Da inconstitucionalidade da cotribuição provisória sobre a movimentação financeira – CPMF

1.Histórico

Em 15 de agosto de 1996, tendo em vista o sucesso obtido com a arrecadação do IPMF – Imposto Provisório sobre a Movimentação Financeira, foi editada a Emenda Constitucional nº 12, que adicionou ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, o artigo nº 74.

De acordo com o artigo 74 do ADCT, a União poderia instituir contribuição provisória sobre a movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira. A alíquota não poderia exceder a 0,25% (vinte e cinco centésimos por cento), facultado ao poder executivo reduzi-la ou restabelecê-la, total ou parcialmente. De acordo, ainda, com o § 4º, a contribuição não poderia ser cobrada por prazo superior a 2 (dois) anos.

Com efeito, o Governo Federal, com base no artigo 74 do ADCT, instituiu a Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – CPMF, através da Lei nº 9.311 de 24 de outubro de 1996, a qual determinava a cobrança da contribuição durante o período de doze meses. A Lei nº 9.539/97 prorrogou a cobrança da CPMF, estabelecendo que a contribuição seria cobrada durante 24 (vinte e quatro) meses contados a partir de 23 de janeiro de 1997.

Posteriormente, A Emenda Constitucional nº 21, de 18 de março de 1999, que adicionou ao ADCT o artigo nº 75, teve por escopo prorrogar o prazo de cobrança da CPMF e aumentar a sua alíquota. A cobrança foi prorrogada por trinta e seis meses e a alíquota nos primeiros 12 meses foi aumentada para 0,38% e para 0,30% nos 24 meses restantes.

A prorrogação da cobrança da CPMF através da EC nº 21/99 surpreendeu os contribuintes, visto que se trata de uma exação inconstitucional, conforme demonstraremos no presente parecer.

2.Da Questão de Direito

A prorrogação da vigência da CPMF através da Emenda Constituicional nº 21/99, violou princípios e direitos e ofendeu dispositivos da constituição, conforme relacionados a seguir:

a.Princípio da legalidade;

b.Ofensa aos artigos 195, § 4º e 154, I da Constituição;

c.Inconstitucionalidade formal objetiva;

d.Princípio da segurança jurídica e do ato jurídico perfeito;

e.Princípio do não confisco.

2.1.Da Ofensa ao Princípio da Legalidade

2.1.1.Da Inconstitucionalidade da Prorrogação das Leis nºs 9.311/96 e 9.359/97 Pela Emenda Constitucional nº 21/99

A CPMF veio ao mundo através da Emenda Constitucional nº 12, de 15 de agosto de 1996. Esta emenda incluiu o artigo 74 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, o qual, definiu as linhas gerais de instituição e cobrança da contribuição.

Conforme dito anteriormente, nos termos do artigo 74, a União poderia instituir a contribuição provisória sobre a movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira, cuja a alíquota não poderia exceder a vinte e cinco centésimos por cento, facultado ao Poder Executivo reduzi-la ou restabelecê-la, total ou parcialmente, nas condições e limites fixados em lei.

De acordo com a Emenda Constitucional nº 12/96, à referida contribuição não se aplicava o disposto nos artigos 153, § 5º e 154, I da Constituição Federal. O produto de sua arrecadação seria destinado integralmente ao Fundo Nacional de Saúde, para financiamento das ações e serviços de saúde.

Por fim, a contribuição teria a sua exigibilidade subordinada ao disposto no artigo 195, § 6º, da Constituição, e não poderia ser cobrada por prazo superior a dois anos.

Com fundamento no artigo 74 do ADCT, foi editada a Lei nº 9.311, de 24 de outubro de 1996 (DOU 25/10/96), que previa a cobrança da contribuição por um período de 13 (treze) meses. Esta lei esteve em vigor no período de 25/10/97 a 23/01/99, e teve sua vigência prorrogada pela a Lei nº 9.539, de 12 de dezembro de 1997 (DOU 15/12/97) a qual determinava a cobrança da contribuição por 24 (vinte e quatro) meses, observadas as disposições da lei anterior.

