Aspectos Gerais Sobre a Eficácia da Lei Maria da Penha

Nathan Barbosa

Resumo: Este estudo objetiva abordar os mais relevantes aspectos da Lei 11.340/2006, também conhecida como Lei Maria da Penha, analisando a violência doméstica e familiar contra a mulher, fenômeno presente no Brasil e que assola todas as classes sociais, centrando na problemática da eficácia que tem apresentado o referido diploma legal desde a sua criação. O método adotado é o exploratório e a pesquisa é de natureza bibliográfica. Aborda os aspectos mais relevantes relativos à criação da lei, em especial os aspectos históricos que fomentaram a edição de um diploma legal específico, a sua finalidade e principais inovações introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro, em especial no que toca as medias protetivas de urgência. Averigua a ampliação do conceito de violência no que tange a violência doméstica e familiar contra a mulher. Identifica as questões centrais relativas à eficácia da Lei Maria da Penha no Estado brasileiro, relacionando à luta histórica dos movimentos na busca da efetivação dos direitos das mulheres, de modo a aferir se os fins propostos, quais sejam, a prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher foram alcançados e o que se faz necessário para a sua plena eficácia.

Palavras-chave: Violência doméstica. Lei Maria da Penha. Eficácia. Aprimoramentos.

 

Abstract: This study aims to address the most relevant aspects of Law 11.340/2006, also known as Maria da Penha Law, analyzing domestic and family violence against women, this phenomenon in Brazil, which plagues all walks of life, centering on issues of efficiency that It has shown that legal diploma since its inception. The method adopted is the exploratory research is a bibliographical nature. Addresses the most relevant aspects of the creation of the law, especially the historical aspects that promoted the issue of a specific statute, its purpose and main innovations introduced in the Brazilian legal system, in particular regarding the emergency protective media. Scrutinizes the expansion of the concept of violence with respect to domestic and family violence against women. Identifies the key issues concerning the effectiveness of Maria da Penha Law in the Brazilian State, relating to the historical struggle of movements in search of realization of women’s rights, in order to assess whether the proposed purposes, namely, prevention, punishment and eradication of violence against women have been achieved and what is necessary for their full effectiveness.

Keywords: Domestic violence. Maria da Penha Law. Effectiveness. Enhancements.

 

Sumário: Considerações Iniciais. 1. Lei Maria da Penha: 1.1 Aspectos históricos da Lei Maria da Penha; 1.2 Principais inovações; 1.3 Das medidas protetivas de urgência. 2. Das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher: 2.1 Da violência física; 2.2 Da violência psicológica; 2.3 Da violência sexual; 2.4 Da violência patrimonial; 2.5 Da violência moral. 3. Da eficácia da Lei Maria da Penha. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.

 

considerações iniciais

A violência contra a mulher, embora discutida por diversos segmentos da sociedade ao longo dos últimos anos, não apenas pelos estudiosos do Direito, mas por outras áreas do saber, é problema que assola a humanidade há muito tempo, e que decorre de inúmeros fatores, embora tenha ficado adstrita à esfera privada, principalmente porque os papéis exercidos por homens e mulheres na sociedade sempre foram muito bem delimitados, cabendo à mulher as questões afetas ao lar, ou seja, à esfera privada, enquanto ao homem competia o público.

Não bastasse isso, a relação entre homem e mulher, também por questões culturais, sempre foi desigual, e a mulher, em maior ou menor grau, a depender do momento histórico e da sociedade analisada, sempre se apresentou submissa ao homem. E a violência contra a mulher era tratada, não raras vezes, como fenômeno natural, até mesmo porque muitas crianças nasceram nesse contexto, e cresceram presenciando toda forma de violência contra a mãe, irmãs, primas, etc.

Acontece que a violência doméstica é não apenas um problema social, mas também um desrespeito aos direitos humanos, e porque não dizer um problema de saúde pública, pois graves são as consequências, de natureza física e psíquica. Apesar disso, por muito tempo o problema era considerado privado, portanto não tutelado pelo Estado; e as vítimas, que não tinham coragem de denunciar os abusos sofridos, pois criadas submissas aos pais, depois ao marido, quedavam-se inertes.

O Brasil, apesar de ter assumido, no âmbito internacional, o compromisso de erradicar, prevenir e punir toda forma de violência contra a mulher, ao ratificar a “Convenção Interamericana para Prevenir, Punir, e Erradicar a Violência contra a Mulher”, conhecida como a Convenção de Belém do Pará, até o ano de 2006 não contava com diploma legal específico a tutelar essa questão.

Com o advento da Lei nº 11.340, sancionado no dia 07 de agosto de 2006, e em vigor desde 22 de setembro do mesmo ano, o Brasil passou a contar com uma lei voltada a tutela da mulher vítima de violência doméstica. Logo, o diploma legal em comento já ultrapassa uma década de vigência em nosso país, e compete analisar a eficácia da Lei Maria da Penha.

Não obstante o aspecto social ao qual está relacionada a Lei Maria da Penha, e apesar de ter surgido como ferramenta de mudança não apenas política, mas cultural, e principalmente jurídica, tendo em vista que a violência doméstica e familiar contra a mulher se caracteriza como violação expressa aos direitos humanos, muito ainda se questiona quanto a efetiva proteção à vítima, ou seja, se a lei atingiu os fins propostos, já que alguns aspectos ainda despertam discussões.

É nesse contexto que se situa o presente estudo, que tem por objetivo a análise da eficácia da Lei Maria da Penha no ordenamento jurídico brasileiro, como instrumento de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, destacando as principais inovações introduzidas.

O método utilizado é o exploratório, e a pesquisa pauta-se na revisão bibliográfica, pois se busca na doutrina, legislação, artigos, periódicos, dentre outras fontes, elementos para a compreensão do problema de pesquisa, mormente as questões afetas às inovações na legislação brasileira e a eficácia da Lei nº 11.340/2006 no que tange a proteção à vítima de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Assim, divide-se o estudo em três capítulos, sendo que no primeiro busca-se compreender os aspectos históricos, as inovações e, em linhas gerais, a disciplina das medidas protetivas de urgência.

Diante disso, se faz necessária uma síntese sobre os aspectos históricos que fomentaram o advento da Lei Maria da Penha, que reflete a lua das mulheres para o reconhecimento da necessidade de intervenção do Estado no combate à violência contra a mulher, já que a inércia configura afronta aos direitos humanos.

Em seguida, no segundo capítulo, serão verificados os aspectos relativos ao conceito de violência, mormente as formas de violência contra a mulher consagrados no bojo da Lei Maria da Penha, que ampliou o conceito.

Por fim, no terceiro capítulo, aborda-se a problemática da eficácia da Lei Maria da Penha, a partir de uma análise crítica do referido diploma legal, de modo a identificar se este vem atendendo aos fins propostos, no combate à violência perpetrada contra a mulher.

1 LEI MARIA DA PENHA

A violência doméstica e familiar é problema que assola a sociedade a muito tempo, embora apenas recentemente tenha ganhando evidência, passando a ser debatido amplamente por diversos segmentos da sociedade, incluindo a comunidade jurídica.

Acontece que a violência de gênero traz arraigada a si questões culturais que tornam o seu enfrentamento muito complexo, o que se agrava se considerado o fato que a primeira legislação específica somente fora editada no Brasil no ano de 2006, muito embora a Constituição da República de 1988 tenha consagrado em seu bojo a igualdade entre homens e mulheres, e se comprometido a prevenir e punir toda forma de violência contra a mulher.

Contudo, para se compreender como se deu o processo de elaboração da Lei Maria da Penha, e a sua importância no cenário nacional, necessário se faz buscar não apenas a elucidação do conceito de violência doméstica e familiar contra a mulher, mas principalmente os elementos históricos que contribuíram para a edição do diploma legal em comento, o que se passa a abordar nesse primeiro capítulo.

 

1.1 ASPECTOS HISTÓRICOS DA LEI MARIA DA PENHA

A violência contra a mulher remete aos primórdios da humanidade, e se encontra arraigada aos papéis exercidos pelo homem e pela mulher ao longo dos tempos, pois enquanto àquele sempre foi reservado o espaço público, a mulher sempre foi relegada à esfera doméstica, competindo-lhe as questões afetas ao lar, aos afazeres domésticos, a procriação e educação dos filhos.

Para o exercício de tal papel a mulher, em maior ou menor grau, a depender do momento histórico e da sociedade, via de regra foi submissa ao homem, principalmente nas sociedades patriarcais, a exemplo da família romana, na qual o homem era detentor de todo o poder, ficando a mulher restrita à esfera privada, sendo primeiramente submissa ao seu genitor e, após o casamento, ao seu marido.

Apenas com o passar dos anos, e as grandes revoluções vivenciadas no mundo, a exemplo da Revolução Industrial e Francesa, é que a mulher começou a procurar seu espaço em um meio diverso do familiar, ou seja, buscando espaço no mercado de trabalho e na vida social.

Por isso é que os estudiosos afirmam que somente na segunda metade do século passado é que as mulheres começaram a se organizar e a clamar por mais direitos, o que refletiu diretamente nas denúncias contra a violência de gênero, grave problema que afeta a saúde física e psíquica das mulheres, comprometendo severamente seu desenvolvimento integral na sociedade.

Não é demais salientar que por muitos anos a violência de gênero não foi reconhecida como um fenômeno a ser enfrentado, ou seja, não fez parte da agenda pública dos organismos internacionais, o que comprometeu o próprio enfrentamento do problema. E, em se tratando da violência doméstica e familiar contra a mulher, o problema ficava restrito à esfera privada, e o Estado não adentrava, já que as denúncias não ocorriam.

Ferrera e Serra,[1] chamando a atenção para a complexidade do problema, aponta que a violência de gênero é um fenômeno complexo e multivariado, a começar pela diversidade de termos encontrados na literatura para se referir a este tipo específico de violência. Fato é que várias são as expressões utilizados pelos estudiosos do tema é “violência contra a mulher”, “violência intrafamiliar”, “violência conjugal”, “violência doméstica contra a mulher”, “violência de gênero”, “mulher golpeada”, dentre outras.

A primeira condenação histórica no Brasil, de um caso de violência de gênero, ocorreu no ano de 1981, por crime passional, no conhecido caso Doca Street, quando então surgiu o slogan “quem ama não mata”, como uma espécie de repulsa aos até então denominados crimes de honra, pois o senso comum até então defendia os delitos praticados por companheiros.

A esse respeito são os ensinamentos de Calazans e Cortes,[2] que ao dissertar sobre o processo de criação da Lei Maria da Penha, e a influência dos movimentos que ganharam força a partir da década de 1970, ressalta:

Na década de setenta, quando grupos de mulheres foram às ruas com o slogan quem ama não mata, levantou-se de forma enérgica a bandeira contra a violência, sendo este tema incluído na pauta feminista como uma de suas principais reivindicações. Grupos foram formados, manifestações foram feitas e a luta para ver punidos os assassinos foram iniciados. Um dos casos mais emblemáticos daquela época foi o de Doca Street, que assassinou sua companheira e no Tribunal de Júri alegou “legítima defesa da honra”, alegação até hoje usada por advogados que tentam livrar assassinos da punição.

O problema se agravava quando as vítimas se deparavam com a morosidade do Estado, totalmente despreparado para o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher. E foi exatamente situação assim que levou o Brasil a ser condenado no âmbito internacional, pela Organização dos Estados Americanos – OEA, após denúncia efetivada por Maria Penha Maia Fernandes, vítima de violência doméstica, que se transformou em um ícone na defesa dos direitos da mulher, embora sua história seja, na verdade, uma triste demonstração de como a violência contra a mulher destrói sonhos.

Maria da Penha Maia Fernandes, em maio de 1983, como relata Dias,[3] foi vítima de uma tentativa de homicídio, após seu então marido, Marco Antônio Heredia Viveiros, disparar um tiro que atingiu a sua coluna, deixando-a paraplégica.

Decorridos alguns dias da agressão, a vítima retornou para a sua casa, quando novamente o seu marido tentou contra a sua vida, enquanto Maria da Penha se encontrava no banheiro, tomando banho, por meio de uma descarga elétrica.[4]

Importa ressaltar que quando da primeira tentativa de homicídio restou apurado que dias antes o autor do disparo havia convencido a vítima a celebrar contrato de seguro de vida, além de alienar um veículo automotor, o que levou o Ministério Público a apresentar denúncia no ano de 1984.[5] Logo, inexistiam dúvidas quanto a autoria e materialidade do delito, ou seja, não se vislumbra dificuldades, pelo menos no ponto de vista teórico, para a condenação do agressor.

