Resumo: A abordagem deste artigo concentrara-se em reflexão e análise dos processos da eutanásia, distanásia e ortotanásia no Brasil, que consiste basicamente na abreviação da morte do paciente, procedimento conhecido na literatura médica como a “morte digna”. O enfoque central sobre a matéria traz o limites e os princípios da justiça brasileira, a responsabilidade civil, penal dos profissionais de saúde, especialmente os médicos. A metodologia aplicada foi a pesquisa bibliográfica face aos livros, legislações, jurisprudências, artigos e periódicos consultados ao logo do desenvolvimento e desfecho final do trabalho. Na análise e discussão de dados constatou-se alguns casos de exceção da aplicação da eutanásia no Brasil, as decisões judiciais favoráveis da ortotanásia com base nos princípios da liberdade e dignidade da pessoa humana e no chamado “testamento vital”, bem como a não recomendação da distanásia por ferir o princípios constitucional brasileiro da dignidade humana, em razão deste tratamento ser desumano e degradante ao paciente em situação de estágio vegetativo permanente.
Palavras-Chave: Eutanásia. Distanásia. Ortotanásia. Profissionais de Saúde. Direitos. Dignidade da Pessoa Humana . Liberdade.
Sumário: 1.Introdução; 2. Desenvolvimento; 2.1 A legislação brasileira e os processos da eutanásia, distanásia e ortotanásia; 2.2 Responsabilidade civil nas modalidades de distanásia, ortotanásia e eutanásia; 2.3 Do direito de Liberdade e Dignidade da Pessoa Humana; 2.2 A panorâmica das decisões judiciais a respeito da eutanásia, distanásia e ortotanasia; 3. Conclusão; Referências.
1. INTRODUÇÃO
Na antiga Grécia, a sociedade acreditava que os médicos tinham o poder da cura porque agiam em nome dos deuses, e na qualidade de semideuses decidiam sobre a vida ou morte das pessoas, já que seus métodos eram inquestionáveis.
Com a passagem do mundo moderno para o contemporâneo, Renê Descartes, inspirado em suas teorias iluministas, defendeu o método científico racional atribuindo à própria Ciência médica o papel de desenvolver métodos para a cura, e ao mesmo tempo afastando atitude sobrenatural dos médicos semideuses.
Com o avanço tecnológico, a Medicina passou por profundas modificações ao longo do Século XX. As conquistas na área médica, sobretudo nas áreas cirúrgica, terapêutica, de anestesia e de reanimação e no campo da tecnologia têm originado melhorias significativas na saúde, em relação ao controle ou à eliminação de doenças, o que torna cada vez mais raros os casos de morte natural.
O fato é que, esses avanços da Medicina têm proporcionado uma melhoria na qualidade de vida das pessoas, principalmente nas sociedades em países desenvolvidas face a uma progressiva diminuição da mortalidade. Por outro lado, essa sobrevida maior decorre do prolongamento desnecessário e de tratamentos injustificáveis, com a obstinação terapêutica a qualquer custo.
Em razão da busca da longevidade, muitos seres humanos que sofrem de doenças crônicas não conseguem a devida cura e acabam chegando à fase da terminalidade. Esse estágio terminal faz necessário serem discutidos os conceitos do que vem a ser boa morte ou morte digna entre doentes, equipe médica, o Estado pelo poder judiciário e a própria sociedade.
Neste sentido, a morte digna deve sustentar-se de uma decisão consciente e informada do paciente, o que implica responsabilizar aquele profissionais da área de saúde em suas atitudes ou decisões acerca do tratamento de um paciente em estágio terminal face as restrições éticas e legislativas.
Diante disso, a Medicina se utiliza de diversos métodos terapêuticos para evitar a morte de um paciente, muitos deles podem aliviar seu sofrimento outros não. Desse modo, torna-se indispensável a discussão no meio jurídico sobre os métodos artificiais utilizados para prolongar a vida e a atitude de deixar a doença seguir sua história natural, com destaque para a eutanásia, a distanásia e a ortotanásia.
Dessa forma, conceitua-se eutanásia como o ato de tirar a vida do ser humano sem dor, isto é, sem sofrimento. A distanásia entende-se como aquela morte difícil ou penosa, pois a vida do paciente é prolongada por meio de tratamento, sem preocupar-se com a qualidade e dignidade da vida do paciente. Já a ortotanásia significa a morte almejada, sem o uso de método artificial para prolongar a vida do paciente, utilizando procedimentos que acarretam aumento do sofrimento, o que altera o processo natural do morrer.
No Brasil, a eutanásia é proibida por caracterizar-se um suicídio assistido e ainda há proibição da participação de médico em seus processos, conforme dispõe o Código de Ética dos Médicos, porém, essa prática é aceita em outros estados estrangeiros como Holanda e Bélgica. Assim, as práticas ou modalidades aceitas em nossa pátria mãe somente a distanásia e ortotanásia.
Diante dos fatos surge a seguinte pergunta: a morte digna como valor e direito constitui uma violação ao direito de liberdade e dignidade da pessoa humana tipificada na Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1998?
