Resumo: Trata-se de artigo que busca analisar possíveis alternativas, diante das recentes reformas processuais, para a impugnção de decisões proferidas em sede de liquidação por artigos.
Sumário: I) Intróito; II) As ondas renovatórias no Direito Processual Civil Brasileiro; III) Justificativa, polemicidade e importância do tema; IV) Correntes Doutrinárias; V) O tema na Jurisprudência pátria; VI) Conclusão; VII) Referências Bibliográficas.
I) INTRÓITO
O presente artigo tem por escopo analisar possíveis caminhos que podem ser trilhados para a impugnação de decisões proferidas em sede de liquidação de sentença por artigos, tendo em vista a recente alteração no Código de Processo Civil, provocada pela Lei n.º 11.232/05, publicada em 23/12/2005, com vacatio legis de seis meses, que inseriu o artigo 475-H e acrescentou o capítulo IX – da Liquidação de Sentença.
Para cumprir esse desiderato, imprescinde estabelecer premissas básicas que muito contribuirão para o objetivo final.
Como é de curial sabença, no ordenamento jurídico vigente anteriormente, a liquidação por arbitramento, assim como por artigos, era decidida por sentença, impugnável pela via da apelação, de acordo com os artigos 607, parágrafo único, 513 e 520, III, do CPC.
De outro giro, atribuía-se às decisões derivadas de procedimentos liquidatórios incidentais e às decisões homologatórias de atualização do cálculo o tratamento recursal apropriado às interlocutórias (art. 522), critério se impunha em razão do disposto na art. 161, § 1o, que vinculava o ato sentencial à extinção do processo, muito embora não aprofundaremos quanto a estas últimas por não serem o tema proposto.
Dentro deste contexto, no regime anterior, não havia maiores problemas quanto à forma de impugnação, frise-se, da sentença, que julgava a liquidação por artigos (e também por arbitramento), visto que ambas desafiavam o recurso de apelação.
Contudo, com o advento da Lei n.º 11.323/05, inovando ao trazer o artigo 475-H, a natureza jurídica da decisão que julga a liquidação e, conseqüentemente, o recurso correspondente, não se afigura tão patente, de forma que o presente ensaio tem por humilde pretensão engendrar possíveis soluções.
II) AS ONDAS RENOVATÓRIAS NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO
Para melhor situar o leitor, consideramos por bem identificar as três fases de reforma do Processo Civil, que têm como pano de fundo a efetividade, tendo como destaque a última onda renovatória, na qual se situa a temática deste artigo:
A primeira fase teve início em 1992, com a Lei nº 8.445, que deu novo tratamento à produção da prova pericial; a Lei n.º 8.710/93, que passou a admitir a citação por correio; a Lei n.º 8.898/94, que modificou a sistemática da liquidação de sentença, extinguindo a liquidação por cálculo do contador.
Passo seguinte, a segunda fase teve início com a edição da Lei nº 8.950, de 13.12.1994, que introduziu uma nova sistemática recursal, especialmente no tocante aos embargos de declaração, embargos infringentes, apelação, agravo e recursos destinados aos Tribunais Superiores. Nesse mesmo ano, entraram em vigor a Lei n.º 8.951, criando a consignação em pagamento extrajudicial; a Lei nº 8.952, que instituiu as tutelas antecipada e específica, permitindo medidas coercitivas para o cumprimento dos provimentos judiciais, e a Lei n.º 8.953, que alterou timidamente alguns dispositivos do processo de execução. Em 1995, foi editada a Lei nº 9.079, que introduziu a ação monitória em nosso ordenamento jurídico. Fechando essa fase, surgem, em 2001, a Lei n.º 10.352, de 26.01.2001, que dá novo tratamento à remessa necessária; e a Lei n.º 10.358, que afirma a existência e reconhece a eficácia das decisões mandamentais e executivas lato sensu. Em 2002, a Lei nº 10.444 estabeleceu modificações tópicas no processo de execução.
A preocupação central dessas duas primeiras fases de reforma do processo civil residiu na efetividade da prestação jurisdicional, abrindo espaço para a 3ª fase, cujo escopo pode ser traduzido na consolidação do chamado processo sincrético, isto é, o processo que alberga concomitantemente tutelas cognitivas e executivas.
Com a promulgação da EC nº 45/04, que instituiu uma nova garantia fundamental que repercute diretamente na reforma do sistema processual pátrio: o princípio da duração razoável do processo com os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (CF, art.5º, LXXVIII).