Contudo, basta imaginar que a primeira tentativa de homicídio se deu em maio de 1983, as investigações tiveram início em junho daquele ano, e a denúncia somente fora apresentada em setembro de 1984, como ressaltam Bianchini e Mazzuoli,[6] para se verificar, de plano, que a violência doméstica, no caso de Maria da Penha Maia Fernandes, embora consubstanciada em duas tentativas de homicídio, que a deixaram paraplégica, não foi tratada com o zelo que se espera.

A situação se agrava se considerado o fato que somente em 1991 foi o agressor levado a julgamento, e condenado a 08 (oito) anos de prisão, embora tenha o julgamento sido anulado em sede recursal, somente voltando a ser julgado em 1996, ou seja, 13 (treze) anos após o delito, quando lhe foi imposta pena de dez anos e seis meses de prisão, mas com direito de recorrer em liberdade, somente foi a ser recolhido à prisão no ano de 2006, vindo a cumprir, efetivamente, apenas 02 (dois) anos de prisão, isso 19 (dezenove) anos após a primeira tentativa de homicídio.[7]

Diante da repercussão negativa do caso de Maria da Penha Maia Fernandes é que diversas entidades, em especial o Centro para a Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) formalizaram denúncia direcionada à Comissão Interamericana de Direitos humanos da Organização dos Estados Americanos.

Nesse sentido também são os ensinamentos de Cunha e Pinto,[8] os quais enfatizam que a repercussão do caso de Maria da Penha foi tamanho que chegando ao conhecimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA). Dentre as diversas conclusões, ressaltou esta Comissão que “a ineficácia judicial, a impunidade e a impossibilidade de a vítima obter uma reparação mostra a falta de cumprimento do compromisso [pelo Brasil] de reagir adequadamente ante a violência doméstica”.

Também , Bianchini e Mazzuoli[9] chamam a atenção para o fato de que a inércia do Estado brasileiro, após duas tentativas de homicídio, e decorridas quase duas décadas da violência sofrida por Maria da Penha, que culminou na denúncia efetivada pelo “Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional” e do “Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher”, contra o Brasil, perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, denúncia que foi recebida 20 de agosto de 1998, ou seja, no curso da tramitação do processo criminal junto ao Poder Judiciário brasileiro.

Desta feita, o fundamento central da denúncia em comento é a violência contra a mulher, tendo como autor o marido de Maria da Penha, perpetrada no curso da convivência familiar, e a consequente inércia do Estado brasileiro na punição do infrator.

Assim, os artigos apontados pelos denunciantes, segundo Bianchini e Mazzuoli,[10] é a violação ao art. 1º – obrigação de respeitar os direitos; art. 8º – garantias judiciais; art. 24 – igualdade perante a lei; e art. 25 – proteção judicial, todos da “Convenção Americana de Direitos Humanos” – Pacto de San José da Costa Rica, diploma este ratificado pelo Brasil em 1992, sem prejuízo da violação aos arts. II e XVIII da “Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem”, e, ainda, dos arts. 3º, 4º, alíneas “a”, “b”, “c”, “d”, “e”, “f”, “g”, 5º e 7º da “Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher”, conhecida como “Convenção Belém do Pará”.

Importa abrir um parêntese, nesse ponto, para enfatizar que Brasil é signatário de vários tratados que foram recepcionados pelo direito brasileiro; e, ao ratificar a “Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência a Contra Mulher”, conhecida como “Convenção de Belém do Pará”, o Estado brasileiro assumiu o compromisso de adotar medidas necessárias para definir diretrizes capazes de estancar a prática da violência doméstica, em especial, contra a mulher.

A Convenção de Belém do Pará, considera a violência contra a mulher e uma ofensa à dignidade humana, por isso, uma transgressão aos próprios direitos humanos e define como violência à mulher o que segue:

[…] qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada:

  1. a) que tenha ocorrido dentro da família, ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, quer o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicilio que a mulher e que compreende, entre outros, o estupro, maus tratos e abuso sexual;
  2. b) que ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa, e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no local de trabalho, bem como em instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro local e;
  3. c) que seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra. [11]

A definição dessa pratica deixa clara a disparidade de agressões que podem praticar a violência doméstica familiar contra a mulher, pois no ambiente familiar os diversos indivíduos que ali convivem têm uma relação de aproximação com a vítima, relação essa, muitas vezes de domínio.

Vale lembrar que o Brasil não possuía norma especifica sobre violência doméstica e familiar contra mulher, embora tenha ratificado a Convenção. Neste sentido Piovesan[12] ressalta que:

Ao ratificar a Convenção Interamericana para prevenir, punir e Erradicar a Violência contra mulher (Convenção de Belém do Pará), o Estado brasileiro assumiu o dever jurídico de, sem demora, incluir em sua legislação interna normas penais, civis e administrativas, necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher (art. 7 da Convenção).

Contudo, mesmo ratificando a referida Convenção, e passando o Brasil a contar que uma norma de Direito Internacional que deveria seguir, o país quedou-se inerte na tutela das vítimas de violência doméstica, o que levou à denúncia no sistema interamericano, na década de 80, devido à omissão do Estado brasileiro que, como já dito, deixou de cumprir uma obrigação imposta por um instrumento de ordem internacional.[13]

Somente assim é que repercutiu no país a falta cometida pelo Estado, omisso diante da Convenção de Direitos Humanos ratificada e, consequentemente, denunciado pela violação, o que por certo trouxe a necessidade de mudanças legislativas urgentes, com leis que comportassem maior reprimenda nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

O sistema interamericano, após recebimento da denúncia, solicitou informações ao Brasil reiteradas vezes, sem nunca ter obtido sequer uma resposta, o que contribuiu para a condenação do Estado brasileiro no ano de 2001 pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, que responsabilizou o Brasil pela negligência e omissão em relação à violência doméstica, determinado fosse o problema sanado, sem prejuízo da condenação à indenização de aproximadamente R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) à vítima denunciante, Maria da Penha Maia Fernandes.

Cumpre transcrever, nesse ponto, trecho do Relatório de n º 54, publicado no ano de 2001, referente à condenação em comento, in verbis:

[…] a República Federativa do Brasil é responsável da violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, assegurados pelos artigos 8 e 25 da Convenção Americana em concordância com a obrigação geral de respeitar e garantir os direitos, prevista no artigo 1(1) do referido instrumento pela dilação injustificada e tramitação negligente deste caso de violência doméstica no Brasil. Que o Estado tomou algumas medidas destinadas a reduzir o alcance da violência doméstica e a tolerância estatal da mesma, embora essas medidas ainda não tenham conseguido reduzir consideravelmente o padrão de tolerância estatal, particularmente em virtude da falta de efetividade da ação policial e judicial no Brasil, com respeito à violência contra a mulher. Que o Estado violou os direitos e o cumprimento de seus deveres segundo o artigo 7 da Convenção de Belém do Pará em prejuízo da Senhora Fernandes, bem como em conexão com os artigos 8 e 25 da Convenção Americana e sua relação com o artigo 1(1) da Convenção, por seus próprios atos omissivos e tolerantes da violação infligida. [14]

De acordo com o referido Relatório, ainda se extrai que a OEA impôs ao Brasil a obrigação de “simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar os direitos e garantias do devido processo”, determinando fossem estabelecidas formas “alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos intrafamiliares, bem como a sensibilização com respeito à sua gravidade e às consequências penais que gera”.

Vê-se, portanto, que a problemática da violência doméstica e familiar contra a mulher, que fora ignorada pelo Brasil por anos, em especial no caso de Maria da Penha Maia Fernandes, conduziu a uma condenação no âmbito internacional, no qual a OEA reconheceu expressamente a omissão do Estado brasileiro que, embora signatário da “Convenção de Belém do Pará”, nada fez para erradicar e punir a violência contra a mulher.

Mesmo após a condenação supra, o sistema interamericano não se quedou inerte, e em 2002 realizou audiência para fazer cumprir a recomendação inserta no Relatório supracitado, quando o Brasil se comprometeu a cumprir as determinações impostas pela OEA.

Segundo Cunha e Pinto,[15] a recomendação foi atendida e debates foram iniciados, dando-se início ao processo legislativo para a implementação da reforma legislativa que se fazia necessária. E assim surgiu a Lei nº 10.455/2002, que acrescentou ao parágrafo único, do art. 69, da Lei nº 9.099/1995, a previsão de uma medida cautelar, de natureza penal, consistente no afastamento do agressor do lar conjugal na hipótese de violência doméstica, a ser decretada pelo Juiz do Juizado Especial Criminal.

Posteriormente, foi editada a Lei nº 10.886/2004, que deu nova redação ao art. 129 do Código Penal, e estabeleceu um subtipo penal de lesão corporal decorrente de violência doméstica, o que demonstrava a crescente preocupação da sociedade com tal espécie de violência, entretanto, sem nenhum ganho efetivo no seu combate, mesmo tendo sido aumentada a pena mínima de 3 (três) para 6 (seis) meses.[16]

Porém, tais alterações eram inócuas, e não atendiam os anseios da sociedade no que tocava o combate dos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher.

Sobre o tema Calazans e Cortes[17] dissertam:

Mesmo com estes avanços legislativos, as incorporações efetivadas não tinham força necessária para amenizar a vida de mulheres ameaçadas ou violadas. Era como se estes crimes, praticados no reduto do lar – sempre segredo de família –, fossem para ser guardados a quatro chaves, sem interferências do Estado ou da sociedade. Atos de violência eram muitas vezes encarados como naturais. A questão cultural ou mesmo a necessidade de ter um provedor para si e sua família também podem ser consideradas como uma das causas de a mulher permanecer na violência.

Não bastasse isso, a ineficácia da Lei nº 9.099/1995, que regulamente os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito dos Estados, no combate aos crimes de violência doméstica praticados contra a mulher, se tornou logo alvo de severas críticas da doutrina e dos operadores do direito, como Promotores de Justiça e Magistrados, além de grupos e organismos internacionais de combate à violência doméstica, o que foi determinante para a sucessão de leis até o advento da Lei nº 11.340/2006.

Isso se deve porque ao serem equiparados aos crimes de menor potencial ofensivo, e serem passíveis das medidas despenalizadoras, os agressores, não raras vezes, voltavam para os lares e reiteravam nas práticas de violência doméstica, o que ressaltava o medo das vítimas em denunciar os seus companheiros e maridos. Logo, o que era para contribuir, acabou fomentando a sensação de impunidade.

A respeito das críticas tecidas ao processamento dos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher nos Juizados Especiais Criminais, Calazans e Cortes[18] ressaltam:

A violência doméstica cometida na forma de crime de lesão corporal leve, cuja pena era de seis meses a um ano, passou a ser apreciada pelos JECRIMs como crimes de menor potencial ofensivo. No balanço dos efeitos da aplicação da Lei 9.099/1995 sobre as mulheres, diversos grupos feministas e instituições que atuavam no atendimento a vítimas de violência doméstica constataram uma impunidade que favorecia os agressores. Cerca de 70% dos casos que chegavam aos juizados especiais tinham como autoras mulheres vítimas de violência doméstica. Além disso, 90% desses casos terminavam em arquivamento nas audiências de conciliação sem que as mulheres encontrassem uma resposta efetiva do poder público à violência sofrida. Nos poucos casos em que ocorria a punição do agressor, este era geralmente condenado a entregar uma cesta básica a alguma instituição filantrópica.

Assim, em 25 de novembro de 2004, por ocasião do “Dia Internacional pelo Fim da Violência contra as Mulheres”, o Poder Executivo encaminhou Projeto de Lei ao Congresso Nacional, que recebeu, na Câmara dos Deputados, o número Projeto de Lei nº 4.559/2004, e que após as discussões e pareceres necessários, foi aprovado no Plenário da Câmara, e seguiu para o Senado, no qual foi discutido e aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania,  também aprovado pelo Plenário, seguindo então para a sanção presidencial. [19]

Ainda segundo o autor, em todas as instâncias o Projeto de Lei em comento foi aprovado por unanimidade, e sua tramitação no Congresso Nacional durou cerca de 20 meses, período que pode ser considerado relativamente breve, para a tramitação de uma nova lei. [20]

Por fim, a par da história de Maria da Penha, que impulsionou a sua edição da Lei nº 11.340/2006, o diploma legal em comento foi promulgado em 07 de agosto de 2006, em cerimônia no Palácio do Planalto, oportunidade em que o sistema processual penal foi dotado de instrumento específico para o combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, criando mecanismos de proteção e amparo à vítima, diploma este que entrou em vigor no dia 22 de setembro do mesmo ano.[21]

 

1.2 PRINCIPAIS INOVAÇÕES

Como já apontado alhures, até o advento da Lei nº 11.340/2006, o ordenamento jurídico brasileiro não contava com um diploma legal específico a tratar da violência doméstica e familiar contra a mulher. Logo, eram aplicadas as regras previstas na legislação penal, seja no Código Penal ou nas leis esparsas, e no Código de Processo Penal, bem como as normas insertas no Código de Processo Civil, quando se fazia necessário, por exemplo, o afastamento do agressor do lar.

