimento de imposições e prioridades constitucionais de caráter fundamental, dirigidas ao desenvolvimento do ser humano, até mesmo porque o Estado tem dívidas históricas com o sistema previdenciário, devendo assim, fazer um esforço adicional visando o bem comum e a justiça social.

Entretanto, deve-se destacar que a matéria foi uniformizada no âmbito dos Juizados Especiais Federais, pela Turma Nacional de Uniformização, no sentido de que a pensão previdenciária, disciplinada pela Lei nº 8213/91, é devida somente até os 21 anos de idade (Proc. nº 2004.71.95.010306-6, julgado em 10.10.2005 apud CASTRO  e LAZZARI, 2006, p.594). Também nesse sentido, o TRF da 4ª Região sumulou a matéria (Súmula nº 74), determinando que “extingue-se o direito à pensão previdenciária por morte do dependente que atinge 21 anos, ainda que estudante de curso superior”.

Essa posição unificadora baseia-se no princípio da legalidade, com base nos dispositivos da lei 8213/91, que trata dos benefícios. Salvo melhor entendimento, tal decisão caminha em sentido contrário à tendência legislativa, haja vista estar em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2053/03, de autoria do deputado Gastão Vieira, já aprovado pela Comissão de Seguridade Social e Família, próximo da aprovação final, que dá nova redação ao inciso I do artigo 16 da Lei de Benefícios, visando a manutenção como dependente do segurado do Regime Geral de Previdência Social, filho até 24 (vinte e quatro) anos, se estudante universitário ou técnico profissionalizante. Há um flagrante retrocesso no caminho adotado pelo Juizado Especial Federal, o qual foi criado para dar celeridade aos processos, mas acaba tomando medidas que contrariam princípios e direitos fundamentais constitucionais; quando poderia corrigir as distorções, visando a redução das desigualdades sociais, pois é dever estatal criar as melhores condições possíveis para que o benefício da educação seja disponível a todos, com base nos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade, da proteção ao hipossuficiente, bem como o da solidariedade social. Interromper o desenvolvimento pessoal e profissional de jovens promissores é um ato duro, que pode trazer conseqüências imprevisíveis. A sociedade deve considerar que é preferível financiar um “doutor” a ter que conviver com os perigos causados pela exclusão social.

Discorrendo sobre técnicas interpretativas das leis previdenciárias, Armando de Oliveira Assis entende que ‘sempre haverá perigo da lei ser aplicada ou interpretada de maneira distante dos princípios a que serve, justamente de vestimenta’ (1962 apud MARTINEZ, 2001, p.31).

Para salientar a importância dos princípios, trazemos os ensinamentos de Rubens Limongi França, como segue:

Na verdade, ainda que o ordenamento não tivesse previsto de modo expresso o recurso aos princípios gerais do direito, isso não deixaria de ser igualmente válido, porque a imperfeição das leis constitui um fato que independe de reconhecimento oficial, do mesmo modo que o imperativo de fazer justiça, constitui condição da própria vida em sociedade (FRANÇA, 1999 apud MARTINEZ, 2001, p.45).

Na realidade, os princípios podem auxiliar na interpretação e na integração, representando a consciência jurídica do direito. E, a atual configuração do princípio da legalidade pressupõe uma interação com os princípios gerais do direito e com os direitos fundamentais, consagrados pelo ordenamento jurídico. Por isso, considera-se recomendável que as decisões jurisprudenciais, sempre férteis como fonte jurídica, possua ponderável posição na concretização de princípios constitucionais, principalmente em matéria previdenciária, seara inspiradora de previsões normativas, visando o interesse público.

Antes de ser formal, a interpretação da lei deve ser real, humana e socialmente útil. Se um juiz não pode tomar liberdades inadmissíveis com a lei, julgando contra a lei, não só pode como deve optar pela interpretação que mais atenda às aspirações da justiça e do bem comum.

Na aplicação das normas que envolvem a relação de Seguro Social, que tratam da concessão, manutenção e irredutibilidade de benefícios; deve-se recordar sempre que se trata de direito fundamental, “de largo espectro, interpretando-se na busca dos fins sociais da norma (art. 5º da LICC), ante a indelével característica protecionista do indivíduo, com vistas à efetividade de seus Direitos Sociais”.2

Realçando o papel da interpretação jurídica, baseando-se em Emílio Betti, Miguel Reale faz a seguinte constatação:

O intérprete do Direito, consoante demonstrações convincentes daquele mestre, não fica preso ao texto, como o historiador aos fatos passados, e tem mesmo mais liberdade do que o pianista diante da partitura. Se o executor de Beethoven pode dar-lhe uma interpretação própria, através dos valores de sua subjetividade, a música não pode deixar de ser a de Beethoven. No Direito, ao contrário, o intérprete pode avançar mais, dando à lei uma significação imprevista, completamente diversa da esperada ou querida pelo legislador, em virtude de sua correlação com os outros dispositivos, ou então pela sua compreensão à luz de novas valorações emergentes no processo histórico” (2000, p.294).