A pesquisa em foco propõe como objetivo geral identificar quais dispositivos legais regulamentam a prática da eutanásia, distanásia, ou ortotonásia no Brasil, estabelecendo como metas específicas estudar à luz a justiça brasileira as terapias adequadas no diagnóstico e prognóstico dos pacientes em seus estágios doentios, analisar os principais julgados da matéria em foco, e verificar quais as medidas tomadas pelos tribunais brasileiros.
A relevância do tema justifica-se não só como uma espécie de guia de orientação jurídica para os profissionais e estudantes de direitos, como também para o órgão representativo da classe (OAB) e as Entidades de Ensino Superior(IES), rediscutiram e adotarem novas políticas públicas de abordagem deste assunto aos seus públicos alvo.
A metodologia utilizada na pesquisa foi do tipo bibliográfica e a fonte de coleta de dados, a documental. O enquadramento metodológico deveu-se à consultada aos inúmeros livros, leis, recursos judiciais, pareceres, decisões judiciais e artigos científicos ao longo do seu desenvolvimento.
Segundo Beuren (2003), a pesquisa bibliográfica é aquela elaborada com base em material já publicado, principalmente livros e artigos científicos.
O Trabalho encontra-se dividido em Quatro Capítulos. O primeiro aborda a introducão. O Segundo retrata o desenvolvimento e/ou revisão da literatura. O terceiro é a parte final da pesquisa chamada conclusão e, por ultimo, as referências blibliográficas.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E OS PROCESSOS DA EUTANÁSIA, DISTANÁSIA E ORTOTANÁSIA
No ordenamento jurídico brasileiro e no campo da Medicina, muito tem se discutido a relevância da eutanásia, distanásia e ortotanásia. O direito sobre a morte digna do paciente, mesmo sendo uma vontade própria, passa por regulamentação e proibição dos órgãos representativos da classe médica e Poder Judiciário.
A discussão a respeito da morte digna aponta quatro principais condutas: a distanásia, o suicídio assistido, a eutanásia e a ortotanásia.
Maria Luiza Monteiro da Cruz e Reinaldo Ayer de Oliveira (2013, pg. 407), afirmam que:
“A distanásia, em regra, não envolve uma conduta do enfermo. Trata-se de um conjunto de tratamentos médicos que visam estender a sobrevida do paciente em fase terminal. Apesar de prolongar a vida do enfermo, a distanásia relega a segundo plano a qualidade de vida do paciente. Por tal motivo, é também conhecida como “obstinação terapêutica . De fato, há pacientes que optam pela distanásia, mas a prática tornou-se quase que um tratamento padrão dispensado a pacientes em fase terminal de vida e sem participação na decisão do tratamento”.
Segundo Antônio Chaves (1986, p.65), a eutanásia caracteriza-se pela prática na qual “se busca abreviar, sem dor ou sofrimento, a vida de um doente, reconhecidamente incurável, angustiado por um mal atroz”.
José Roque Junges et. al. (2010, pg. 277), explicam que a eutanásia é um processo de morte de um enfermo por intervenção com o objetivo último de levar à morte, aliviando um sofrimento insuportável, é a prática mais conhecida. Sua forma de punição depende do país em que ocorre. Na eutanásia produz-se a causa imediata da morte, o que é crime, encaixando-se a conduta na previsão do homicídio privilegiado do texto do Código Penal atual, tendo sempre a participação de um terceiro.
No Brasil, a prática da eutanásia adquiriu caráter criminoso, sendo condenada possivelmente devido à propagação de um discurso religioso de proteção à vida e em virtude da racionalização e da humanização do direito. Vejamos abaixo a integra do artigo 121, § 3º do Código Penal(CPB): […] § 3º “Se o autor do crime agiu por compaixão, a pedido da vítima imputável e maior, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave: Pena: reclusão de três a seis anos.”
O Novo Código de Ética Médica (CEM), aprovado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), por meio da Resolução 1931/09, em vigor desde 14 de abril de 2010, dispõe no seu Art. 41, parágrafo único:
“É vedado ao médico abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal, seguido pelo parágrafo único, que contém: Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal”.
O CEM prevê ainda no capítulo “Princípios fundamentais”, que: nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados.
A Resolução nº 311, de 08 de fevereiro de 2007 (Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem), expedida pelo Conselho Regional de Enfermagem do Estado de São Paulo(COREN-SP), no termos do art. 29, proibiu o enfermeiro de promover a eutanásia ou participar em prática destinada a antecipar a morte do cliente.
Portanto, observa-se que a eutanásia é um procedimento proibido não só no universo jurídico brasileiro como também para os profissionais de saúde.
De acordo com Pittelli Oliveira (2009, pg. 14), a boa morte ou morte digna tem sido associada ao conceito de ortotanásia. Etimologicamente, ortotanásia significa morte correta – orto: certo; thanatos: morte. Traduz a morte desejável, na qual não ocorre o prolongamento da vida artificialmente, através de procedimentos que acarretam aumento do sofrimento, o que altera o processo natural do morrer.
Villas-Bôas (2008, pg. 61-83) destaca que na ortotanásia o indivíduo em estágio terminal é direcionado pelos profissionais envolvidos em seu cuidado para uma morte sem sofrimento, que dispensa a utilização de métodos desproporcionais de prolongamento da vida, tais como ventilação artificial ou outros procedimentos invasivos. A finalidade primordial é não promover o adiamento da morte, sem, entretanto, provocá-la; é evitar a utilização de procedimentos que aviltem a dignidade humana na finitude da vida.