Já a Lei nº 9.359/97, vigeu no período de 15/12/97 a 23/01/99, data em que a cobrança da CPMF cessou por terem perdido a vigência as leis que haviam instituído, bem como a previsão constitucional de sua cobrança, que estava limitada a 2 anos pelo artigo 74 do ADCT.

Temos, portanto, que as Leis nºs 9.311/96 e 9.359/97 tinham prazo de vigência determinado, não só em seu próprio texto, mas principalmente pelo disposto no artigo 74 do ADCT, que determinava a cobrança da contribuição por prazo não superior a 2 anos. A partir de 24 de janeiro de 1999, as referidas leis deixaram de existir, pois haviam perdido sua eficácia jurídica. Desapareceram, pois, do Ordenamento Jurídico.

Quando foi editada a Emenda Constitucional nº 21, de 18 de março de 1999 (DOU 19/03/99), as Leis nºs 9.311/96 e 9.359/97 já não estavam mais em vigor. Daí, a impossibilidade de prorrogação de sua vigência e conseqüente inconstitucionalidade da cobrança da CPMF.

Diante de tais fatos, concluímos que a prorrogação da vigência das Leis nºs 9.311/96 e 9.359/97, trazida pela Emenda Constitucional nº 21/99, não surtiu efeitos no mundo jurídico, por prorrogar Lei que não mais existia, restando flagrantemente inconstitucional e ilegal.

Como decorrência lógica temos que a cobrança da CPMF com fundamento nas Leis nº 9.311/96 e 9.359/97 é igualmente inconstitucional e ilegal.

2.1.2. Da Falta de Previsão Legal para a Cobrança da CPMF

Pelo disposto no artigo 195, § 4º da Constituição Federal de 1988, a instituição de outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, não previstas nos incisos I a III do mesmo artigo 195, deve ser feita através de LEI, observando-se ainda a anterioridade nonagesimal, entre a sua entrada em vigor e a cobrança da nova contribuição.

In casu inexiste Lei que sustente a cobrança da CPMF, haja vista que as Leis nº 9.311/96 e 9.359/97 deixaram de existir, infringido o disposto no § 4º do artigo 195 da Constituição Federal (princípio da legalidade previdenciária).

Em um sentido mais amplo, ultrapassando os limites meramente previdenciários (art. 195, § 4º) e tributários (art. 150, I), temos a garantia constitucional do inciso II do artigo 5º da Constutição Federal de 1988 o qual determina que: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

A Emenda Constitucional nº 21/99 infringiu também o artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, que prescreve que a lei não se destinando à vigência temporária, terá vigor até que outra a modifique ou revogue. Contrário senso, destinando-se à vigência temporária, como é o caso das Leis nº 9.311/96 e 9.359/97, expirado esse prazo sem que outra lei o prorrogue, irremediavelmente revogada está a lei.

Conforme ensinamento do insígne Prof. José Afonso da Silva:

“Realmente, uma lei é feita para vigorar e produzir seus efeitos para o futuro. Seu limite temporal pode ser nela mesma demarcado ou não. Seu texto, às vezes, delimita o tempo durante o qual ela regerá a situação fática prevista. Outras vezes ela é feita para regular situação transitória, decorrida a qual perde vigência e, conseqüentemente, a eficácia.” (Curso de Direito Constitucional Positivo, pág. 412, 13ª Ed., Ed. Malheiros, 1997)

Considerando que no sistema brasileiro não existe a represtinação (LICC, art. 2º, § 3º), concluímos pela impossibilidade de prorrogação de vigência de lei cuja a eficácia jurídica já havia se exaurido, como é o caso das Leis nºs 9.311/96 e 9.359/97. Por ter infringido este princípio basilar do direito pátrio, a Emenda Constitucional nº 21/99 é inconstitucional e ilegal, assim como a cobrança da CPMF com base nos referidos atos normativos.