Desta feita, com o advento da Lei Maria da Penha, várias foram as inovações no ordenamento jurídico brasileiro, não apenas na seara penal, mas também no âmbito processual penal e até mesmo na seara cível. Por isso é possível afirmar que a Lei Maria da Penha, em vigor desde o ano de 2006, implementou uma série de modificações no ordenamento jurídico brasileiro, indo muito além das alterações que se fizeram entre a condenação do Estado brasileiro e o advento deste diploma, e que foram alvo de muitas críticas; e, embora não se tenha por escopo esgotar a análise de todo a lei em comento, dada a sua complexidade, se faz mister tecer algumas considerações acerca das principais inovações.

Ao dissertar sobre as inovações introduzidas, Cunha e Pinto[22] ressaltam que pela primeira vez, no ordenamento jurídico brasileiro, um diploma legal fez expressa menção às uniões homoafetivas entre mulheres, prevendo a proteção da companheira, nos termos do art. 5º da Lei n º 11.340/2006.

Comunga desse entendimento Dias,[23] que ao dissertar sobre a previsão da tutela dos homossexuais, vai além, e assevera que esta se estende também aos transexuais, travestis e transgênicos do sexo feminino, nos seguintes termos:

Ao ser afirmado que está sob o abrigo da Lei a mulher, sem distinguir sua orientação sexual, encontra-se assegurada proteção tanto às lésbicas como às travestis, as transexuais e os transgênicos do sexo feminino que mantêm relação íntima de afeto em ambiente familiar ou de convívio. Em todos esses relacionamentos as situações de violência contra o gênero feminino justificam especial proteção.

Evidencia-se que o legislador pátrio permitiu uma interpretação do reconhecimento com entidade familiar a união entre mulheres, ampliando, por conseguinte, o âmbito de incidência do diploma legal em comento, reconhecendo que a violência doméstica também pode ocorrer nas relações entre pessoas do mesmo sexo.

Contudo, não se pode ignorar que o diploma legal em comento tutela a violência doméstica contra a mulher, não alcançando, por conseguinte, companheiros do sexo masculino, já que o homem está excluído da tutela da Lei Maria da Penha.

Também houve uma significativa inovação ao ampliar o conceito de violência, pois o legislador, no art. 7º, não limitou a violência à física. Contudo, dada a importância deste dispositivo para a compreensão do próprio conceito de violência doméstica e familiar, e porque não dizer da própria noção de violência, será o mesmo abordado no próximo capítulo.

Também aspecto inovador é encontrado na seara processual, mormente no art. 16 da Lei nº 11.340/2006, que diz respeito à questão da renúncia à representação. O referido dispositivo assim prevê:

Art. 16 – Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.[24]

Importa salientar, neste ponto, que não raras vezes o combate à violência doméstica e familiar contra a mulher esbarra na recusa da vítima de levar adiante as medidas adotadas contra o agressor, seja a investigação, seja o processo criminal. Assim, ao dificultar que a vítima renuncie à representação, torna-se mais eficaz a aplicabilidade da Lei Maria da Penha e, por conseguinte, as medidas de combate à violência doméstica.

Contudo, o dispositivo em comento não se dirige à lesão corporal praticada com violência doméstica e familiar contra a mulher porque, neste caso, por força do disposto no art. 41 da Lei nº 11.340/2006, que afastou a incidência da Lei nº 9.099/1995 em tais casos, a ação penal é de natureza pública incondicionada.[25] Por isso, o art. 16 da Lei Maria da Penha se aplica aos crimes de ameaça, estupro e atentado violento ao pudor, por exemplo, se praticados no âmbito da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Também é inovação do diploma legal em comento que a renúncia à representação somente se dê perante o juiz, e na presença do representante do Ministério Público, em audiência realizada para esse fim, o que implica dizer que, em se tratando de violência doméstica e familiar, adotou o legislador sistemática diversa da prevista no Código de Processo Penal, já que este diploma permite, como é sabido, a retratação até o oferecimento da denúncia.

Ao dissertar sobre a inovação em comento, Cunha e Pinto[26] dissertam:

[…] a partir do advento da Lei Maria da Penha, os arts. 25 do CPP, e 102 do CP, passaram a merecer uma nova leitura, de tal maneira que a retratação, nos casos de violência doméstica e familiar, passa a ser admitida mesmo após a oferta da denúncia.

Não destoa dessa lição os ensinamentos de Dias[27], que ainda observa:

Sob a égide do Código Penal, o momento derradeiro para a retratação é o oferecimento da denúncia pelo ministério público. Em sede de violência doméstica, a possibilidade de retratação vai até o recebimento da denúncia pelo juiz. A alteração é salutar e bem mais técnica. A peça acusatória é encaminhada pelo promotor ao juiz através do cartório, e é difícil identificar o momento do oferecimento da denúncia. Andou melhor a Lei Maria da Penha ao estabelecer como prazo final a decisão do juiz que recebe a denúncia.

Por isso, em se tratando da renúncia à representação, resta evidente que a intenção precípua do legislador é assegurar certa formalidade, própria de uma audiência perante o juízo criminal.

Também inovação importante introduzida pela Lei Maria da Penha foi a exclusão, por completo, do processamento das questões afetas à violência doméstica no âmbito dos Juizados Especiais, por expressa determinação do disposto no art. 41, da Lei n º 11.340/2006, o qual dispõe que “aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995”.[28]

Como mencionado alhures, até o advento da Lei Maria da Penha, aos casos de violência doméstica aplicavam-se a Lei nº 9.099/1995, que rege os juizados especiais cíveis e criminais no âmbito dos Estados. Porém, com o advento da Lei nº 11.340/2006, retirou-se dos juizados especiais criminais a competência para julgar os crimes de violência doméstica.

Factualmente, o processamento dos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher no âmbito dos juizados especiais criminais sempre foi alvo de crítica, pois se permitia, por exemplo, o alcance dos institutos despenalizadores, a transação penal, ou mesmo o que comumente se denominou de aplicação de pagamento de “cestas básicas”.

Na atualidade isso é expressamente proibido na atualidade, por força do disposto no art. 17, o qual prevê:

Art. 17 – É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.[29]

Não há como negar que tratar como de menor potencial ofensivo, e processar no âmbito dos Juizados Especiais Criminais os delitos praticados com violência doméstica contra a mulher, insculpia na sociedade a sensação de impunidade.

Por isso Dias[30] ressalta que o legislador buscou afastar de vez a ideia que a integridade da mulher tem valor econômico, e pode ser objeto de barganha, com penas pecuniárias. Assim, independente da pena fixada no tipo penal, é inadmissível aplicação da Lei nº 9.099/1995.

Ainda, é mister observar que o procedimento realizado na Delegacia de Polícia pela autoridade policial também sofreu alterações pela Lei nº 11.340/2006, pois feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial ouvir a vítima, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo. E feita a representação, caberá a autoridade policial remeter, no prazo de 48 horas, o expediente ao juízo competente, para que este então tome as medidas necessárias, quer protetivas com relação à vítima, quer punitivas com relação ao agressor, nos termos dos arts. 12, 22, 23 e 24 da Lei Maria da Penha.[31]

No que tange as inovações de natureza processual, por derradeiro, tem-se a introdução, pelo art. 42 da Lei Maria da Penha, que ampliou as hipóteses de prisão preventiva, ao acrescentar ao art. 313, do Código de Processo Penal, o inciso IV.

Destarte, é possível que o magistrado decrete a prisão cautelar do agressor para garantir a execução das medidas protetivas de urgência, ou seja, é facultado ao julgador determinar a prisão preventiva do ofensor por desobediência a uma ordem judicial, de modo a assegurar que a vítima tenha resguardada a sua integridade, principalmente quando determinada medida protetiva e esta não é observada pelo agressor.

A Lei nº 11.340/2006 também imprimiu alterações no Código Penal, e embora não tenha criado um novo delito, pois se limitou a acrescentar uma circunstância agravante, pois aumentou a pena máxima, e diminui a pena mínima para o delito de lesões corporais previsto no art. 129, § 9º, do Código Penal, inovou também em matéria penal.

Isso se deve porque a Lei Maria da Penha deu nova redação ao art. 61 do Código Penal, que enumera as circunstâncias que agravam a pena, e através do art. 43 do diploma legal em comento, o legislador acrescentou mais uma hipótese, qual seja, “quando o crime for cometido com contra a mulher”.[32]

De acordo com Dias,[33] “seja qual for o delito cometido, aproveitando-se o infrator das relações domésticas, de coabitação ou hospitalidade a pena será agravada”. Porém, em se tratando de lesão corporal, não incide a agravante, uma vez que esta circunstância já qualifica o tipo.

Ainda, é mister observar que o 129, § 9º, do Código Penal, não teve seu texto alterado, ou seja, continua sendo um delito punido com pena de detenção. O que fez o art. 44, da Lei nº 11.340/2006, foi alterar os limites máximo e mínimo da pena. Logo, a pena que antes era de seis meses a um ano, hoje é de três meses a três anos.

Significa dizer, em outras palavras, que o legislador afastou a possibilidade da transação penal, composição de danos e suspensão condicional do processo, tendo em vista, serem benefícios cabíveis somente para crimes com pena máxima de até dois anos. E ao tratar da alteração em comento, Dias[34] observa que:

Mesmo que não tenha havido alteração no texto descritivo do tipo penal, dilatou-se seu campo de incidência. O conceito de relação doméstica foi ampliado. Identificadas como domésticas as relações existentes não só no âmbito da família, mas também da unidade doméstica e das relações íntimas de afeto, a expressão “relações domésticas” referidas na lei penal, albergam todas as formas de família trazidas pela nova lei.

Tem-se, também o art. 44 da Lei Maria da Penha também acrescentou um parágrafo ao art. 129 do Código Penal, que passou a punir, de forma mais rigorosa, a prática de lesão corporal contra pessoa com deficiência, nos seguintes termos: “na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência”.[35]

A inovação em comento é tratada por Dias[36] como uma importante proteção à mulher portadora de necessidades especiais, embora entenda a autora que o legislador poderia ter ampliado tal proteção:

A preocupação do legislador em aproveitar a lei que protege a mulher para alcançar as vítimas portadoras de necessidades especiais poderia ter ido além: ao invés de prever esta circunstância como majorante do delito de lesão corporal, deveria inseri-la entre as agravantes genéricas no art. 62 do Código Penal. Seria a forma de assegurar proteção especial a quem tem necessidade especial.

Não obstante, aquele que pratica lesões corporais contra a vítima portadora de deficiência passou a ser punido mais severamente, o que inexistia até o advento da Lei Maria da Penha.

 

1.3 DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA

A Lei Maria da Penha, cumprindo sua função de Estatuto, não apenas no sentido repressivo, mas sobretudo de cunho preventivo e assistencial, até mesmo porque a “Convenção de Belém do Pará”, diploma de Direito Internacional que buscou atender objetiva a prevenção, punição e erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher, transpôs a regra para o cumprimento das obrigações de fazer ou não fazer para o âmbito da violência doméstica, elencando um amplo rol de medidas voltadas a efetividade do seu propósito, medidas estas que buscam assegurar à mulher o direito a uma vida sem violência.

Dissertando acerca do negligenciamento da vítima no ordenamento jurídico penal, e da mudança de paradigmas no que tange o enfrentamento da violência contra a mulher, mormente no que toca a visão voltada à vítima, e não apenas à figura do agressor, Zaffaroni e Pierangeli[37] afirmam:

A rigor, muito se fala da vítima, mas na realidade o direito penal tende muito pouco a fazer algo pela vítima. Insiste-se na tutela dos bens jurídicos, mas o direito penal parece negligenciar os bens jurídicos concretamente afetados. Quando um sujeito sofre uma lesão, o Estado preocupa-se em sancionar o autor, mas se esquece de quase por completo do sujeito passivo, que deve reclamar sua reparação pela via cível, dentro ou fora do processo penal e, na melhor das hipóteses, obtê-la quando o autor for solvente.

É importante ressaltar que a Lei Maria da Penha não se ateve apenas em sancionar o agressor, após o devido processo legal, mas buscou fazer algo de concreto, destinado a assegurar a integridade física, psicológica e material da vítima, garantindo sua liberdade de ação e locomoção, bem como o direito de buscar a proteção estatal e jurisdicional.

Não se pode ignorar que por longos anos a violência doméstica foi ignorada, ficando restrita ao âmbito privado, principalmente porque a vítima temia denunciar o seu agressor; e, quando o fazia, estava desprotegida, já que o Estado não dispunha de meios para resguardar os seus direitos. E vitimizada, fragilizada pelas agressões sofridas, não dispunha de forças para se expor publicamente, quedando-se inerte.

O legislador, atento a essa problemática, buscou meios para possibilitar que a vítima não apenas denunciasse o seu agressor, mas que não temesse pela sua integridade física e psíquica após a denúncia.