Por fim, situa-se a terceira fase. Vê-se, assim, que esta fase reformista do processo civil – que tem início com a Lei 11.187, de 19.10.2005, que confere nova disciplina ao recurso de agravo, e a Lei n.º 11.232, de 22.12.2005 (DOU de 23.12.05), que dentre outras alterações, estabelece a fase de cumprimento de sentenças no processo de conhecimento e revoga dispositivos relativos à execução fundada em título judicial – encontra fundamento específico no princípio constitucional da duração razoável do processo.
Em 07 de fevereiro de 2006, são editadas a Lei n.º 11.276, que, basicamente, introduz modificações na forma de interposição de recursos, no recebimento da apelação e no saneamento de nulidades processuais, e a Lei n.º 11.277, que permite a reprodução do teor da sentenças de improcedências quando a matéria controvertida for unicamente de direito.
Prosseguindo nesta 3ª fase reformista, em 16.02.2006, é publicada a Lei nº 11.280, que estabelece alterações relativas aos seguintes institutos: incompetência relativa, meios eletrônicos, prescrição, distribuição por dependência, exceção de incompetência, revelia, cartas precatória e rogatória, ação rescisória e vista dos autos. Em 08 de agosto de 2006, entra em vigor a Lei n.º 11.341, que estabelece critérios para demonstração de divergência jurisprudencial para fins de admissibilidade de recursos de natureza extraordinária.
Ato contínuo da terceira fase da reforma, veio a Lei n.º 11.382, de 06.12.2006, alterando diversas normas sobre o processo de execução de título extrajudicial e reconhecendo a força probatória das cópias reprográficas de peças do próprio processo judicial declaradas autênticas pelo próprio advogado sob sua responsabilidade pessoal, se não lhes for impugnada a autenticidade.
II) JUSTIFICATIVA, POLEMICIDADE E IMPORTÂNCIA DO TEMA
De forma prévia, verifica-se que a controvérsia (decorrente das diferentes possibilidades), e, por conseguinte, a tarefa que se apresenta, ganham relevo como se verificará adiante em função de não apenas ser qualquer tipo de liquidação, mas liquidação por artigos, a qual, como enunciado, apresenta aspecto cognitivo mais intenso em razão da necessidade de alegar e provar fato novo (art. 475-E, CPC).
Outrossim, justifica-se a quaestio pelas consequências que podem advir de uma ou outra solução a ser adotada (decisão agravável ou sujeita à apelação), sobretudo, em decorrência da revogação do artigo 520, inciso III, CPC, que tratava do efeito meramente devolutivo do apelo interposto contra a decisão da liquidação, enquanto o atual artigo 475-H é expresso ao estatuir que o recurso a ser interposto, da decisão proferida em sede de liquidação, é o agravo de instrumento.
III) CORRENTES DOUTRINÁRIAS
Ab initio, com a reforma proveniente da Lei 11.232/05, suprimiu-se a execução autônoma das sentenças, situando-a agora como fase processual em continuidade à fase cognitiva. Dentro deste contexto, insere-se a liquidação, que possuía natureza jurídica de processo de conhecimento preparatório para futura execução.
Impõe-se observar, entretanto, que a mera circunstância de não mais corresponder a um ato final do processo não altera a natureza do provimento que julga a liquidação “integrando” o título. Considerando, ainda, sua aptidão para superar preclusivamente fase do processo, devidamente caracterizado está o ato sentencial.
Assim, nos apresenta Humberto Dalla Bernardina de Pinho ao aduzir que uma das interpretações possíveis seria justamente a teleológica, em virtude da natureza das questões decididas. Ora, sabe-se que na liquidação por artigos (alegação e comprovação de fato novo, na dicção do artigo 475-E, CPC) em que a intensidade cognitiva se faz presente de forma mais assintosa, o que justifica a tese dos que defendem ser a decisão apelável.
Nesta primeira vertente, preleciona Araken de Assis ao afirmar caber apelação da decisão na liquidação por artigos, conforme possibilidade inaugurada pelo art. 475-A, parágrafo 2o, do Código de Processo Civil. Acrescenta que, como resultado da expressa revogação do art.520, III, esta apelação será dotada de duplo efeito.