2.1.3.Da Afronta aos Artigos 195, § 4º, e 154, I, da Constituição Federal

Ainda tratando da questão da legalidade verifica-se que a instituição da CPMF não atendeu ao disposto no § 4º do artigo 195 da Lei Maior.

É que nos termos do referido § 4º do artigo 195 da Constituição Federal a lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no artigo 154, inciso I.

“Artigo 154 – A União poderá instituir:

I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;”

Em brilhante exposição no RE nº 166.772-9 RS, do qual foi relator, o Ministro Marco Aurélio, sistematiza a interpretação dada pela Suprema Corte aos referidos dispositivos da Lei Máxima:

“A esta altura cabe indagar: a Constituição de 1988 repetiu a liberdade atribuída ao legislador, no campo ordinário, pelas Cartas pretéritas?

A reposta já foi dada por esta Corte no julgamento de Recursos Extraordinários que versavam sobre a matéria. O art. 195 da Lei Básica de 1988 introduziu no cenário jurídico-constitucional nova forma de disciplina do tema. Ao contrário do que ocorreu com as Constituições anteriores, a partir da de 1934, não se teve apenas a revelação do tríplice custeio. Mediante os incisos I, II e III, previu-se, em rol inegavelmente “numerus clausus”, exaustivo, e não simplesmente exemplificativo, que a seguridade social seria financiada pelas contribuições dos empregados, incidentes sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro dos trabalhadores e sobre a receita de concursos e prognósticos. Pois bem esses parâmetros, em termos de possibilidades da regência por lei ordinária, mostraram-se absolutos. Fora das hipóteses explicitamente contempladas, obstaculizou-se a possiblidade de (repito) via lei ordinária, serem estabelecidas novas contribuições. É que, no mesmo artigo, a demonstrar, a mais não poder, que os casos relativos a contribuições mostram-se exaustivos, inseriu-se parágrafo viabilizando a instituição, mediante lei, de outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o teor do artigo 154, I, da Carta. Confira-se com o que se contém no § 4º do art. 195 em análise. Pois bem, a remissão, sem restrições, ao art. 154, inciso I, confere predicado ao vocábulo “lei” inserto em tal parágrafo. É que nele se contém não só a proibição de vir-se a ter tributo com infringência do princípio da não cumulatividade, com a identidade de fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados na Carta, como também vinculação reveladora do meio hábil para chegar-se à criação respectiva. Em última análise, temos que a faculdade, conferida à União, de instituir novos tributos ficou jungida à edição de lei complementar. Creio que, diante dos precedentes desta Corte, dúvidas não pesam sobre o fato de, constitucionalmente, ter-se via única para a criação de novos tributos, ou seja, a revelada por lei complementar.” (STF, Pleno, j. 13.5.94, DJU DE 20.5.94, pág. 12.246).

No mesmo sentido, são os precedentes:

“Assim sendo, por não haver necessidade, para instituição de contribuição social destinada ao financiamento da seguridade social com base no inciso I do artigo 195 (já devidamente definida em suas linhas estruturais na própria Constituição) da lei complementar tributária de normas gerais, não será necessária, por via de conseqüência, que essa instituição se faça por lei complementar que supriria aquela, se indispensável. Exceto na hipótese prevista no § 4º (a instituição de outras fontes destinadas à garantia, à manutenção ou expansão da seguridade social), hipótese que não ocorre no caso, o art. 195 não exige lei complementar para as instituições dessas contribuições sociais, inclusive a prevista no seu § 1º, como resulta dos termos do § 6º desse mesmo dispositivo constitucional.” (RE nº 146.733-9 SP, rel. Min.Moreira Alves, DJ de 6.11.92)

No mesmo julgamento o Ministro Ilmar Galvão acompanhando o voto do relator se pronunciou:

“E, no parágrafo 4º, deixou aberta a possibilidade de a lei instituir outras fontes de receitas destinadas ao mesmo fim, desde que obedecido o disposto no artigo 154, I, da CF….”