Silva Júnior,[38] dissertando acerca da violência de gênero, e das ações concretas propostas pela Lei Maria da Penha, mormente no que tange a tutela da vítima, assevera:

A Lei Maria da Penha, ao contrário do modelo clássico, busca fazer muito pela vítima concreta. Mantém a prevenção especial em relação ao sujeito ativo, mas confere ao juiz criminal competência cível (art. 14) para aplicar as medidas protetivas de urgência (art. 18 e segs.). Revelando com isso, sintonia com a política criminal contemporânea que orienta para a prevenção especial também em relação ao sujeito passivo.

Semelhante são os ensinamentos de Côrtes e Matos,[39] que asseveram:

As medidas protetivas de urgência são ações necessárias contra as consequências da violência e para evitar prejuízos iminentes. Para tanto oferece condições à vítima para prosseguir com a demanda judicial, de permanecer em seu lar, de exercer seu direito de ir e vir, de continuar trabalhando. Estas medidas podem ser requeridas pela própria mulher ofendida, na Delegacia, ou pelo Ministério Público. O Juiz, ao receber pedido de medidas protetivas de urgência pelo/a Delegado/a, vai examiná-lo e resolver sobre o caso num prazo de 48 horas, determinando se necessário, o encaminhamento da ofendida à assistência judiciária e comunicando o fato ao Ministério Público. Pode também conceder as medidas imediatamente, sem precisar ouvir as partes em audiência pública ou esperar a manifestação do Ministério Público. Mas o ministério Público deverá ser prontamente comunicado.

Desta feita, evidencia-se que a assistência especial dada a vítima de violência doméstica, na atualidade, encontra respaldo no art. 14 da Lei Maria da Penha, que preconiza ser competência dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, no âmbito cível e criminal, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, assegurando inclusive o atendimento em horário noturno, de acordo com as normas de organização judiciária. [40]

Também se encontra no art. 18 do diploma legal em comento a obrigatoriedade de o julgador, “recebido o expediente com o pedido da ofendida”, manifestar-se no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, para: a) conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência; b) determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso; c) III – comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis. [41]

O art. 19 da Lei nº 11.340/2006, por sua vez, determina que “as medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida”,[42] e em seus parágrafos acrescenta que:

[…] § 1º As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.

  • 2º As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.
  • 3º Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público. [43]

Importa ressaltar, ainda, que conforme previsto nos arts. 20 e 21 da Lei Maria da Penha, aquele que comete o crime de violência doméstica contra a mulher também poderá ter a prisão preventiva decretada, com vistas a garantir o bom andamento do inquérito policial e/ou processo criminal.

A prisão preventiva, contudo, poderá ou não ser revogada, e novamente decretada, sendo que sempre que a prisão ou soltura do agressor acontecer, a vítima será informada para que se previna da situação.[44] Mais uma vez percebe-se a preocupação do legislador com a segurança da vítima, muitas vezes ignorada pelo processo penal.

Assim dispõe o art. 20 da Lei nº 11.340/2006:

Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.

Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. [45]

E o art. 21 da Lei Maria da Penha, por sua vez, assevera:

Art. 21. A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público.

Parágrafo único. A ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor. [46]

Cumpre ressaltar que, por analogia, é aplicável a essas medidas protetivas de urgência o poder geral de cautela previsto no art. 798 do Código de Processo Civil, o qual dispõe:

Art. 798. Além, dos procedimentos cautelares específicos que este Código regula no Capítulo II deste livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação. [47]

Anote-se, ainda, que as medidas protetivas de urgência não são fixas e nem têm um prazo certo de duração, podendo o juiz determinar uma ou mais medidas, podendo ainda modificá-las, suspendê-las ou acrescentar outras que não estejam previstas na lei.

Para agir o magistrado precisa ser provocado, dependendo da vontade da vítima ou do Ministério Público em requerer as medidas de natureza cível, por si ou por meio de seu representante legal, compatíveis com sua situação processual.

Tem-se, ainda, o disposto no art. 22 da Lei Maria da Penha, que contempla medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor, visando a proteção preventiva da mulher: assim dispõe o referido dispositivo:

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III – proibição de determinadas condutas, entre as quais:

  1. a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
  2. b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
  3. c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

  • 1º As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.
  • 2º Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6º da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.
  • 3º Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.
  • 4º Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5º e 6º do art. 461 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil). [48]

O disposto no inciso I, do art. 22 da Lei Maria da Penha, trata da suspensão da posse ou restrição do porte de armas, sendo esta medida prova de preocupação com a incolumidade física da mulher. Em se tratando de porte legal da arma, apenas a vítima pode solicitar a suspensão da posse em pedido feito ao juiz; já no caso do porte de arma ser ilegal, pode a polícia tomar as providências cabíveis, uma vez que se configura delito previsto em lei.

Segundo Côrtes e Matos, “conforme pesquisa do Instituto Perceu Abramo, 8% das mulheres brasileiras já foram ameaçadas com uma arma de fogo pelos seus companheiros”.[49] Assim, a suspensão ou restrição da posse da arma prevista na Lei, busca prevenir a ocorrência de um homicídio ou lesão por arma de fogo.

Também buscando proteger a mulher vítima de violência doméstica, Dias[50] assevera que o inciso II discorre sobre o afastamento de uma das partes da residência do casal, a exemplo do previsto nas medidas cautelares do Código Civil e no art. 1.562 do citado código, que prevê a separação de corpos, como tutela antecipada à ação de dissolução de união estável ou casamento.

Conforme previsto no inciso III, do art. 22, o juiz poderá determinar que o agressor mantenha distância física da vítima e de seus familiares, seja na residência, no trabalho, nos locais de convivência, na escola dos filhos, dentre outros, e conforme a gravidade do caso pode proibir também o contato do agressor por qualquer meio de comunicação, tais como telefone, internet, cartas, etc.

Tendo em vista que a legislação não fixou limite para o afastamento, compete ao juiz determinar esta distância, levando em consideração as condições espaciais e a margem de segurança para a vítima, analisando qual a distância capaz de proporcionar à vítima a segurança necessária.

A medida cautelar de afastamento do agressor visa impedir ou dificultar a perpetração ou reiteração das agressões, bem como afastar as pressões sobre a vítima e seus familiares, impingidas pelo agressor, preservando, dentro do possível, a saúde física e mental da vítima e seus familiares, uma vez que o risco iminente cessa.

Ressalta-se que esta limitação imposta não fere o direito de locomoção consagrado no art. 5º, XV, da Constituição da República, já que o agressor terá o direito e ir e vir, tendo como limite a preservação da vida e a integridade física da vítima e seus familiares. [51]

A preocupação do legislador com a segurança e a subsistência da vítima e seus familiares fica evidente ao fazer constar nos incisos IV e V, do art. 22 da Lei Maria da Penha a previsão para a restrição ou suspensão das visitas aos filhos, com a oitiva de equipe multidisciplinar ou similar, assim como a prestação de alimentos provisionais ou provisórios. [52]

Antes da vigência da Lei Maria da penha, cabia a mulher pleitear alimentos no âmbito cível, o que acabava por comprometer, não raras vezes, a própria subsistência, e contribuindo para que a mulher permanecesse submissa ao agressor, mesmo depois de reiteradas agressões.

Com o intuito de ver cumpridas as medidas impostas, o § 3º do art. 22 da Lei Maria da Penha prevê que o juiz poderá requisitar o auxílio da força policial, e também determinar a busca e apreensão, a remoção de pessoas e objetos, pagamento de multa, dentre outras medidas. Evidencia-se, portanto, a liberdade dada pelo legislador ao magistrado para, na análise do caso concreto, adotar à medida que melhor atende aos anseios das partes envolvidas.

Cumpre ressaltar, ainda, que o rol de medidas previsto no art. 22 da Lei nº 11.340/2006 é meramente exemplificativo, podendo o juiz aplicar outras medidas cautelares previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da vítima e as circunstâncias assim o exigirem, cientificando o Ministério Público de suas decisões.

As medidas protetivas de urgência à ofendida estão previstas, por sua vez, no art. 23 da Lei nº 11.340/2006, que assim dispõe:

Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:

I – encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;

II – determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;

III – determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;

IV – determinar a separação de corpos. [53]

Identifica-se, da análise do art. 23 da Lei Maria da Penha, mais uma vez, o empenho do legislador em resguardar os direitos da vítima, oferecendo outras medidas cabíveis, além das já previstas no art. 22, acima comentado. E, a finalidade das medidas protetivas, em síntese, é criar condições para que se rompa o ciclo de violência a que a ofendida vem sendo submetida, para que não haja a continuidade do sacrifício de sua rotina de vida, nem de sua relação com filhos, parentes e amigos.

Desta feita, quando o Ministério Público determinar o recolhimento da ofendida, por exemplo, estará adotando medida de cunho administrativo, mas se for determinada pelo juiz, tal medida se revestirá de caráter jurisdicional, devendo atender todos os requisitos legais estabelecidos no Código de Processo Civil.

Ainda, havendo a imperiosa necessidade de afastar a mulher de seu lar, esta será conduzida para uma casa-abrigo, ou para a residência de parente, cabendo ao juiz resguardar seus direitos, uma vez que o abandono do lar não pode ser caracterizado. O mais importante, porém, do ponto de vista da aplicabilidade da Lei Maria da Penha, é determinar o afastamento do agressor do lar, fazendo com que a rotina familiar, em essência, não seja alterada.

As demais medidas protetivas previstas no art. 23 podem ser requeridas pela vítima de duas formas distintas: perante o juiz, fazendo-se representar por procurador; e perante a autoridade policial, não sendo necessário, neste caso, que a vítima esteja representada por procurador.

Cumpre trazer à baila, neste ponto, a ressalva tecida por Dias[54], que clama a necessidade de atenção ampla, por parte do Poder Judiciário, para a efetivação das medidas protetivas elencadas na Lei Maria da Penha:

Enquanto não forem instalados os JVDFMs (Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher), o incidente será encaminhado à Vara Criminal, ainda que se tratem de matéria do âmbito do Direito das Famílias. Uma vez concedida a liminar, o expediente é de ser enviado a Vara Cível ou de Família.

Em sequência tem-se o art. 24, que veio sanar os abusos que geralmente o agressor costuma realizar em relação ao patrimônio, uma vez que alguns agressores escondem documentos e outros bens da vítima, ou relativo a bens comuns, além de compelir a vítima assinar procurações para a venda de propriedades comuns, transferências de valores para terceiros, dentre outras medidas. Por isso a Lei Maria da Penha prevê a possibilidade de restituição de bens que tenham sido indevidamente subtraídos pelo agressor, mas pretende, primeiramente, evitar tal fato, como se depreende da análise do art. 24, in verbis:

Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:

I – restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

II – proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;

III – suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

IV – prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.

Parágrafo único. Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo. [55]

Dissertando ainda acerca das medidas protetivas, mais especificamente acerca de seus pressupostos, Dias[56] ressalta:

O pressuposto para a concessão da medida protetiva é que tenham os bens sido subtraídos por quem a vítima mantém um vínculo familiar. Tal situação configura delito de furto. A partir da vigência da Lei Maria da Penha, o varão que ‘subtrair’ objetos de sua mulher pratica violência patrimonial (art. 7, IV).

Por derradeiro cumpre ressaltar que uma das mais importantes medidas protetivas voltadas ao patrimônio se encontra prevista no inciso III, do art. 24, da Lei Maria da Penha, já que as mulheres, historicamente, depositam total confiança em seus companheiros, razão pela qual outorgam procuração a estes para gerir e dispor dos bens da família, e quando da ocorrência da violência doméstica os agressores dispõem do meio legal para prejudicar ainda mais a vítima.

Acontece que nem sempre as medidas são eficazes, ou seja, apesar se encontrarem previstas no bojo da legislação vigente, ou não é efetivamente implantada, no que toca, por exemplo, os Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, ou não são efetivas as medidas consagradas em seu bojo, em especial as medidas protetivas.

Contudo, antes de se adentrar na análise da eficácia da Lei Maria da Penha, já que o referido diploma legal se encontra em vigor por mais de uma década, necessário se faz analisar o conceito de violência doméstica e familiar, já que, como apontado alhures, o legislador ampliou consideravelmente o conceito, o que se passa a analisar no próximo capítulo.

 

2 DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

A Lei nº 11.340/2006 conceituou as formas de violência contra a mulher, incluindo, dentre elas, a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, definindo tais ilícitos. Contudo, o rol não é taxativo, uma vez que podem existir outras formas de violência.