2.2. RESPONSABILIDADE CIVIL NAS MODALIDADES DA DISTANÁSIA, ORTOTANÁSIA E DA EUTANÁSIA
Antes de abordar o conceito de responsabilidade civil, fica evidente que nas modalidades de distanásia, ortotanásia e eutanásia, por envolver os profissionais de saúde, estes não estarão imunes de processos na área civil e penal, caso venham a cometer desvio de condutas no exercício de suas atividades médica.
A responsabilidade civil pode ser definida como a obrigação de responder pelas consequências jurídicas em razão do ato ilícito praticado, reparando o prejuízo ou dano causado. Essa responsabilidade pode ser contratual ou extracontratual, ou aquiliana, derivada da Lex Aquilia, oriunda do Direito Romano, que se traduz na violação de uma norma jurídica, sem o liame com uma norma contratual.
Maria Helena Diniz (2008) cita essa responsabilidade aquiliana do dever violado e classifica como contratual e extracontratual. O primeiro importa a inexecução obrigacional advinda de um contrato, como o descumprimento de uma claúsula contratual; a segunda está relacionada ao inadimplemento (não cumprimento) de uma norma jurídica, isto é, aquele que violou uma lei por atuar com dolo ou culpa e causou prejuízo.
Silvio Rodrigues (2003) afirma que a responsabilidade civil vem definida como a obrigação que tem uma pessoa de reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam. A responsabilidade civil é regulamentada pelos artigos 159 e 927 do Novo Código Civil (NCC) de 2002, e deve possuir os requisitos da ação ou omissão (fato lesivo), o dano ou prejuízo, o nexo de causalidade e a culpa, ou o dolo do agente.
Há dois tipos de responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro: a objetiva e a subjetiva. O NCC de 2002, embora tenha mantido a responsabilidade civil subjetiva, ou seja, a responsabilidade que tem como fundamento a culpa (nas variantes ou tipos de imprudência e negligência) e o dolo, previsto no artigo 186, contemplou a responsabilidade objetiva (baseada na teoria do risco), embora não com base no risco integral, mas sim com fundamento na teoria do risco criado ou desenvolvido pelo agente, conforme prevê o artigo 927:
“Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
Segundo Caio Mário da Silva (1985) dentre as diversas teorias de risco (integral, proveito, normais e anormais, atividade), a que melhor explica a responsabilidade objetiva é a do risco inerente à atividade, adotada pelo NCC-2002, pela qual o dever de reparar o dano surge da atividade normalmente exercida pelo agente que cria risco em potencial a direitos ou
interesses alheios. Nesta teoria não se cogita proveito ou vantagem para aquele que exerce a atividade, mas da atividade em si mesma que é potencialmente perigosa e geradora de riscos a terceiros.
A teoria do risco ou responsabilidade objetiva independe de dolo ou culpa. Assim, resta apenas provar o nexo causal (relação de causalidade) entre a ação lesiva e o dano ou prejuízo provocado. Isto é muito comum na relação de consumo (Código de Defesa do Consumidor, art. 14, §1º, comercialização de produtos defeituosos), relação de trabalho (empregador e empregado, risco da atividade econômica, previsto no art. 501 e 502, da CLT).
No tocante à responsabilidade civil subjetiva é necessário que existam três elementos: culpa, dano e nexo de causalidade. A responsabilidade do profissional de saúde (médica) é, em regra, subjetiva, ou seja, depende da comprovação da culpa do profissional. O Novo Código Civil (NCC), Lei Nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, prevê três modalidades de culpa: negligência, imprudência e imperícia, tipificadas no artigo abaixo:
“Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica- se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.”
Kfouri Neto (2010, p.652), afirma que: “a negligência é a omissão do médico com relação aos comportamentos recomendáveis pela prática”. Assim, ocorrerá a negligência médica quando o profissional, conhecedor das técnicas recomendáveis, deixa de aplicá-las a seu paciente, atua com desleixo ou, mesmo, o abandona à própria sorte, recomendando alta médica ou não realizando os exames necessários, entre variadas outras hipóteses.
Maria Luiza Monteiro da Cruz e Reinaldo Ayer de Oliveira (2013, p. 409) explicam a imprudência e imperícia da seguinte forma:
“A imprudência caracteriza-se por um ato comissivo do médico, que, por qualquer motivo, não toma as devidas cautelas – por ele conhecidas – ao tratar um paciente. Os cuidados e regras ignorados pelo médico imprudente existem para resguardar o paciente de possível empecilho que possa resultar no insucesso do procedimento. Portanto, ao ignorar esses cuidados instituídos pela prática, o médico assume o risco do insucesso. Por fim, a imperícia é a falta de conhecimento ou habilitação técnica do medico”.
Para Lopez (1999. p. 125) o dano é o segundo elemento da responsabilidade civil, isto porque advém de uma subtração de bem jurídico da esfera patrimonial ou extrapatrimonial de seu titular. Sem o dano, mesmo havendo conduta antijurídica, seria impossível considerar a responsabilização do agente. A responsabilidade civil se presta a reequilibrar a situação entre as partes – devedor e credor. Se inexistente o prejuízo, inexistente também o desequilíbrio a ser restituído.