E, ainda:

“Classe / Origem: RE-138284 / CE Recurso Extraordinário

Relator: Ministro Carlos Velloso

Publicação: DJ 28-08-92 pág. 13456, Ementa Vol. 01672-03, pág. 00437, RTJ vol. 00143-01, pág. 00313

Julgamento: 01/07/1992 – Tribunal Pleno

Ementa CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. CONTRIBUIÇÕES INCIDENTES SOBRE O LUCRO DAS PESSOAS JURÍDICAS.

Lei n. 7.689, de 15.12.88. I. – Contribuições parafiscais: contribuições sociais, contribuições de intervenção e contribuições corporativas. C.F., art. 149. Contribuições sociais de seguridade social. C.F., arts. 149 e 195. As diversas espécies de contribuições sociais. II. – A contribuição da Lei 7.689, de 15.12.88, é uma contribuição social instituída com base no art. 195, I, da Constituição. As contribuições do art. 195, I, II, III, da Constituição, não exigem, para a sua instituição, lei complementar. Apenas a contribuição do parág. 4. do mesmo art. 195 é que exige, para a sua instituição, lei complementar, dado que essa instituição deverá observar a técnica da competência residual da União (C.F., art. 195, parag. 4.; C.F., art. 154, I). Posto estarem sujeitas à lei complementar do art. 146, III, da Constituição, porque não são impostos, não há necessidade de que a lei complementar defina o seu fato gerador, base de cálculo e contribuintes (C.F., art. 146, III, “a”). III. – Adicional ao imposto de renda: classificação desarrazoada. IV. – Irrelevância do fato de a receita integrar o orçamento fiscal da União. O que importa é que ela se destina ao financiamento da seguridade social (Lei 7.689/88, art. 1.). V. – Inconstitucionalidade do art. 8., da Lei 7.689/88, por ofender o princípio da irretroatividade (C.F., art, 150, III, “a”) qualificado pela inexigibilidade da contribuição dentro no prazo de noventa dias da publicação da lei (C.F., art. 195, parag. 6). Vigência e eficácia da lei: distinção. VI. – Recurso Extraordinário conhecido, mas improvido, declarada a inconstitucionalidade apenas do artigo 8. da Lei 7.689, de 1988. Observação VOTACAO: UNÂNIME. RESULTADO: CONHECIDO E IMPROVIDO.”

Temos, portanto assentado que a instituição de novas fontes de custeio da previdência social devem ser feitas através de lei complementar. O artigo 146 da Constituição Federal, define as atribuições da lei complementar:

“Artigo 146 – Cabe à lei complementar: (…)

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

Deste modo, conforme entendimento já consolidado na doutrina e na jurisprudência, a instituição de outras fontes de custeio da seguridade social, além das previstas no artigo 195, incisos I a III, só é possível observadas as prescrições do artigo 154, I da Constituição Federal de 1988, ou seja, a criação através de lei complementar, observado artigo 146 e que a referida contribuição seja não cumulativa e não tenha base de cálculo própria de outros impostos previstos na Constituição.

É importante ressaltar que a ausência de lei complementar não pode ser suprida pela Emenda Constitucional nº 21/99, visto que esta não define o seu fato gerador, sua base de cálculo e seus contribuintes, na forma preconizada pelo artigo 146. E nem poderia, haja vista que a Emenda Constitucional não é instrumento válido para tal fim.

2.2. Da Ofensa ao Princípio da Não Cumulatividade

O outro aspecto a considerar do artigo 154, I é que a CPMF deveria observar o princípio da não cumulatividade. A não cumulatividade é tida como um avanço em termos de tributação, visto que o seu objetivo é evitar que os produtos e serviços de cadeia econômica longa, ou seja, aqueles sujeitos a várias fases em que se envolvem muitos fornecedores e compradores venham a ser penalizados por uma tributação cumulativa em que o valor do tributo pago em uma operação de aquisição não possa ser abatido com o devido em operações de vendas subseqüentes.