A Lei Maria da Penha, como popularmente ficou conhecida o diploma legal supracitado, em virtude da denúncia de Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de violência doméstica e familiar contra a mulher que após denúncia junto à Organização dos Estados Americanos contribuiu sobremaneira para a evolução do ordenamento jurídico brasileiro, ao demonstrar a omissão e negligência do Estado brasileiro no tocante ao enfrentamento do problema, como visto no primeiro capítulo, é diploma legal de iniciativa do Poder Executivo, que apresentou no final de 2004 a proposta legislativa, e fruto de anos de discussão entre o Estado brasileiro e a sociedade internacional, e também de um grito de socorro de milhões de mulheres vítimas de discriminação por gênero, de agressões físicas à sexuais, tanto dentro como fora de casa, como será abordado de forma pormenorizada adiante.

Isso se deve porque os homens, por meio da força bruta, inicialmente, forjaram-no controle sobre as mulheres. Pouco a pouco foram introduzidos novos métodos e novas formas de dominação masculina: as leis, a cultura, a religião, a filosofia, a ciência, a política.[57]

Não se pode ignorar que na prática jurídica, as leis definem a violência contra a mulher de forma que seja possível classificar a agressão e punir o agressor. Porém, a cautela é sempre necessária ao se tratar de definições, sob pena de se engessar determinados institutos, principalmente porque a violência nas relações contra a mulher é determinada por diversos fatores, embora seja clara violação dos direitos humanos.

Por isso Grossi[58] pontua que a violência contra a mulher como um fenômeno consubstancial ao gênero. O conceito de gênero no âmbito dos estudos da mulher questiona a construção das diferenças de sexo determinadas pela biologia, para enfatizar a importância do social e da cultura, como um sistema simbólico de significados e relações entre os sexos, que configuram e refletem posições hierárquicas e antagônicas entre homens e mulheres.

O conceito de violência, em sentido amplo, segundo Melo e Teles,[59] remete a ideia de uso da força física, psicológica ou intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo que não está com vontade; é constranger; é impedir a liberdade e a outra pessoa de manifestar sua vontade, sob pena de viver ameaçado, espancado ou até mesmo morto.

Não se pode ignorar que a violência é também entendida como a “ruptura de qualquer forma de integridade da vítima: integridade física, psíquica, integridade sexual, integridade moral”.[60]

A violência doméstica, porém, é aquela praticada no âmbito familiar, embora possa ser perpetrada contra o gênero feminino e/ou masculino, embora tenha como ponto marcante e diferenciador o fato de ocorrer nas relações familiares (pais, mães, filhos, jovens e idosos). Porém, é sabido que as mulheres a as crianças são os principais alvos deste tipo de violência.

Nas famílias, a prática da violência doméstica se perpetua, pois, o agressor exerce um poder hierárquico sobre a vítima (seus descendentes ou ascendentes), que são facilmente manipulados, calando-se ante ás investidas do agressor, seja ameaçando-as, ou, confundindo-as, com atitudes amistosas após cada episódio de violência, por isso considera-se uma prática repetitiva, uma vez que as partes envolvidas estão muito próximas, pois convivem, coabitam.

A Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006 – Lei Maria da Penha, conceitua a violência doméstica como sendo a ação ou omissão que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, ou ainda dano oral ou material à mulher, no âmbito familiar.

A ocorrência da violência doméstica, portanto, está diretamente ligada às relações de poder na família, uma vez que a cominação desse poder muitas vezes é estabelecida pelo uso da força e da dominação.

A violência doméstica é um fenômeno universal, verifica-se em todos os países, inclusive nos desenvolvidos. Contudo a pesquisa, limita-se ao estudo dessa violência no Brasil, sendo que aqui como nos demais países ela não é originada pela pobreza ou deficiência cultural, pelo contrário, ela pode surgir nas mais variadas classes sociais e independe do sexo ou etnia de suas vítimas e agressores.

Faz-se necessário, contudo, para compreender a complexidade da violência doméstica contra a mulher, a importância da Lei Maria da Penha, e as perspectivas do combate a esse grave problema, mormente a eficácia da Lei Maria da Penha nesses anos de vigência, abordar as espécies de violência doméstica e familiar contra a mulher, o que se passa a abordar neste momento.

 

2.1 DA VIOLÊNCIA FÍSICA

Dispõe o art. 7.º da Lei Maria da Penha acerca das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, sendo que o inciso I trata da violência física, compreendida como “qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal”.[61]

De um modo mais transparente, a violência física é o uso da força, mediante socos, tapas, pontapés, empurrões, arremessos de objetos, queimaduras etc., visando ofender a integridade ou a saúde corporal da vítima, deixando ou não marcas aparentes.[62]

De igual forma, pode-se configurar a violência física a ação ou omissão que coloque em risco ou cause dano à integridade física de uma pessoa, práticas que se caracterizam pelo uso da força com o objetivo de ferir, em que são comuns murros e tapas, agressões com diversos objetos e queimaduras por objetos ou líquidos quentes, dentre outros.

Não se pode ignorar que corrobora como agravante para a prática da violência física o abuso do álcool, pois a embriaguez, não raras vezes, torna o indivíduo mais agressivo, e muitos sequer se lembram com detalhes dessas violentas.

Nesse caso, além das dificuldades práticas de coibir a agressão, geralmente por omissão das autoridades, ou porque o agressor quando não bebe é um indivíduo sociável, sem histórico de agressões, como relatos de muitas mulheres, ou ainda porque estes homens são os responsáveis pelo sustento da família, contribuem para a impunidade, pois muitos acreditam que se o agressor for detido toda a família passará por dificuldades financeiras, concepção que contribui para que a violência física persista.

Resta evidente que vários são os fatores que contribuem para que os agressores continuem perpetrando atos de violência física, e aumentando as estatísticas da violência física sofrida pela mulher. Dentre se destacam o machismo, onde o homem encara a mulher como propriedade, o alcoolismo, associado ou não a outro motivo, o desemprego, que deixa o homem vulnerável e, sem dúvida, a desvalorização da mulher por ela mesma, pois a passividade contribui para que as agressões se perpetuem.

 

2.2 DA VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA

A violência psicológica é tratada pela Lei Maria da Penha em seu art. 7º, II, como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.[63]

Não se pode ignorar que esse tipo de violência é pouco difundida pela mídia e pelas autoridades públicas, principalmente porque as mulheres tendem a ter medo de denunciar, o que leva a inexistência de registros públicos que relatem corretamente os casos de insultos e agressões contra as mulheres.

Insta salientar que também se configura violência doméstica a ação ou omissão destinada a degradar ou controlar as ações, comportamentos, crenças e decisões de outras pessoas, por meio de intimidação, manipulação, ameaça, direta ou indireta, humilhação, isolamento ou qualquer outra conduta que implique prejuízo à saúde psicológica, à autodeterminação ou ao desenvolvimento pessoal.

É importante ressaltar que sofrer psicologicamente, ser massacrada, humilhada, ignorada pela sociedade, pelo fato de ser mulher já é uma humilhação gratuita. Acontece que a grande maioria das mulheres, não raras vezes, sequer tem consciência de que sofrem violência psicológica, e aceitam a sua realidade sem questionar seu sofrimento, principalmente quando acontece no âmbito doméstico.

Cunha e Pinto[64] conceituam violência psicológica, ou mais especificamente a agressão emocional, como o comportamento típico de ameaçar, rejeitar, humilhar ou discriminar a vítima, demonstrando prazer quando vê a mulher se sentir amedrontada, inferiorizada e diminuída.

Essa agressão, às vezes tão ou mais prejudicial que a física, é caracterizada por rejeição, desrespeito e punições exageradas. Trata-se de uma violência que não deixa marcas corporais visíveis, mas emocionalmente causa cicatrizes indeléveis para toda a vida.

Por isso Melo e Teles[65] se referem também às ações ou omissões que visam degradar, dominar outra pessoa, controlando seus atos, comportamentos, crenças e até decisões, pois o agressor se utiliza da intimidade para fazer ameaças que impedem ou prejudicam o exercício da autodeterminação e desenvolvimento pessoal.

Um tipo comum, porém, difícil de ser identificado, é aquele em que o agressor se utiliza de insultos, de ameaças, de palavrões que fazem com que a vítima se sinta desvalorizada, inferiorizada, diminuída, fragilizada de tal modo que se considere incompetente, tornando-a mais dependente e vulnerável à mais agressões emocionais.

Não é demais mencionar que o comportamento de oposição e aversão é mais um tipo de violência psicológica. Os agressores que pretendem agredir se comportam contrariamente àquilo que se espera deles.

As ameaças de agressão física ou de morte, bem como as crises de quebra de utensílios, mobílias e documentos pessoais também são considerados violência emocional, pois não houve agressão física direta à mulher, embora o cenário “construído” pelo agressor aterroriza sua vítima.

De igual forma, quando a mulher é impedida de sair de casa, ficando trancada, também se configura a violência psicológica, assim como os casos de controle excessivo dos gastos da casa, como, por exemplo, o uso do telefone, o acesso a alimentos, impedir a aquisição de bens de uso pessoal, dentre outros.

Cumpre ressaltar que a violência verbal normalmente se dá concomitante à violência psicológica. Alguns agressores verbais dirigem suas palavras contra outros membros da família, principalmente nos momentos quando estes estão na presença de outras pessoas estranhas ao lar, o que agrava o cenário de violência psicológica.

Por fim é bom lembrar que por razões psicológicas, normalmente decorrentes de complexos e conflitos, algumas pessoas se utilizam da violência verbal, infernizando a vida de outras, querendo ouvir, obsessivamente, confissões de coisas que não fizeram, situação que compromete o bem-estar físico e psíquico da mulher.

 

2.3 DA VIOLÊNCIA SEXUAL

A violência sexual é outra modalidade de violência que compromete o bem-estar físico e psíquico da mulher. Por isso a Lei Maria da Penha, em seu art. 7º, III, apresenta o conceito de violência sexual, concebida pelo legislador como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força, bem como a conduta que induza a vítima a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimonio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule os exercícios de seus direitos sexuais e reprodutivos.[66]

Consta ainda no Código Penal Brasileiro que a violência sexual pode ser caracterizada de forma física, psicológica ou como ameaça, compreendendo o estupro, a tentativa de estupro, o atentado violento ao pudor.

A violência sexual não raras vezes é perpetrada pelo marido ou companheiro contra a mulher, e caracteriza o crime de estupro, acontece dentro ou fora de casa. Isso se deve porque ocorre com o uso da força em que o agressor obriga a vítima a manter relação sexual contra sua vontade, e pode se valer de violência física, manipulação, ameaças, chantagem e suborno.[67]

Nesse contexto, as mulheres estupradas, em geral, são espancadas e sofrem ameaças de toda espécie. Submetem-se à vontade do parceiro para “evitar brigas” e sob o domínio do medo não denunciam, não procuram ajuda por também acharem que o estupro no casamento é um direito do homem.

De forma ampla, este tipo de violência é descrita como qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força. Agressões como essas provocam nas vítimas culpa, vergonha e medo, o que faz decidir, quase sempre, por ocultar o evento.[68] Anote-se, ainda, que a violência sexual pode restar caracterizada quando o agressor obriga a vítima à prática de atos sexuais com terceiros.

Outro fator que dificulta a punição do agressor é que nem sempre é fácil a juntada de provas nesse tipo de crime, uma vez que a mulher se sente “suja” pela violência que sofreu; inocentemente, toma banho após o ato sexual, o que impossibilita a coleta de material, tornando sua palavra a única prova existente.

Existe ainda o constrangimento provocado pelos exames, necessários para a prova material do crime, mesmo encontrando-se num estado psicológico altamente abalado. Como se não bastasse, sofre uma nova vitimização pelo sistema penal, que buscará saber, por meio da análise de sua vida, se é digna de receber a proteção legal, principalmente quando a acusação é direcionada a namorado, marido ou companheiro.

Há uma enorme dificuldade em denunciar atos de violência praticados pelo homem com quem vive, na maioria das vezes pai de seus filhos e responsável por seu sustento. Ao tomar a decisão de contar para as autoridades o que vem lhe acontecendo, a mulher precisa se sentir segura e amparada. Se não receber a devida proteção sofrerá mais violência, e restará agravado o seu bem-estar físico e psíquico.

Por fim, cumpre salientar que essa modalidade de violência atinge, sobretudo, mulheres jovens no Brasil e no mundo. A maior parte da violência é praticada por parentes, pessoas próximas ou conhecidas, tornando o crime mais difícil de ser denunciado.

 

2.4 DA VIOLÊNCIA PATRIMONIAL

Ao lado da violência física, psicológica e sexual tem-se a denominada violência patrimonial, inovação da Lei Maria da Penha. De acordo com Cunha e Pinto,[69] a violência patrimonial pode ser conceituada como:

Qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.

Importante ressaltar que a violência patrimonial raramente se apresenta separada das outras, servindo, quase sempre, como meio para agredir física ou psicologicamente a vítima.[70] Podem ser aqui enquadrados casos em que a mulher, por medo, coagida ou induzida a erro, transfere bens ao agressor.