Neste diapasão, Maria Luiza Monteiro da Cruz e Reinaldo Ayer de Oliveira (2013, pg.409) explicam a interdependência do dano com o nexo de causalidade:
“A reparação do dano é o objetivo da responsabilidade civil, apenas indenizável caso guarde certo grau de correlação com o ato culposo do médico – omissivo ou comissivo. Tal correlação é o nexo de causalidade, terceiro elemento da responsabilidade civil. É o vínculo de causa e efeito que se estabelece entre o ato do médico – comissivo ou omissivo – e o dano. O nexo de causalidade é essencial para a responsabilidade civil, porque mesmo havendo uma conduta culposa do médico, inclusive um dano ao paciente, não haverá hipótese de ressarcimento caso o dano experimentado não tenha decorrido daquela conduta culposa do médico, mas de uma complicação do estado de saúde do paciente, por exemplo.”
Segundo Capes e Prado (2015), ato comissivo é aquele que o agente pratica o ato através de uma ação; já o ato omissivo é aquele que pratica o ato através de uma omissão, um não agir.
A antijuridicidade conhecida no direito penal como a ilicitude, é a contrariedade de um ato com o direito, causando uma lesão a um bem juridicamente tutelado. Trata-se de instituto de caráter objetivo, haja vista ser uma característica do fato, que se mostra contrário ao Direito, e não um atributo da pessoa. Em outras palavras, é todo comportamento humano que descumpre, desrespeita, infringe uma lei penal e, consequentemente, fere o interesse social protegido pela norma jurídica. Ela é uma conduta injusta e reprovada pelos indivíduos quando têm seus direitos transgredidos (lesionados) pelo não cumprimento de uma norma jurídica (penal, civil).
O NCC (2002), em seu artigo 186, define que o ato ilícito ou a licitude como “aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Entretanto, toda antijuridicidade, segundo o Código Penal Brasileiro (CPB), Decreto- Lei Nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1948, possui sua excludente de ilicitude. Na realidade, as condutas típicas definidas em lei, como por exemplo: matar alguém, estuprar, furtar, roubar, caluniar, difamar, etc., são, de certo modo, antijurídicas, mas, ocorrendo a presença de alguma excludente de antijuridicidade, esta conduta deixa de ser criminosa. As causas de excludentes da ilicitude na verdade são uma espécie de justificativa em que o agente pode ser absolvido do crime que cometeu.
Assim, o artigo 23 do CPB prevê todas as excludentes de antijuridicidades, chamadas também de descriminantes, eximentes, causas de exclusão de crime, tipos permissivos, definindo que “Não há crime quando o Agente pratica o fato em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”. O parágrafo único do dispositivo legal em referência faz apenas a ressalva de que o agente responderá pelo excesso doloso nas hipóteses previstas da ilicitude.
No direito civil as excludentes da ilicitude estão previstas no artigo 188 do NCC 2002, que assim define:
“[….] I- não constituem atos ilícito, os praticados em legitima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido. II – a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão à pessoa, a fim de remover o perigo eminente. Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para remoção do perigo.”
Portanto, o médico em seu exercício profissional poderá responder por responsabilidade civil objetiva ou subjetiva, caso em que estejam presentes os elementos da culpa, dano e nexo de causalidade. Em razão disso, torna-se relevante nos processos de distanásia, eutanásia e ortotanásia, o médico ou qualquer profissional da saúde tomar os devidos cuidados e/ou precauções para que não incorra punição prevista no diploma civil e penal.
2.3. DO DIREITO DE LIBERDADE E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Em 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Organizações Unidas (ONU) proclamou a chamada “Declaração Universal dos Direitos do Homem- DUDH”, inspirada pelos ideais da Revolução Francesa em 1789, propondo a todos os povos e nações promoverem o respeito aos direitos fundamentais e liberdades do homem.
Diante disso, a DUDH passou a ser obrigatória a todos os países membro da ONU, influenciando as constituições nacionais, contribuindo para o aumento de tratados internacionais, servindo de parâmetro para promover e proteger os direitos humanos, e auxiliando os advogados internacionais na busca da defesa dos direitos humanos naqueles países que as violam.
Flávio Rodrigo Masson Carvalho (2012) comenta que a DUDH contempla os princípios de eliminar todas as formas de discriminação racial, contra a mulher, a criança, tortura, penas cruéis, desumanas ou degradantes, ainda direito de liberdade religiosa, liberdade de expressão, dignidade da pessoa humana, etc…
Esses direitos e deveres individuais e coletivos foram recepcionados na Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988, no Capítulo I , art. 5º, dispondo que:
“[….] Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantido-se aos brasileiros e aos estrageiros residentes no País a inviobilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [……]”
Paul Francis Bénoit (1985, p.21) afirma que os direitos humanos fundamentais não podem ser compreendidos como fruto das estruturas do Estado, mas vontade de todos, ou seja, as liberdades não são criadas e não se manifestam senão, em sua maior parte, quando o povo as quer. No mesmo sentido, pode-se entender que: “as liberdades não nascem senão de uma vontade, elas não duram senão enquanto subsiste a vontade de as manter.”