A maioria dos projetos de reforma tributária no Brasil traz a extinção das contribuições sociais do PIS e do COFINS por serem cumulativas e representarem um indesejável retrocesso tributário. O legislador constitucional sabiamente impediu a possibilidade de criação de novas contribuições previdenciárias cumulativas ao condicionar a instituição de nova fonte de custeio da previdência social ao artigo 154, I da Carta Máxima.

Resta a questão de ter o § 2º do artigo 74 do ADCT feito a ressalva de que à CPMF não se aplicaria o artigo 154, I. Entretanto, este artigo 74 foi a matriz de cobrança da contribuição instituída pelas Leis nºs 9.311/96 e 9.359/97 que, como vimos, expiraram. Assim sendo, não resta dúvida de que o artigo 74 tendo cumprido a função a que se destinava, qual seja possibilitar a instituição da contribuição provisória por dois anos, não mais pode ser evocado.

O que se pretendeu através da Emenda Constitucional nº 21/99 foi a criação de nova contribuição, uma vez que a CPMF instituída pelo artigo 74 do ADCT tinha prazo de duração certo, não podendo ser revigorado, quanto mais depois de transcorrido esse prazo.

No que respeita à forma de sua instituição, a ausência de lei complementar que defina os contornos da CPMF, também deverá ser repudiada pois contraria norma expressa da Constituição. O mesmo ocorrendo em relação à determinação constituicional de que as novas fontes de custeio da previdência sejam não cumulativas.

2.3. Inconstitucionalidade Formal Objetiva

A Proposta de Emenda Constitucional nº34, publicada no Diário do Senado Federal em 19 de novembro de 1998, foi aprovada em 19 de janeiro de 1999 com o seguinte texto:

“Proposta de Emenda à Constituição nº34, de 1998

Prorroga, alterando a alíquota, a cobrança da contribuição a que se refere o art. 74 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

A Mesa da Câmara dos Deputados e o Senado Federal promulgam, nos termos do § 3º do art. 60 da Constituição Federal, a seguinte emenda ao texto constitucional:

Art. 1º. Fica incluído o art. 75 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, com a seguinte redação:

“Art. 75. Fica prorrogada, por trinta e seis meses, a cobrança da contribuição de que trata o artigo anterior, instituída pela Lei nº9.311, de 24 de outubro de 1996, modificada pela Lei nº9.539, de 12 de dezembro de 1997, cuja vigência é também prorrogada por idêntico prazo.

§ 1º Observado o disposto no § 6º do art. 195, a alíquota da contribuição será de trinta e oito centésimos por cento, nos primeiros doze meses, e de trinta centésimos, nos meses subsequentes, facultado ao Poder Executivo reduzi-la ou restabelecê-la, total ou parcialmente, nos limites aqui definidos.

§ 2º O resultado do aumento da arrecadação, decorre da alteração da alíquota, nos exercícios financeiros de 1999, 2000 e 2001, será destinado ao custeio da previdência social.

§ 3º Fica a União autorizada a emitir títulos da dívida pública interna, cujos recursos serão destinados ao custeio da saúde e da previdência social, em montante equivalente ao produto da arrecadação da contribuição, prevista e não realizada em 1999, hipótese em que o resultado da arrecadação verificada no exercício financeiro de 2002 será integralmente destinado ao resgate da dívida pública federal.”

Art. 2º Esta Emenda entra em vigor na data de sua publicação.”

Na Câmara dos Deputados a proposta sofreu profundas alterações na redação dos parágrafos primeiro e terceiro do artigo 75 do ADCT, que foram aprovados em 18 de março de 1999 com a seguinte redação:

“§ 1º Observado o disposto no § 6º do art. 195, a alíquota da contribuição será de trinta e oito centésimos por cento, nos primeiros doze meses, e de trinta centésimos, nos meses subsequentes, facultado ao Poder Executivo reduzi-la total ou parcialmente, nos limites aqui definidos.