A violência patrimonial é aquela causada pela dilapidação de bens materiais ou não de uma pessoa e provoca danos, perdas, destruição, retenção de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores econômicos, dentre outros.[71]

Observa-se que os espaços de convívio sem violência vão se tornando cada vez mais restritos. O agressor conhece bem os hábitos, os sentimentos e maneiras de agir e reagir de sua vítima, o que a torna mais vulnerável aos seus ataques.

Sabe-se que a mulher é a base da família há muito tempo. Realiza o papel de cuidar dos filhos, do marido, além de exercer a administração e os cuidados da casa, exerce atividade remunerada para sustento da mesma. Este empenho, muitas vezes, leva reprovações pela sociedade, porém sempre caracterizada da grande exigência e expectativa com relação ao papel que exerce.

Há mulheres que trabalham fora, então deixam de dar atenção ao marido e aos filhos, e são criticadas por tal prática; porém, se não trabalham fora, são taxadas de acomodadas, situações que tendem a colocar a mulher sempre como a culpada pela agressão sofrida por parte do homem com quem convive.

Tudo isso na realidade resulta da discriminação imposta pela sociedade à mulher, a qual foi acostumada a viver numa relação social apoiada na desigualdade de direitos e oportunidades. Ou seja, a mulher esteve sempre condicionada a um universo próprio, qual seja, o doméstico, em que deveriam reinar como “rainhas do lar”.

 

2.5 DA VIOLÊNCIA MORAL

Também disciplinada de forma inovadora pela Lei Maria da Penha é a denominada violência moral, no art. 7º, V, que a define como “qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria”.[72]

A violência moral, também conhecida como violência verbal, é entendida como qualquer conduta que consista em calúnia, difamação ou injúria, normalmente se dá concomitante à violência psicológica.[73]

Importante ressaltar que todos os tipos de violência se manifestam por meio de agressões físicas, sexuais, psicológicas, patrimoniais e morais e, aliás, essas manifestações podem ocorrer simultaneamente. Geralmente ocorrem entre homens e mulheres que se amam ou se amaram, relacionam-se ou se relacionaram na intimidade, daí ser denominada violência doméstica contra a mulher.

Em suma, como concluem Melo e Teles,[74] a violência doméstica e familiar é praticada pelo homem para dominar a mulher, e não para eliminá-la fisicamente. A intenção masculina é possuí-la como sua propriedade, determinar o que ela deve desejar, pensar, vestir. Ele quer tê-la sob seu controle e ela deve desejar somente a ele próprio.

Os crimes cometidos contra as mulheres não são somente os mencionados em lei. Ou seja, os ditos socos, pontapés, empurrões e tapas são, com certeza, as formas mais comuns e repugnantes, mas não são as únicas. Este mal incorpora, ainda, agressões culturais e morais, e há preconceito em vários ambientes, o que leva a violência contra a mulher para além dos lares.

É certo que a mulher de hoje, em comparação àquela de aproximadamente cinquenta anos atrás, possui um espaço muito maior na sociedade. No entanto ainda é notável o número de mulheres que sofrem abusos sejam eles sexual, físico ou psicológico. A sociedade, na realidade, age como asseguradora da sobrevivência do velho costume de espancamento, quando a mulher é tratada apenas como objeto, por meio da resistência das famílias em assumir e denunciar os casos de maus tratos.

Fato é que a violência tem sido usada para dominar, para fazer a mulher acreditar que seu lugar na sociedade é estar sempre submissa ao poder masculino, resignada, quieta e acomodada. Pode parecer um discurso feminista, mas a violência está arraigada a cultura machista que impera em nosso país.

Contudo, para se enfrentar o tema violência doméstica, deve-se abrir mão da visão “vitimadora” que situa a mulher como sujeito passivo e vitimado, ou seja, como objeto da violência, porque quando se fala em violência doméstica relaciona-se, quase que naturalmente, à expressão violência contra a mulher, o que leva a reconhecer tratar-se de um “jogo relacional”, no seio da qual a mulher tem um papel, não obstante subalterno, sempre interativo.

 

3 DA EFICÁCIA DA LEI MARIA DA PENHA

Muitas vezes a violência doméstica contra a mulher jamais é descoberta e não gera denúncia devido à falta de informação pelas vítimas de seus direitos, ou ao medo de denunciar e restar desprotegida, principalmente porque são comuns os relatos, nos meios de comunicação, de vítimas de violência que denunciaram anteriormente seus agressores, não raras vezes processos judiciais tramitavam, medidas protetivas já haviam sido deferidas, algumas até mesmo no sentido de que o agressor não poderia se aproximar das vítimas, e o Estado não foi capaz de proteger. E, em algumas situações os relatos são tão estarrecedores, que homicídios são praticados contra vítimas de violência doméstica, que deveriam ser protegidas pelo Estado, por terem procurado delegacias reiteradas vezes para clamar a intervenção estatal, sem, contudo, lograr êxito.

É sabido também que há situações em que as vítimas desiste de denunciar o seu agressor pela precariedade no atendimento nas delegacias, ou a demora dos inquéritos, o que estimula os agressores domésticos a novas práticas, pois acreditam que jamais serão punidos com o rigor da lei, problema este que foi mitigado com o advento da Lei Maria da Penha, embora não tenha restado de um todo solucionado, principalmente no que tange os processos judiciais, até mesmo porque os Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar que deveriam ter sido instituídos, ainda estão muito aquém do desejado.

Tais fatos levam a questionar, a um só tempo, a efetividade da Lei Maria da Penha e, ainda, a possibilidade do Estado de monitorar as medidas protetivas concedidas às vítimas de violência doméstica, e porque não dizer até mesmo a própria aplicabilidade do diploma legal em comento.

Diante disso, a vulnerabilidade é clara, o que faz com que diariamente inúmeras mulheres sejam vítimas de violência doméstica, necessitando da intervenção do Estado para o rompimento da pratica abusiva, e leva ao questionamento da eficácia da Lei Maria da Penha.

Fato é que houve, desde o advento da Lei nº 11.340/2006, uma clara mudança social, pois as vítimas têm deixado de lado o medo da violência doméstica e familiar, e denunciado os agressores. Lado outro, ainda impera o medo de que as denúncias sejam ineficazes, e que as práticas de violência continuem.

Evidencia-se, portanto, que apesar da edição de um diploma legal específico, e do compromisso expresso do Brasil no sentido de prevenir, punir e erradicar a violência doméstica contra a mulher, os dados são alarmantes, como dissertam Piovesan e Pimentel[75] para quem:

Estudos apontam a dimensão epidêmica da violência doméstica. Segundo pesquisa feita pela Human Rights Watch, de cada 100 mulheres assassinadas no Brasil, 70 o são no âmbito de suas relações domésticas. De acordo com pesquisa realizada pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos, 66,3% dos acusados em homicídios contra mulheres são seus parceiros. Ainda, no Brasil, a impunidade acompanha intimamente essa violência. Estima-se que, em 1990, no Estado do Rio de Janeiro, nenhum dos dois mil casos de agressão contra mulheres registrados em delegacias terminou na punição do acusado. No Estado de São Luiz, relata-se, para este mesmo ano, que dos quatro mil casos registrados apenas dois haviam resultado em punição do agente.

Gasman[76] ressalta que entre os anos de 1980 e 2010 “foram assassinadas no Brasil mais de 92 mil mulheres, sendo 43,7 mil somente na última década”, acrescentando, ainda, que o “número de mortes nesse período passou de 1.353 para 4.465, o que representa um aumento de 230%, mais que triplicando o quantitativo de mulheres vítimas de assassinato no país”.

A autora ainda ressalta que no “primeiro ano de vigência efetiva da Lei Maria da Penha, em 2007, a taxas experimentaram um leve decréscimo, voltando imediatamente a crescer de forma rápida até o ano de 2010”.[77]

É claro que existem dados mais recentes, e estes serão analisados, mas o que se busca demonstrar é que apesar da viabilidade dada a violência doméstica ao longo dos últimos anos, o que se deve principalmente à Lei Maria da Penha, e porque não dizer a condenação do Estado brasileiro no ano de 2001, pela negligência e omissão em relação à problemática da violência doméstica contra a mulher, muito ainda precisa ser feito.

Não é demais ressaltar que a violência doméstica é uma questão social, arraigada a fatores socioculturais, e muitas mulheres ainda tem dúvidas e desconhecem os seus direitos, mesmo a Lei nº 11.340 estando em vigor desde o ano de 2006, ou seja, por mais de uma década. E a esse contexto é preciso somar o número de mulheres que temem em denunciar, ou seja, quedam-se inertes diante das agressões sofridas.

Anote-se, ainda, que embora o legislador tenha previsto expressamente, no art. 8º da Lei nº 11.340/2006 políticas públicas a serem implementadas para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, o Estado ainda é falho no que toca subsídios, informações e espaços para que o debate se propague pelas ruas, escolas, mídias, dentre outros cenários sociais.

Acontece que a violência doméstica não será jamais vencida por meio de um diploma legal, ou seja, isso somente acontecerá “com a real transformação social decorrente das lutas feministas, das criações dos Conselhos Estaduais da Condição Feminina, das Delegacias de Atendimento Especializado à Mulher (DEAM), dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar”, dentre outras medidas insertas no bojo da Lei Maria da Penha, como enfatizam Baptista e Marques,[78] que ainda acrescentam ser de suma importância, nos termos dos arts. 8º e 9º do diploma legal em comento, a atuação conjunta e articulada dos entes federados – União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, sem prejuízo da participação de entidades não governamentais no combate à violência contra a mulher e na concretude dos direitos humanos.

Segundo Melo e Teles[79] a violência doméstica foi um mito por longos anos, e para o enfrentamento do problema, é necessário mudar as mentalidades, transformar a sociedade e aplicar a lei de forma clara.

Não obstante, o que se percebe é que a vítima tem buscado ajuda em casos de violência, e aquilo que outrora ocorria apenas no ambiente privado, restrito “as quatro paredes”, tem ganhado notoriedade e, com isso, clamado a atenção dos estudiosos, do poder público, de diversos segmentos da sociedade, e não apenas dos juristas. E, com isso, espera-se que a Lei Maria da Penha torne-se eficaz no combate à violência doméstica e familiar.

Entretanto, longe está a sua capacidade de proteger o universo das mulheres em situação de violência de gênero. O que a mulher deseja é ser amparada, orientada e respeitada nesta fase, pois como salienta Pileggi,[80] a grande maioria das vítimas na desejam que o marido ou companheiro seja preso, processado e condenado, principalmente porque uma sentença condenatória não lhe resolverá o problema, mas ao contrário, pode agravar o relacionamento, principalmente se a sentença penal for tardia.

Acerca dos problemas para a implementação e efetividade das medidas propostas pela Lei Maria da Penha, Calazans e Cortes[81] ressaltam:

As dificuldades para que a lei seja devidamente cumprida não se restringem aos recursos insuficientes que lhe são destinados. Por parte do Poder Judiciário também surgem ameaças. Desde sua discussão, ainda na Secretaria de Políticas para as Mulheres, vimos um segmento da sociedade jurídica contrária à exclusão da Lei dos Juizados Especiais para crimes cometidos contra a mulher no âmbito doméstico e familiar e estas posições se desdobraram quando o PL 4559/2004 tramitava no Congresso Nacional e antes da sanção presidencial.

Vê-se que, para as autoras, os problemas existem desde a aprovação e sanção do diploma legal em comento, embora seja inegável o grande passo dado no que tange a tutela dos direitos das mulheres, mormente no que diz respeito à violência doméstica e familiar, principalmente porque se permitiu discutir o tema.

Porém, para a eficácia das medidas insertas na Lei Maria da Penha, é necessária uma ação integrada, pois de nada adiante que no bojo da Lei se encontrem medidas protetivas de urgência consagradas, por exemplo, se o Estado não dota as agentes de mecanismos para assegurar às vítimas segurança após a efetivação das denúncias. De nada adiante vencer o medo, debater a violência doméstica e, após a efetivação da denúncia, voltar a ser vítima, e contribuir para os índices alarmantes de violência doméstica que ainda assola o país.

É claro que a edição do diploma legal em comento não colocou fim à violência doméstica, e é sabido que nenhuma lei, em abstrato, o fará. Porém, a Lei Maria da Penha com certeza inibiu a violência de gênero, arraigada a fatores históricos e culturais, e o fato de encorajar as vítimas a denunciar seus agressores é um grande avanço.

Dados divulgados através do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, em estudo realizado por Cerqueira et al.,[82] acerca da efetividade da Lei Maria da Penha no Brasil, demonstram que a taxa de homicídios cometidas contra mulheres em residências no Brasil, entre os anos de 2000 e 2011 cresceu mais de 90% (noventa por cento).