Os seres humanos, apesar de possuírem suas diferenças ou singularidades, como seres sociais, e partindo numa relação de igualdade, passam a receber a carga opressora, também, dos obstáculos impostos à sua vontade face à imposição de uma organização política da sociedade.
Neste sentido, o princípio da liberdade (art. 5º, CRFB/88) e o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CRFB/88) mantém uma relação estrita nas modalidades do processo da eutanásia, distanásia e ortotanásia, nas quais, o profissional de saúde passa a ser considerado o interventor, e até mesmo o tomador de decisão da chamada morte digna do paciente em fase terminal.
O Ministro Luiz Roberto Barroso (2012), do Supremo Tribunal Federal (STF), faz uma analogia da violação à autonomia individual, em decisão de seu voto oral no Recurso Extraordinário-RE, nº. 635.659, expondo que:
“A liberdade é um valor essencial nas sociedades democráticas. Não sendo, todavia, absoluta, ela pode ser restringida por lei. Porém, a liberdade possui um núcleo essencial e intangível, que é a autonomia individual. Emanação da dignidade humana, a autonomia assegura ao indivíduo a sua autodeterminação, o direito de fazer as suas escolhas existenciais de acordo com suas vontades próprias concepções do bem e do bom. Cada um é feliz à sua maneira. A autonomia é a parte da liberdade que não pode ser suprimida pelo Estado ou pela sociedade, e completa: o Estado e a sociedade não podem decidir com quem você vai se casar, qual deve ser a sua religião ou profissão você vai seguir. As pessoas têm, igualmente, o direito de escolher os seus prazeres legítimos”.
José Afonso da Silva (2002) esclarece que o “princípio da dignidade humana”, por ser uma ordem jurídica brasileira que valoriza a pessoa humana, impõe um dever de abstenção e de condutas positivas tendentes a efetivar e proteger a pessoa humana. Assim, a imposição recai sobre o Estado de respeitar, proteger e promover as condições que viabilizem a vida como dignidade.
Com base no princípio da dignidade humana, o Conselho Federal de Medicina (CFM), por meio de seu ato discricionário, editou a Resolução nº 1805, em 9 de novembro de 2006, tratando sobre a morte digna conhecida como ortotanásia, a qual foi objeto de uma Ação Civil Pública 2007.34.00.014809-3, impetrada pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2007, que não concordou com a prática da ortotanásia em razão da falta de seus critérios, pedindo inclusive a anulação da resolução.
A ação ajuizada pelo MPF foi julgada improcedente pelo magistrado após o CFM (2010) ter demonstrado um parecer explicando os conceitos da eutanásia, disnatásia e ortotanásia, conforme vejamos abaixo:
“Se compreende eutanásia como a provocação da morte de paciente em fase terminal de vida ou acometido por doença incurável, praticada por terceiro movido por sentimento de piedade; distanásia, como o prolongamento artificial do estado de degenerescência praticado pelo médico por meio de tratamentos extraordinários; e ortotanásia como a não intervenção no desenvolvimento da morte natural de pacientes em fase terminal de vida, quando a morte é iminente e inevitável.”
Em razão dos fatos expostos acima, fica subentendido com base na interpretação do princípio da dignidade humana, bem como do direito à vida, consagrada na CRFB/88, que o direito à morte digna é legal, porém, nosso sistema jurídico brasileiro não possui uma norma federal que dê aos médicos segurança jurídica quanto à prática da ortotanásia, mesmo sabendo que tal prática de fato é legal.
Por conseguinte, na distanásia, por ser um tratamento que visa prolongar a vida do paciente em estado terminal não se vê o afrontamento a qualquer norma jurídica, diferente da eutanásia que uma terceira pessoa abrevia a vida do paciente caracterizando crime previsto no CPB de “suicídio assistido”, sendo, portanto, a prática proibida no ordenamento jurídico brasileiro.
Em função de uma análise mais profunda dos fatos, percebe-se que, devido às circunstâncias do caso concreto que envolve a prática da eutanásia, ortotanásia, e distanásia há um clamor da sociedade com base nos princípios da liberdade e dignidade humana, de que o Estado possa intervir o mínimo possível na decisão do processo de encerramento da vida natural em paciente em fase terminal de vida.
2.4. A PANORÂMICA DAS DECISÕES JUDICIAIS A RESPEITO DA EUTANÁSIA, DA DISTANÁSIA E DA ORTOTANÁSIA
Reivindicar o direito à própria morte sempre foi motivo de discussão e debates entre as organizações religiosos, tribunais jurídicos, órgãos e profissionais da saúde, e familiares quando o assunto envolve a eutanásia, a distanásia e a ortotanásia.
Esses processos sempre são questionáveis porque os fatos estão relacionados às doenças graves, tratamento dolorosos, doenças incuráveis, e tantas outras patologias (alterações estruturais, bioquímicas e funcionais nas células, tecidos e órgãos), que desestabiliza o paciente que já se encontra emocionalmente debilitado (CORVINO, 2013).