§ 3º Fica a União autorizada a emitir títulos da dívida pública interna, cujos recursos serão destinados ao custeio da saúde e da previdência social, em montante equivalente ao produto da arrecadação da contribuição, prevista e não realizada em 1999”.

Assim sendo, no primeiro parágrafo alterado, suprimiu-se a expressão “ou restabelecê-la” e no parágrafo terceiro retirou-se toda a parte final, excluindo a “hipótese do (…) resultado da arrecadação verificada no exercício financeiro de 2002 ser integralmente destinado ao resgate da dívida pública federal.”

Desta forma, a Emenda Constitucional nº21, apresenta um vício formal objetivo, tendo em vista que depois de ter sido modificada, a proposta não retornou ao Senado Federal para votação do novo texto, sendo promulgada no dia 19 de março com o texto dado pela Câmara dos Deputados.

O § 2º do artigo 60 da Carta de 1988, estabelece que a proposta de Emenda à Constituição será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

O projeto de emenda que teve origem no Senado foi reformado pela Câmara. Entretanto, não retornou ao Senado para nova votação, tendo sido diretamente promulgada.

O Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Michel Temer, editou o Ofício nº47, comunicando que as expressões suprimidas do texto voltariam ao Senado Federal para serem reexaminadas. Ato contínuo, o novo texto da Emenda Constitucional nº 21/99 foi promulgado. De sorte que a mal sinada Emenda Constitucional, em seu texto final, não foi objeto de votação no Senado, resultando daí nova inconstitucionalidade.

Não há previsão legal permitindo à Casa Revisora alterar palavras e expressões da proposta de emenda sem submeter o novo texto àquela que deu origem ao projeto. O texto a ser publicado deve ser votado tanto no Senado Federal quanto na Câmara dos Deputados.

Isto posto, temos que na criação da Emenda Constitucional nº 21/99 não foi observado o trâmite legislativo prescrito pelo § 2º do artigo 60 da Constituição Federal para a promulgação de alterações a serem introduzidas na Carta Magna.

2.4. Da Ofensa Aos Princípios Da Segurança Jurídica E Do Ato Jurídico Perfeito

A prorrogação da vigência das Leis nº 9.311/96 e 9.359/97 colide frontalmente com outros dois direitos constitucionais: a proteção ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito.

A Constituição Federal de 1988 cuidou de preservar a segurança jurídica, dando a esta o “status” de claúsula “pétrea”, a qual não poderá ser modificada pelo poder constituinte derivado.

O princípio da segurança jurídica é um direito individual de todos os cidadãos garantido por norma constitucional inscrita no artigo 5º, inciso XXXVI, a qual estabelece que: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

O direito à segurança jurídica foi convertido em claúsula “pétrea” pelo constituinte originário que fez constar na Constituição Federal de 1988 a ressalva de que: “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais” (artigo 60, § 4º, IV).

Os contribuintes que pagaram a CPMF durante dois anos na forma estabelecida pelas Leis nºs 9.311/96 e 9.359/97, as quais perderam a sua eficácia pelo transcurso do prazo durante o qual se destinaram a viger, foram surpreendidos pela Emenda Constitucional nº 21/99, que pretendeu revigorar as referidas leis, suprimindo o direito adquirido e o ato jurídico perfeito.

Estando a cobrança da CPMF limitada a dois anos por Emenda Constitucional e tendo perdido a vigência as leis que a instituiram e prorrogaram, está consolidado o direito de não mais ter de se recolher tal contribuição.

Já a perda da vigência de Lei é ato jurídico perfeito, que não pode ser modificado, ainda que por Emenda Constitucional.