Com base em tais dados é que os autores pontuam que na hipótese da Lei Maria da Penha ter “surtido efeito para fazer cessar processos de violência doméstica, então, estatisticamente, deveríamos observar efeitos significativos em termos da diminuição de homicídios perpetrados contra as mulheres associados a circunstâncias de gênero”. Acontece que a questão é demasiadamente complexa, e identificar se a variação da taxa de homicídios está ou não relacionada ao advento da Lei nº 11.340/2006, ou a fatores outros, é muito difícil, principalmente porque inexistem dados anteriores, acerca da prática de homicídios perpetrados nas residências, para relacioná-los aos dados referente aos anos de 2000 e 2011.

E ao compilar os dados coletados, os autores concluem que:

[…] a Lei Maria da Penha foi um dos mais empolgantes e interessantes exemplos de amadurecimento democrático no Brasil, pois contou com a participação ativa de organizações não governamentais feministas, Secretaria de Política para Mulheres, academia, operadores do direito e o Congresso Nacional. Por outro lado, a lei incorporou aspectos inovadores ao tratar de forma integral o problema da violência doméstica e ao considerar a necessidade de implantação de onze tipos de serviços e medidas protetivas para garantir direitos e tentar levar a paz aos lares. Contudo, oito anos após a sanção da LMP, uma lacuna importante diz respeito à ausência de uma avaliação cuidadosa sobre sua efetividade para dissuadir a violência doméstica, que foi o objeto deste trabalho.[83]

Os autores observam, ainda, que há uma lacuna no que se refere a avaliação quantitativa sobre os efeitos do referido diploma legal para coibir a violência de gênero no país, o que não restou superado com a realização do estudo em comento, e chegam a mencionar a elaboração de um novo levantamento, voltado a averiguação do processo de institucionalização territorial das políticas prescritas no bojo da Lei Maria da Penha.[84]

Cerqueira et al.[85] chamam a atenção para o fato de que a análise proposta no estudo se pautou tão somente em dados relativos à prática de homicídio, sendo mister que se levantem dados outros, principalmente pautados na “violência não letal contra a mulher”, o que permitirá a construção de avaliação diversa, e resultado que aproxime o estudioso da realidade da violência doméstica no Estado brasileiro, e da efetividade da Lei Maria da Penha no combate à violência contra a mulher.

Nesse ponto é mister ressaltar que o “Dossiê Mulher”, documento que apresenta informações consolidadas acerca da violência contra a mulher, através de pesquisa realizada pela Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, e que já se encontra em sua 10ª edição, até o ano de 2012 também se limitava a analisar os dados relativos aos delitos de homicídio consumado e tentado, e aos delitos de lesão corporal dolosa, estupro e ameaça, a partir de dados coletados em registros de ocorrência lavrados em delegacias de polícia.[86]

Porém, a partir da 8ª edição, que veio a lume em 2013, o estudo foi ampliado, e outros delitos passaram a ser analisados, permitindo que todas as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher sejam analisadas, a partir da coleta de dados em registros policiais que abordem não apenas os crimes supracitados, mas também a tentativa de estupro, dano, violação de domicílio, supressão de documento, constrangimento ilegal, calúnia, difamação e injúria.[87]

Significa dizer, portanto, que no âmbito do Estado do Rio de Janeiro é possível analisar dados referentes a todas as formas de violência – física, sexual, patrimonial, moral e psicológica, praticas contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, com dados atualizados, já que no primeiro semestre deste ano já foram divulgados os dados do ano anterior.

Cumpre ressaltar que não se pretende abordar, em sua inteireza, os dados apresentados no referido estudo. Contudo, apenas para demonstrar a gravidade do problema, apresenta-se abaixo os números de ocorrências, ou seja, mormente o número de vítimas mulheres, com base nas formas de violência consagradas no bojo da Lei Maria da Penha.

 

Formas de Violência Delitos Total de Vítimas Vítimas Mulheres % de Vítimas Mulheres
 

Violência Física

Homicídio Doloso

Tentativa de Homicídio

Lesão Corporal Dolosa

4.942

6.366

87.561

420

781

56.031

8.5%

12.3%

64.0%

Violência Sexual Estupro

Tentativa de Estupro

5.676

642

4.725

586

83.2%

91.3%

 

Violência Patrimonial

Dano

Violação de Domicílio

Supressão de Documento

7.235

4.571

1.140

3.607

3.051

661

49.9%

66.7%

58.0%

Violência Moral Calúnia/Difamação /Injúria 56.410 41.509 73.6%
Violência Psicológica Ameaça

Constrangimento Ilegal

87.399

1.345

57.258

799

65.5%

59.0%

 

Fonte: DGTIT/PCERJ. Dados organizados pelo NUPESP/ISP.[88]

Vê-se que das formas de violência supracitadas, a que tem maior percentual de vítimas mulheres é a sexual, ou seja, dos “delitos relacionados a essa esfera da vitimização são o estupro e a tentativa de estupro, os quais em 2014 registraram juntos 6.318 vítimas, entre homens e mulheres”.[89]

Contudo, é a violência física que agrega o maior número de vítima, num total de 98.869, considerando homicídio doloso consumado e tentado, e também a lesão corporal dolosa.

Analisando o número de homicídios praticados no ano de 2014, se comparados com os quatro anos anteriores, os pesquisadores constataram um aumento considerável. Contudo, concluem que “o maior aumento percentual ocorreu em 2013, com um incremento de 20,7% no total de mulheres vítimas, e se repetiu em 2014 com mais 18,0% em relação ao ano anterior”.[90]

E no que tange a autoria dos homicídios, relatam:

Dentre as 420 mulheres vítimas de homicídio doloso do ano de 2014,9,8% tiveram como prováveis autores companheiros ou ex-companheiros. Este percentual pode parecer baixo se comparado ao total de vítimas, mas deve-se considerar que a indicação de autoria nos casos de homicídio tem percentual muito baixo nesta primeira fase do processo de investigação, materializado aqui no registro da ocorrência. Em menos de 5,0% dos casos de vítimas do sexo masculino há alguma indicação de autoria, assim, haver 9,8% de acusados companheiros/ex-companheiros nos casos de homicídios de mulheres torna-se emblemático para o tema da violência sofrida por mulheres. [91]

Acrescentam os estudiosos que 12,4% das mulheres vítimas de homicídio morreram em situação de violência doméstica ou familiar, ou seja, pelo menos uma mulher, a cada semana, tornou-se vítima fatal de violência doméstica ou familiar, nos termos da Lei Maria da Penha, no Estado do Rio de Janeiro.[92] E no que tocam as vítimas de tentativas de homicídio, em média 22 mulheres foram agredidas por seus companheiros ou ex-companheiros, com a intenção de morte, no ano de 2014, no Estado do Rio de Janeiro.[93]

E sobre a vítimas de tentativas de homicídio, vítimas de violência doméstica e familiar, pontuam:

De acordo com a base de dados da PCERJ, 35,5% das mulheres vítimas de tentativa de homicídio no estado foram vítimas de violência doméstica e/ou familiar, nos termos da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06) […]. Esse universo representa uma média mensal de 23 mulheres vítimas desse tipo de violência, no qual pelo menos 22 sofreram risco de morte pela ação de violência de seus companheiros ou ex-companheiros.[94]

O número de vítimas de lesão corporal dolosa, no Estado do Rio de Janeiro, no mesmo período, também é preocupante, pois uma média mensal de 2.822 mulheres, o que representa 93 mulheres vitimadas por dia, ou ainda, quatro mulheres vítimas de violência física no âmbito doméstico e/ou familiar a cada hora.[95]

No que tange os casos de estupro de mulheres praticados com violência doméstica, 31,3% dos casos registrados em 2014, ou seja, 1.478 mulheres, no Estado do Rio de Janeiro foram vitimadas, ao passo que 154 mulheres, no mesmo período, foram vítimas de tentativas de estupro, crimes este passíveis de serem punidos nos termos da Lei Maria da Penha.[96]

Infelizmente inexistem dados de tamanha magnitude no âmbito nacional, o que, factualmente, contribuiria para a análise da efetividade da Lei Maria da Penha. Porém, o que se percebe é que faltam dados comparativos, mesmo no âmbito estadual, para uma mais fácil compreensão de como se encontra o enfrentamento do problema da violência doméstica e familiar desde o advento da Lei nº 11.340/2006.

A Secretaria de Transparência, no ano de 2013 divulgou estudo objetivando aferir a efetividade da Lei Maria da Penha, considerando o decurso de sete anos de vigência do referido diploma legal, de modo a identificar como a sociedade brasileira recebeu as inovações legislativas e, principalmente, como agressor e vítima passaram a se comportar diante da violência doméstica. É, talvez, o estudo mais completo de que se tem notícia, a nível nacional, acerca da Lei nº 11.340/2006.

Constatação triste é embora a grande maioria das conheçam seus direitos, mais 700 mil ainda são vítimas de violência doméstica e familiar, independentemente do nível de escolaridade, renda familiar, credo ou raça. E os pesquisadores concluíram que cerca de 13 milhões e 500 mil mulheres já sofreram algum tipo de agressão, ou seja, 19% da população feminina, com mais de 16 anos de idade.[97]

Das vítimas de agressão doméstica, cerca de 31% ainda convivem com o agressor; e, destas, 14% ainda são vítimas de algum tipo de violência, o que levam os autores a concluir, repita-se, que cerca de 700 mil mulheres, em todo o Brasil, são vítimas de violência doméstica e familiar.[98]

A situação é tão grave que o Brasil ocupa, na atualidade, o 7º lugar no ranking dos países com o maior número de vítimas mulheres, quando se trata de homicídios dolosos, em um rol de 84 países; e, na América Latina, o Brasil somente fica atrás da Colômbia, o que evidencia a gravidade do problema, mesmo após a edição da Lei Maria da Penha, já que os dados compilados, como já dito alhures, levam em consideração os sete primeiros anos de vigência do referido diploma legal.[99]

Em que pese as constatações supra, cerca de 66% das mulheres entrevistadas se sentem mais protegidas com o advento da Lei Maria da Pen há, o que demonstra mais otimismo, o que é sentindo principalmente entre as mulheres mais jovens e com maior nível de escolaridade.[100]

Contudo, as mulheres têm consciência de que “as leis por si só não são capazes de resolver o problema da violência doméstica e familiar”,[101] e o sentimento de desproteção atinge 41% das entrevistadas de raça negra, contra 28% de mulheres brancas e 31% de mulheres pardas.

Essa constatação demonstra que além da questão do gênero, há, arraigada à problemática da violência doméstica, também a discriminação relacionada a raça, ou seja, o racismo, ainda que velado, não declarado, é sentido também quando se trata da violência contra a mulher, já que as negras são, segundo a pesquisa em comento, as mulheres que se sentem mais desprotegidas.

A pesquisa realizada pela Secretaria de Transparência identificou, ainda, uma certa contradição, pois se por um lado identificou que a maioria das mulheres, cerca de 63% aponta que a violência doméstica e familiar contra a mulher aumentou desde o advento da Lei Maria da Penha, os dados entre os anos de 2009 e 2013 apontam para a estabilização do número de mulheres vitimizadas. E as entrevistas, quando questionadas se tinham conhecimento de alguma mulher vítima de violência doméstica nos anos de 2011 e 2013 também demonstraram que não houve aumento no número de casos, ressaltando, repita-se, a equivalência de casos no referido período.[102]

A respeito do contrassenso, os pesquisadores ressaltam:

Se os dados demonstram não terem crescido nem os percentuais de mulheres que admitem ter sido vítimas de violência, nem os percentuais de mulheres que afirmam conhecer vítimas, o grande volume de entrevistadas que acredita no aumento da violência doméstica e familiar contra a mulher, na verdade, indica um aumento do nível de conhecimento sobre o problema

Factualmente, a constatação dos pesquisadores demonstram que a Lei Maria da Penha atingiu, pelo menos no que toca a visibilidade do problema da violência doméstica e familiar contra a mulher, o seu objetivo, tornando o tema mais evidente e possibilitando seja o mesmo discutido em diversos segmentos da sociedade.

Não obstante, a situação ainda preocupa, pois a pesquisa constatou que uma em cada cinco mulheres, no Brasil, já foram vítimas de alguma forma de violência doméstica ou familiar, perpetradas por agressor do sexo masculino, sendo que os percentuais mais elevados foram registrados dentre as pesquisadas com menor nível de escolaridade e com menor renda.[103]

Anote-se, ainda, que o maior número de vítimas tem entre 40 e 49 anos, e cerca de 62% das vítimas sofreram violência física,[104] seguida pela violência moral e psicológica, com 39% e 38%, respectivamente.[105]

Das mulheres vítimas de violência entre os anos de 2009 e 2013, 65% foram agredidas pelo marido, companheiro ou namorado, ao passo que 13% das vítimas tem como agressores ex-maridos, ex-companheiros ou ex-namorados. E um menor número, 11%, que no caso não são alcançadas pela Lei Maria da Penha, tem como agressores parentes consanguíneos ou cunhados.[106]

A pesquisa também se dedicou à análise dos fatores que influenciam a prática da violência, e identificou que ciúmes e álcool interferem, respectivamente, em 28% e 25% do percentual de vítimas,[107] ou seja, a prática da violência doméstica e familiar contra a mulher se encontra arraigada diretamente ao ciúmes e ao álcool, dentre outros fatores, claro, já que estes totalizam pouco mais de 50% dos fatores que interferem na prática da violência.