Neste sentido, muitos destes processos sobre o direito da morte digna acabam chegando aos órgãos da justiça para decisão do mérito. Em 12 de abril de 2012, um caso de eutanásia foi decido pelo Superior Tribunal Federal, que interrompeu um caso da gravidez de feto anencéfalo, no qual os ministros descriminalizaram tal prática médica por 8 votos a 2, prevalecendo a seguinte decisão:
“Para os ministros do STF, os médicos que fazem a cirurgia e as gestantes que decidem interromper a gravidez não cometem qualquer espécie de crime, pois não se trata de aborto porque não há a possibilidade de vida do feto fora do útero. Para interromper a gravidez de feto anencéfalo, as mulheres não precisam mais de decisão judicial que as autorize, bastando o diagnóstico de anencefalia do feto, já que o aborto de feto anencéfalo pode se encaixar nas hipóteses de exceção previstas no Código Penal em que o aborto não é considerado crime, no caso, na regra que possibilita o aborto em caso de risco à saúde da mãe. Portanto, venceu a tese de que a interrupção de gestação de feto sem cérebro não pode sequer ser considerada aborto. Assim, o crime é impossível. Essas hipóteses de exceção previstas no CPB em que o aborto não é considerado crime, em caso de risco à saúde da mãe e no de estupro”. (COJUR, 2012).
As decisões judiciais publicadas no dia 18 de abril de 2012 (páginas internas), no Diário da Justiça-DF, julgadas pelo plenário do STF demonstram abaixo o caso concreto da descriminalização do aborto anencéfalo:
“Caso 1 – ADPF e interrupção de gravidez de feto anencéfalo: O Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental ajuizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS, a fim de declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo seria conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, I e II, do CP. Prevaleceu o voto do Min. Marco Aurélio, relator. De início, reputou imprescindível delimitar o objeto sob exame. Realçou que o pleito da requerente seria o reconhecimento do direito da gestante de submeter-se à antecipação terapêutica de parto na hipótese de gravidez de feto anencéfalo, previamente diagnosticada por profissional habilitado, sem estar compelida a apresentar autorização judicial ou qualquer outra forma de permissão do Estado. Destacou a alusão realizada pela própria arguente ao fato de não se postular a proclamação de inconstitucionalidade abstrata dos tipos penais em comento, o que os retiraria do sistema jurídico. Assim, o pleito colimaria tão somente que os referidos enunciados fossem interpretados conforme a Constituição. Dessa maneira, exprimiu que se mostraria despropositado veicular que o Supremo examinaria a descriminalização do aborto, especialmente porque existiria distinção entre aborto e antecipação terapêutica de parto. Nesse contexto, afastou as expressões “aborto eugênico”, “eugenésico” ou “antecipação eugênica da gestação”, em razão do indiscutível viés ideológico e político impregnado na palavra eugenia. Na espécie, aduziu inescapável o confronto entre, de um lado, os interesses legítimos da mulher em ver respeitada sua dignidade e, de outro, os de parte da sociedade que desejasse proteger todos os que a integrariam, independentemente da condição física ou viabilidade de sobrevivência. Sublinhou que o tema envolveria a dignidade humana, o usufruto da vida, a liberdade, a autodeterminação, a saúde e o reconhecimento pleno de direitos individuais, especificamente, os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. No ponto, relembrou que não haveria colisão real entre direitos fundamentais, apenas conflito aparente. Versou que o Supremo fora instado a se manifestar sobre o tema no HC 84025/RJ (DJU de 25.6.2004), entretanto, a Corte decidira pela prejudicialidade do writ em virtude de o parto e o falecimento do anencéfalo terem ocorrido antes do julgamento. Ressurtiu que a tipificação penal da interrupção da gravidez de feto anencéfalo não se coadunaria com a Constituição, notadamente com os preceitos que garantiriam o Estado laico, a dignidade da pessoa humana, o direito à vida e a proteção da autonomia, da liberdade, da privacidade e da saúde. ADPF 54/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 11 e 12.4.2012”.(ADPF-54)
Outro julgado abaixo de aborto anencéfalo envolvendo questões médicas e religiosas:
“Caso 2 – ADPF e interrupção de gravidez de feto anencéfalo: Ao frisar que laicidade não se confundiria com laicismo, rememorou orientação da Corte, proferida na ADI 2076/AC (DJU de 8.8.2003), no sentido de que a locução “sob a proteção de Deus”, constante no preâmbulo da Constituição, não seria norma jurídica. Logo, enfatizou que o Estado seria simplesmente neutro — não seria religioso, tampouco ateu. Ademais, a laicidade estatal revelar-se-ia princípio que atuaria de modo dúplice: a um só tempo, salvaguardaria as diversas confissões religiosas do risco de intervenção abusiva estatal nas respectivas questões internas e protegeria o Estado de influências indevidas provenientes de dogmas, de modo a afastar a prejudicial confusão entre o poder secular e democrático e qualquer doutrina de fé, inclusive majoritária. Ressaltou que as garantias do Estado secular e da liberdade de culto representariam que as religiões não guiariam o tratamento estatal dispensado a outros direitos fundamentais, tais como os direitos à autodeterminação, à saúde física e mental, à privacidade, à liberdade de expressão, à liberdade de orientação sexual e à liberdade no campo da reprodução. Nesse tocante, dessumiu que a questão debatida não poderia ser examinada sob os influxos de orientações morais religiosas, apesar de a oitiva de entidades ligadas à profissão de fé não ter sido em vão. Isso porque, em uma democracia, não seria legítimo excluir qualquer ator do âmbito de definição do sentido da Constituição. Entendeu que, todavia, para se tornarem aceitáveis no debate jurídico, os argumentos provenientes dos grupos religiosos deveriam ser devidamente “traduzidos” em termos de razões públicas, ou seja, expostos de forma que a adesão a eles independesse de qualquer crença. A respeito, sobrelevou que crença não poderia conduzir à incriminação de suposta conduta de mulheres que optassem por não levar a gravidez a termo, visto que ações de cunho meramente imoral não mereceriam glosa do direito penal. ADPF 54/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 11 e 12.4.2012”. (ADPF-54)
Nestas circunstâncias há de haver em breve uma reforma na lei penal brasileira legalizando a eutanásia, já que pelo menos corre na corte do Congresso Nacional a tramitação do “Projeto de Lei nº 125/96”, de autoria do senador Gilvan Borges. A proposta prevê a criação de uma equipe médica composto de cinco profissionais, responsável pelo atestamento de inutilidade do sofrimento físico ou psíquico do doente, fazendo jus ao direito de o próprio paciente solicitar a eutanásia, e caso não esteja consciente, a decisão caberia a seus parentes mais próximos.