Há quem, mesmo considerando ser uma decisão interlocutória, atesta que esta pode ter a natureza de sentença, qualificando-a como de mérito. Neste sentido, posiciona-se Daison Flach “não é decorrência natural, tampouco necessária, da quebra de autonomia do procedimento de liquidação que seja dado à decisão que a resolve o tratamento de mera decisão interlocutória. Como já se teve oportunidade de demonstrar, em ordenamentos como o italiano e o alemão, em que ocorre julgamento fracionado do mérito, a decisão é tida como sentença interlocutória. Algo idêntico ocorre agora com a liquidação na lei reformada. Singulariza essas decisões justamente o fato de que não resolvem mera questão processual senão parcela do mérito, estando aptas à produção de coisa julgada material.” (g.n.). Para mais adiante arrematar: “A solução que se afigura mais viável, portanto, é a de atentar à substância do provimento, considerando sua aptidão para a produção de coisa julgada, dando à decisão do agravo tratamento semelhante ao que se daria em caso de apelo, quanto às formas de impugnação ulterior. Esta solução, de resto, não é estranha à praxe, como bem ilustra o tratamento dado em matéria de rescisão às ditas decisões interlocutórias de mérito”.
Contudo, a questão ganha ares de dinamicidade, conforme argumentos a seguir aduzidos, que expressam a hipótese da adoção de agravo de instrumento, configurando um segundo caminho a ser seguido como forma de impugnação de decisões proferidas em sede de liquidação de sentença por artigos.
Primeiramente porque o artigo 475-H não fez nenhuma distinção, ao prever expressamente a interposição de agravo de instrumento para a “decisão” de liquidação, em combinação com o artigo 9º da Lei 11.232/05, que revoga o inciso III do artigo 520, CPC, o qual previa justamente o recurso de apelação sem efeito suspensivo nas hipóteses de sentença que julgava a liquidação.
Em segundo lugar, de forma acertada, porque na definição de Humberto Dalla, “sendo a liquidação um incidente prévio ao cumprimento da sentença em processo cognitivo, realmente não faria sentido a possibilidade de interposição de apelação, eis que demandaria a prolação de uma segunda sentença, na mesma fase processual, o que certamente causaria indisfarçável tumulto processual (…)”.
Ainda dentro deste segundo caminho, poder-se-ia defender em tese de aplicabilidade do agravo retido, visto que regra geral esta é a forma de agravo a ser utilizada, salvo nas hipóteses que o próprio artigo 522, CPC, excepciona. Contudo, não perfilhamos deste posicionamento, uma vez que, além da literalidade do artigo 475-H fazer referência expressa ao agravo na forma instrumental, há a possibilidade de a parte requerer efeito suspensivo (artigo 527, inciso III, c/c 558, CPC). Neste sentido, também se posiciona Leonardo Greco (“Primeiros Comentários sobre a Reforma da Execução oriunda da Lei 11.232/05”): “observe-se que nos dois dispositivos a nova lei não se refere simplesmente a agravo, mas a agravo de instrumento, deixando claro que ele não pode adotar a forma retida e que a esse agravo não se aplica a exigência para o processamento autônomo e imediato a que se refere o artigo 522, com a redação da Lei 11.187/05, qual seja, que a decisão seja suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação.”
IV) O TEMA NA JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA
Ao lado das posições doutrinárias já expendidas, afigura-nos importante colacionar arestos que já bem demonstram ser o agravo de instrumento o recurso a ser interposto:
V) CONCLUSÃO
Buscou-se por intermédio desta atividade apresentar possíveis caminhos para impugnar decisões proferidas em sede de liquidação de sentença por artigos, especialmente, atentando-se para o escopo que o legislador quis promover com a reforma advinda da Lei nº 11.232/05.
Num primeiro momento, partindo-se de uma interpretação teleológica, ante a natureza da decisão, abeberou-se da doutrina que entende cabível a apelação. Passo seguinte, com fulcro no próprio artigo 475-H, procurou-se demonstrar ser possível a interposição de agravo de instrumento, em homenagem ao espírito que o legislador quis engendrar.
Por fim, valendo-nos da jurisprudência, expusemos que alguns julgados, a nosso ver, acertadamente, acolhem ser o agravo de instrumento, via de regra, como o recurso para a hipótese.
Informações Sobre o Autor
Leonardo Ayres Santiago
Assistente Jurídico da Presidência do TRT/RJ – Analista Judiciário; Especialista em Direito da Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense e em Direito Processual Civil pela UVA; Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.