Assevera, ainda, que não pode ser contestado o caráter criador da Hermenêutica Jurídica nesse paciente trabalho para atingir o significado da lei.

Portanto, diante das controvérsias em torno do tema em questão, o julgador, na aplicação da lei, deve atender aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

CONCLUSÃO

Os princípios e direitos fundamentais, colocados no ápice da Carta Magna, são normas de observância obrigatória, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, as quais têm por finalidade a melhoria das condições de vida das pessoas hipossuficientes.

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Deve-se lembrar, a fim de melhor interpretar o objeto do presente trabalho, que o Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948; bem como, da Declaração Sobre o Direito ao Desenvolvimento, adotada pela Resolução 41/28 da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, de 1986, que estabelece, entre outras coisas, o reconhecimento de que a pessoa humana é o sujeito central do processo de desenvolvimento e que a política desenvolvimentista deve fazer do ser humano o principal participante e beneficiário de tal processo; salientando, também, que a criação de condições favoráveis ao desenvolvimento dos povos e dos indivíduos é responsabilidade primária dos Estados.3 Entretanto, só é possível atingir tais objetivos, priorizando-se os direitos sociais fundamentais, especialmente a educação. Por isso o artigo 205 da Constituição Federal dispõe que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, sendo promovida com a colaboração de toda a sociedade, visando o desenvolvimento da pessoa, seu preparo para exercer a cidadania e a sua qualificação para o trabalho. Todavia, cabe ao Estado adotar políticas adequadas a esse fim.

A Lei 8213/91, que trata dos benefícios previdenciários, prevê que a pensão por morte dos pais beneficia o filho dependente até os 21 (vinte e um) anos de idade, independente se o mesmo está ou não estudando em curso técnico ou superior, desconsiderando totalmente o aspecto educacional. Portanto, o referido Diploma Legal é omisso quanto à norma constitucional que reconhece a educação como direito social fundamental, o que deveria ser observado pelo legislador ordinário.

Em razão da omissão da Lei de Benefícios, entende-se, assim como também entendem Carlos Alberto Pereira de Castro e João Antônio Lazzari (2006, p.594), que seja possível aplicar, por analogia, o disposto no §1º, do artigo 35, da Lei 9250/95, que trata do imposto de renda de pessoas físicas, para que a pensão por morte seja mantida enquanto o dependente estiver cursando o ensino superior ou curso profissionalizante, até o limite de 24 (vinte e quatro) anos de idade.

Desse modo, diante de algumas razões já expostas, com base no princípio da razoabilidade, torna-se impositiva a conclusão de que aos dispositivos legais que fixam o limite de 21 (vinte e um) anos como termo final da condição de dependente, para efeito da percepção do benefício da pensão por morte, deve ser emprestada interpretação de acordo com a Constituição Federal, levando-se em consideração os princípios e direitos fundamentais constantes na Lei Maior, valores nucleares de todo ordenamento jurídico, como forma de se prorrogar a referida prestação até que os estudantes completem 24 (vinte e quatro) anos de idade, ou concluam os referidos cursos, o que ocorrer primeiro, pois é dever do Estado promover o desenvolvimento pessoal dos cidadãos e a sua qualificação profissional, buscando a igualdade e a justiça social.

Antes de tudo, a interpretação da lei deve ser real, humana e socialmente útil, com base nos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade, da proteção e da solidariedade social. O princípio da legalidade não é estanque, atualmente está configurado numa interação com os demais princípios do direito e com os direitos fundamentais. Por isso, na aplicação das normas relativas ao Seguro Social, deve-se buscar os fins sociais aos quais elas se dirigem, diante da proteção ao indivíduo, com vistas à concretização dos seus direitos sociais fundamentais.

 

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Notas 
1 ROCHA, Daniel Machado da. O Direito Fundamental e a Previdência Social. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 103.
2 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 7. ed. São Paulo:LTr, 2006, p. 98.
3 MAZZUOLI, Valério de Oliveira (organizador). Coletânea de Direito Internacional. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 557.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Paulo Antonio Escalante Machado

 

Acadêmico de Direito da FURG/RS

 


 

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