Entre outras permissões da regulamentação da eutanásia no projeto de lei mencionado estão os casos de morte cerebral, a forma de constatação da morte cerebral, quando a autorização é dada expressamente pela família, hipóteses do paciente não ter familiares, que neste caso a autorização dependerá do juiz mediante requerimento do médico (após a avaliação do paciente conclusa por junta médica) ou a pessoa que mantém relação de afetividade com o paciente, ouvindo o membro do Ministério Público com a incumbência de publicar um edital para que dê ciência aos possíveis familiares, e o direito de a família ou pessoa que mantém laços de afetividade com o paciente requeira autorização judicial para a prática da eutanásia, mas somente em casos de não haver consentimento prévio do paciente e este estar impossibilitado de se manifestar, entre outros.
Como já frisamos anteriormente a ortotanásia significa a chamada “morte certa” ou no tempo certo, ou seja, deixar que a morte ocorra naturalmente, devendo ser acompanhada pelos médicos, seria um processo de morte assistida. Como já foi mencionado, a CFRB/88 não autoriza de forma explícita a ortotanásia, porém, sua aplicação legal tem-se vinculado aos princípios da autonomia (liberdade) e dignidade da pessoa humana, previstos na própria constituição.
Em 20 de novembro de 2013, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) julgou a “Apelação Cível AC 70054988266” desprovida impetrada pelo Ministério Público tratando da discussão acerca do direito de um idoso a recursar a amputação de um membro necrosado reconhecendo “o direito do idoso” com base no processo da ortotanásia via testamento vital (documento redigido por um paciente, por não querer se submeter a uma cirurgia mutilatória quando constatar-se de uma doença ameaçadora da vida). Vejamos abaixo o julgado do egrégio Tribunal:
“TJ-RS – Apelação Cível AC 70054988266 RS (TJ-RS)
Data de publicação: 27/11/2013
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. ASSISTÊNCIA À SAÚDE. BIODIREITO.ORTOTANÁSIA. TESTAMENTO VITAL. 1. Se o paciente, com o
pé esquerdo necrosado, se nega à amputação, preferindo, conforme laudo psicológico, morrer para "aliviar o sofrimento"; e, conforme laudo psiquiátrico, se encontra em pleno gozo das faculdades mentais, o Estado não pode invadir seu corpo e realizar a cirurgia mutilatória contra a sua vontade, mesmo que seja pelo motivo nobre de salvar sua vida. 2. O caso se insere no denominado biodireito, na dimensão da ortotanásia, que vem a ser a morte no seu devido tempo, sem prolongar a vida por meios artificiais, ou além do que seria o processo natural. 3. O direito à vida garantido no art. 5º, caput, deve ser combinado com o princípio da dignidade da pessoa, previsto no art. 2º, III, ambos da CF , isto é, vida com dignidade ou razoável qualidade. A Constituição institui o direito à vida, não o dever à vida, razão pela qual não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter a tratamento ou cirurgia, máxime quando mutilatória. Ademais, na esfera infraconstitucional, o fato de o art. 15 do CC proibir tratamento médico ou intervenção cirúrgica quando há risco de vida, não quer dizer que, não havendo risco, ou mesmo quando para salvar a vida, a pessoa pode ser constrangida a tal. 4. Nas circunstâncias, a fim de preservar o médico de eventual acusação de terceiros, tem-se que o paciente, pelo quanto consta nos autos, fez o denominado testamento vital, que figura na Resolução nº 1995/2012, do Conselho Federal de Medicina. 5. Apelação desprovida”. (Apelação Cível Nº 70054988266, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em 20/11/2013).
Vale lembrar que o CFM editou nova Resolução de nº. 1.995, em 30 de dezembro de 2012, dispondo sobre a diretiva antecipada de vontade, conhecida na literatura médica de testamento vital ou declaração prévia de vontade. Pela referida resolução o testamento vital é um registro histórico-clínico que o paciente poderá fazer valer sua vontade de se submeter ou não a tratamentos invasivos ou dolorosos para prolongar sua vida em situações terminais crônicas ou estados vegetativos. O paciente poderá fazer uso do documento a qualquer momento, desde que seja maior de idade e gozando de pleno direito de suas faculdades mentais. O atestamento passa a ser então de suporte legal e ético para os médicos.