Não há como recepcionar a Emenda Constitucional nº 21/99 em nosso sistema jurídico sem que se negue vigência à Constituição e a Lei de Introdução ao Código Civil, ou seja, ao Estado de Direito.

Tendo em vista esta grave violação, faz-se necessária a prestação da tutela jurisdicional para afastar a cobrança da referida contribuição, instituída por Emenda flagrantemente inconstitucional.

2.5.Da Ofensa Princípio do Não Confisco

Desrespeitados os princípios constitucionais da legalidade e da segurança jurídica, verifica-se que a cobrança da CPMF trata-se de verdadeiro confisco de recursos financeiros dos contribuintes. Assim sendo, a cobrança da referida contribuição ofende o Art. 150, IV da Constituição Federal de 1988, que estabelece:

“Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas aos contribuintes, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…)

IV – utilizar tributo com efeito de confisco;”

Como é de conhecimento público, o governo federal não foi capaz de ajustar as suas contas, por sua exclusiva culpa, o que culminou com a desvalorização da moeda nacional, face a insegurança dos investidores externos que vinham financiando o déficit orçamentário nacional mediante o recebimento de juros de até 50% ao ano. Sob a ameaça da desvalorização, o capital voltou para o exterior e o governo foi obrigado a adotar o câmbio flutuante.

Mas a confiança dos investidores só pode ser recuperada se o país fizer o ajuste fiscal, que consiste em não gastar mais do que se arrecada. Como o governo federal, “perdulário por natureza” não consegue reduzir os seus gastos, a única alternativa que lhe resta é aumentar tributos. Mesmo que através de medidas inconstitucionais.

E é assim que se cria o confisco. Não tendo capacidade de reduzir seus gastos, confisca os recursos dos administrados.

Se a sociedade brasileira, nela incluído o Poder Judiciário, não fizer fazer valer os seus direitos constitucionais, a voracidade fiscal deste governo ao qual estaremos submetidos nos próximos anos só tende a aumentar. Mas pior do que isso serão as conseqüências para a ordem jurídica do país que vai se acomodando às arbitrariedades do Poder Executivo que já neutralizou o Legislativo e ameaça o Judiciário.

Diante deste quadro, ao cidadão só resta recorrer à Justiça onde certamente encontrará o reconhecimento de seus direitos.

3. Conclusão

Conforme devidamente demonstrado, a cobrança da CPMF instituída pela Emenda Constitucional nº 21/99 e Leis nºs 9.311/96 e 9.359/97 é contrária aos seguintes princípios e dispositivos constitucionais e lei federal:

1.A cobrança da CPMF é inconstitucional por infringir o princípio constitucional da legalidade expresso nos artigos 5º, II, 150, I e 195, § 4º da Constituição Federal e no artigo 2º da LICC;

2.Na instituição da CPMF não foram observadas as normas para criação de novas fontes de custeio da previdência social expressas nos artigos 195, § 4º e 154, I da Constituição;

3.A cobrança da CPMF infringiu o Princípio da Segurança Jurídica e do Ato Jurídico Perfeito expresso no artigo 5º, inciso XXXVI, o qual é cláusula “pétrea” de nossa Constituição conforme estabelecido no § 4º, IV do artigo 60 da Carta;

4.No trâmite do projeto de Emenda à Constituição que originou a EC nº 21/99, foi desrespeitado o § 2º do artigo 60 da Lei Maior;

5.Não tendo sido instituída de conformidade com as determinações da Carta Magna, a CPMF se converteu em verdadeiro confisco infringindo o Princípio do Não Confisco inscrito no artigo 150, IV de nossa Carta.

Desta forma, o que se pode esperar da discussão judicial em torno desta questão, que atualmente se desenvolve em todas as instâncias do Poder Judiciário é a declaração da inconstitucionalidade da cobrança da CPMF com base na Emenda Constitucional nº 21/99 e Leis 9.311/96 e 9.359/97.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Luiz Alberto F de Freitas

 

Diretor de Consultoria Tributária

 


 

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