Maria Luiza Monteiro da Cruz e Reinaldo Ayer de Oliveira (2013) explicam que, ao praticar a ortotanásia, o médico não estaria agindo com negligência, imperícia ou imprudência, que vias de regras, basta o médico avaliar o prognóstico do paciente, preocupando-se com sua “qualidade de morte” e autonomia, converse sobre o fim da vida, tratamentos possíveis e administre cuidado paliativo.
Em consulta ao site (21/05/2016) do Senado Federal brasileiro, assim com a eutanásia, existe o Projeto de Lei n. 524/2009, de autoria do senador Gerson Camata, visando regulamentar a prática da ortotánasia e, especialmente, direitos do paciente em fase terminal de doença incurável.
A distanásia é definida como o procedimento de prolongar a vida de um paciente em estado terminal, sem a preocupação com a qualidade da mesma, ou seja, ignorando o sofrimento que este prolongamento pode causar no enfermo. A modalidade da distanásia no Brasil fere o art. 5º, III, da CRFB/88, pois o princípio da dignidade humana é bem claro “ninguém será submetido à tortura nem tratamento desumano ou degradante”.
Como exemplo de casos de distanásia temos aqueles pacientes que ficam na condição de “Estado Vegetativo Persistente (VPS)”, cujas funções vegetativas do corpo são sustentadas por nutrição ou outras medidas de suporte de vida (aparelhamento artificial), podendo o paciente viver semanas, meses, ou até mesmo anos. Indivíduos com danos nos hemisférios cerebrais (divisão do cérebro) frequentemente entram num estado crônico de inconsciência, daí pode-se dizer que o paciente entrou em estado vegetativo porque ocorre a perda da cognição.
Na busca desesperada pela vida do paciente, a Medicina não tem medido esforços para não abreviar a vida do paciente com a adoção da chamada Medicina Crítica (suporte cardiorrespiratório, alimentação parental, controle das infecções com danos graves no cérebro), isto tudo caracteriza o procedimento da distanásia como um tratamento custoso, emocionalmente doloroso, e considerado na Medicina por especialistas como não moderno.
Wellington Saraiva(2015) comenta que: várias decisões judiciais, principalmente nos Estados Unidos da América (EUA), autorizam os cuidadores a suspender ou não utilizar o tratamento de paciente em VPS com base no seguinte argumento: o paciente tem o direito de renunciar a tratamento que prologue sua vida e ou cuidadores (profissionais da saúde) não têm o direito de prolongar a vida do paciente quando o método medicinal não venha restaurar a consciência ou cognição. Esta decisão, segundo os juízes americanos, não é um homicídio criminoso, mas apenas uma decisão de livrar o sofrimento das pessoas.
Apesar disso, a distanásia é o procedimentos mais frequente no Brasil porque ainda existe a forte pressão familiar para prolongar a vida do paciente e a questão religiosa.
CONCLUSÃO
Não resta dúvida que assunto que trata da eutanásia, da distanásia e da ortotanásia no Brasil é relevante e polêmico por envolver questões judiciais, familiares e a profissão médica, no momento da abreviação da morte do paciente em estado terminal. Apesar da discussão do direito de morrer ou morte digna, o Brasil precisa urgente reformular sua lei penal, haja vista que, o processo da eutanásia ainda é proibida no país, mesmo havendo algumas exceções (aborto por estupro e anencéfalo), e a ortonatásia que têm sua autorização legal baseada princípios constitucionais da liberdade e da dignidade humana.
Neste sentido, todas essas questões de valores morais, éticos e costumes sempre presentes em qualquer sociedade, não se poderia excluir aqui “o estágio final da vida humana e suas implicações”, e tampouco o crivo decisório da justiça, razão pela qual o direito tornou- se uma ciência importante para avaliar as técnicas polêmicas da distanásia, da eutanásia e da ortotanásia.
Com base nos estudos e análise da matéria abordada neste artigo, constatou-se que o objetivo geral da pesquisa foi alcançado, já que foram identificadas as principais decisões judiciais e dispositivos que versam sobre a legalidade ou não das modalidades e aplicabilidade da eutanásia, da ortotanásia e da distanásia, como é o caso de exceção da eutanásia no Brasil (aborto por estupro e de anencéfalo), bem como a prática da ortotanásia com base nos princípios da liberdade e dignidade humana e no testamento vital em paciente com doença em fase terminal incurável.
Como sugestão propõem-se que os projetos de leis (eutanásia e ortotanásia) que estão no Congresso Nacional Brasileiro sejam votados e aprovados pelo poder legislativo, o mais breve possível, a fim de que os profissionais da saúde não venham a sofrer sanções civis e penais decorrentes dos processos de abreviar a vida do paciente.
Por fim, espera-se que esta pesquisa seja objeto de estudo e de interesse de futuros pesquisadores pelo fato de o assunto representar enorme relevância para os órgãos da justiça e, especialmente, para os profissionais das áreas da Saúde e do Direito.
Informações Sobre o Autor
Mariano Terço de Melo
Acadêmico do Curso de Bacharelado em Direito do Centro Universitário Estácio da Amazônia