Constatação que preocupou os pesquisadores é o fato de que apenas 40% das vítimas de violência doméstica e familiar procuram a polícia quando da primeira agressão, sendo que 32% denunciam o agressor apenas na terceira vez e 21% das mulheres vitimizadas não procuram qualquer tipo de ajuda.[108]

Anote-se, ainda, que apenas 35% das vítimas de violência doméstica e familiar oficializaram denúncia formam contra os seus agressores quando da última violência sofrida,[109] sendo que o principal empecilho para a efetivação das denúncias é o medo do agressor, fator este apontado por 74% das entrevistadas.

Acontece que o medo, embora seja o fator que mais preocupa as vítimas quando diz respeito a não efetivação da denúncia, não é o único, pois a dependência financeira da vítima (34%), a preocupação com a criação dos filhos (34%), a vergonha da agressão (26%), a sensação de que não existe punição adequada para o agressor (23%), acreditar que seria a última vez (22%), o desconhecimento dos direitos (19%), outros motivos (2%), também são fatores apresentados pelas vítimas para não denunciar o agressor.[110]

Não se pode ignorar, contudo, que desde o advento da Lei Maria da Penha houve uma diminuição com relação à tolerância da sociedade no que tange a violência doméstica e familiar contra a mulher, como ressaltam os pesquisadores:

[…] a máxima popular de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher” está ficando ultrapassada. Dados revelam que a maioria das mulheres já admite a possibilidade de que qualquer pessoa que tenha conhecimento de uma agressão física, possa denunciar o fato às autoridades. Essa é a opinião de 60% das entrevistadas na pesquisa realizada este ano. Em   2011, apenas 41% admitiam a denúncia feita por qualquer pessoa. Houve um crescimento de 19 pontos percentuais.[111]

Por derradeiro, os pesquisadores concluem que as vítimas de violência doméstica também se encontram mais conscientes, e apontam que 94% das vítimas defendem que o agressor deve ser processado ainda que esta não seja a vontade da vítima, assim como 88% das mulheres apontam que denunciariam uma agressão contra mulher acaso testemunhassem a ocorrência. [112]

Outra constatação a que chegaram os pesquisadores é quanto ao maior nível de confiança da sociedade em relação às autoridades policiais, pois as “delegacias foram as instâncias mais lembradas, espontaneamente, pelas mulheres na hipótese de elas fazerem uma denúncia contra ato de violência doméstica”,[113] ao contrário do que ocorria outrora, quando as vítimas não confiavam nas autoridades policiais sequer para denunciar os seus agressores.

Constataram, assim, que as delegacias comuns foram indicadas por 53% das entrevistadas, ao passo que as delegacias das mulheres foram mencionadas apenas por 34% das brasileiras entrevistas,[114] o que se deve até mesmo ao fato de não serem estas uma realidade de todo o país.

Outro fato importante é que apenas 30% das vítimas de violência doméstica, atendidas em delegacias de polícia, avaliaram o atendimento como ruim ou péssimo, contra 50% que avaliaram o atendimento como bom ou ótimo.[115]

Factualmente, não é o desejado, principalmente porque metade das vítimas apresentarem uma avaliação satisfatória está longe do almejado, mas já demonstra uma melhora, principalmente porque as mulheres tendem a ter mais coragem para denunciar os agressores, o que outrora não ocorria. É necessário, contudo, melhorar os atendimentos nas delegacias comuns e especializadas, para que a vítima de violência doméstica, deveras fragilizada, possa sentir-se segura para denunciar o agressor e procurar as autoridades competentes para que sejam adotadas as medidas cabíveis, mormente as medidas protetivas de urgência, tão importantes para a segurança da vítima.

A maior conquista das vítimas de violência doméstica e familiar, e porque não dizer de todas as mulheres, é o sentimento de que a educação e a conscientização diminui o sentimento de desrespeito à mulher no Brasil, mormente porque a violência contra a mulher é um flagrante desrespeito aos direitos humanos.

E sobre essa questão, os pesquisadores sintetizaram:

As pioneiras feministas brasileiras do jornal O Bello Sexo, em 1870, acreditavam que a educação extensiva às mulheres seria a chave para a emancipação feminina. Por intermédio da educação, as mulheres poderiam ser inseridas no mercado de trabalho e adquirir independência financeira. A partir daí, o seu empoderamento se aprofundaria gradativamente. Na pesquisa do DataSenado, constatou-se que mulheres que só estudaram até o ensino fundamental, sentem-se mais desrespeitadas que as mulheres que concluíram o ensino médio e o ensino superior. Dentre as primeiras, 48% não se sentem respeitadas. Já no segundo grupo, que possui ensino médio ou superior, por volta de 32% não se sentem respeitadas – 16% a menos. Os dados confirmam o efeito positivo que educação tem sobre a emancipação feminina no Brasil.[116]

Não se pode negar, porém, que muito ainda há que ser feito, embora um primeiro e grande passo tenha sido dado pelo poder público, após anos de inércia e omissão. Reconhecer os direitos das mulheres, e dar-lhes voz, no que tange a violência doméstica e familiar, é medida de suma importância. Contudo, cabe ao Estado assegurar que o medo, principal obstáculo para que as vítimas denunciem seus agressores, seja superado.

Buscando assegurar a integridade física e psíquica das vítimas de violência doméstica e familiar é que medida foi implementada na cidade de Vitória, capital do Estado do Espírito Santo, região Sudeste do Brasil, pela juíza Hermínia Maria Azoury, do Tribunal de Justiça, e responsável pela “Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar”.

O projeto foi denominado de “botão do pânico”, espécie de mecanismo entregue às vítimas de violência doméstica e familiar que tem, que nada mais é que um dispositivo de segurança, que é acionado pela vítima acaso o agressor se aproxime, permitindo que o guarda municipal (ou outra autoridade policial) mais próximo se dirija ao local, resguardando, repita-se, a integridade física e psíquica da mulher.

Em artigo desenvolvido pelo IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, quando da implantação do projeto, no ano de 2013, extrai-se:

Cem vítimas de violência doméstica receberam ontem (15), em Vitória, no Espírito Santo, o Dispositivo de Segurança Preventiva (DSP), mais conhecido como botão do pânico, como parte do projeto de fiscalização das medidas protetivas em favor de vítimas de violência doméstica e familiar. O projeto é uma iniciativa do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, por meio da Coordenadoria de Violência Doméstica e dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, Prefeitura Municipal de Vitória, Instituto Nacional de Tecnologia Preventiva (INTP) e a Caixa Econômica Federal e prevê que as mulheres sob medida protetiva de urgência utilizem o dispositivo.[117]

O projeto em comento é surgiu, segundo a juíza responsável pela sua instituição, quando reunidos buscavam uma medida para sanar a falta de efetividade da Lei Maria da Penha, pois cerca de 1,5 mulheres contavam com medidas protetivas à época, mas que nem sempre eram eficazes.[118]

A juíza de Direito, Hermínia Maria Azoury ressaltou, ainda, que um grande problema quando se trata da denúncia contra os seus agressores é que as vítimas temem pela vida e também a integridade dos filhos, e que o “botão do pânico”, dispositivo relativamente barato, já que custava aproximadamente R$ 80,00 (oitenta reais) a unidade, permitia que as mulheres se sentissem mais seguras, possibilitaria o maior número de denúncias.[119]

Recente reportagem veiculada no sitio eletrônico do G1, noticia que desde o seu lançamento, em abril de 2013, foram 18 acionamentos do botão do pânico, que conduziram a 12 prisões de agressores, sendo que, em março deste ano, o Espírito Santo conta com 100 dispositivos.[120]

Importa esclarecer que o projeto que surgiu no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, também já foi implantado em Londrina, no Paraná, e mais recentemente no âmbito do Estado do Pará, pelo Tribunal de Justiça daquele Estado, sendo medida que deveria se expandir por toda a federação, já que possibilita uma rápida atuação dos agentes estatais no que tange a proteção de vítima de violência doméstica e familiar, que tem, em seu favor, medida protetiva deferida pelo Estado.

São medidas pontuais que resguardam as mulheres, e tornam a Lei Maria da Penha mais eficaz, pois como já mencionado alhures, não basta um texto de lei para que a violência doméstica seja enfrentada. Ações concretas precisam ser implementadas, voltadas à prevenção, punição e erradicação desta prática tão danosa à saúde e integridade física e psíquica da mulher.

 

considerações finais

Ao longo do presente estudo buscou-se compreender a problemática da eficácia da Lei Maria da Penha, quando se constatou que a mulher sempre foi vitimizadas ao longo da história da humanidade, o que se deve principalmente pelos papéis exercidos pelo homem, colocado em uma situação privilegiada e de superioridade em relação a mulher, como forma de tentar provar ser ele a raça mais forte e, assim, superior ao sexo feminino.

Com isso, a mulher sempre se viu vitimizadas, e as mais diversas modalidades de preconceito e discriminação da sociedade acabaram por contribuir para a marginalização, através do gênero. E a violência doméstica e familiar contra a mulher, produto do conflito de gênero, a qual, ainda hoje, não é tratada de acordo com a complexidade que o problema exige, o que, na grande maioria das vezes, compromete o próprio enfrentamento do problema.

Constatou-se, ainda, que por longos anos o Brasil conviveu com a inércia do Estado, já que a violência doméstica ficou restrita ao âmbito privado, sem visibilidade, o que tornou a mulher ainda mais fragilizada; e somente a partir da década de 70 é que ganhou espaço os debates e discussões acerca da necessidade de enfrentamento do problema, embora apenas no ano de 2006 tenha sido editada a primeira lei específica para o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher.

Em que pese a edição de um diploma legal específico, muito ainda há que ser feito, pois embora a sociedade venha se mostrando, gradualmente, preocupada com a gravidade do problema da violência doméstica, tendo em vista que prevaleceu, durante séculos, a presunção de que o ambiente doméstico seria um lugar de plena harmonia familiar, fechando os olhos para as agressões que se estabeleciam no interior de vários lares, nos quais parecia não haver problemas, vítimas ainda temem em denunciar seus agressores por diversos fatores, sendo o medo o principal deles.

Sendo assim, há de se notar que as transformações na sociedade alteraram a compreensão do que seria correto e o que realmente poderia ser definido como ato de violência sujeito a punição, já que a violência gerada dentro do lar historicamente esteve protegida em razão da não intervenção estatal e social, firmando-se a crença de que a mulher nasce com o objetivo de servir o homem, ficando o problema escondido no silêncio das vítimas, as quais se convencem de que calar-se é a melhor solução.

Não é demais ressaltar que apesar de ter a Constituição da República de 1988 reconhecida a igualdade entre homens e mulheres, a discriminação em relação a mulher, apesar de ocorrer com menor frequência, ainda permanece. Assim, a Lei Maria da Penha apresentou-se como uma conquista das brasileiras, por criar e estabelecer mecanismos para coibir, punir e erradicar a violência doméstica e familiar contra as mulheres, que constitui uma das modalidades mais graves de violação dos direitos humanos, e que leva milhares de mulheres à morte em seus lares.

Evidencia-se, portanto, que apesar de suas falhas, pode ser considerada significativamente efetiva, ao estabelecer como finalidade a recriminação aos valores que impõe a superioridade masculina, estabelecendo a violência doméstica com a real gravidade que se apresenta, tendo em vista que antes de sua vigência a maioria dos casos em que houvesse esse tipo de violência eram arquivados e, se julgados, os agressores recebiam penas que davam a sensação de impunidade, até mesmo porque a competência era dos Juizados Especiais Criminais.

Com base no material bibliográfico pesquisado, e as informações trazidas no bojo do presente trabalho, evidencia-se que a Lei n° 11.340/2006 trouxe uma transformação ao consolidar os direitos das mulheres brasileiras, ou seja, um texto de lei que garante proteção às mulheres vítimas de agressões é, de fato, uma grande conquista a ser comemorada.

No entanto, é necessário que haja contribuição e comprometimento do poder público, e da sociedade como um todo, para que a referida lei não se torne apenas um acontecimento histórico, mas sim uma solução cada vez mais efetiva no combate a violência doméstica e familiar.

Em outras palavras significa dizer que não basta a criação e vigência de uma lei específica, pois é preciso que todos se comprometam em levar as informações nela inseridas ao conhecimento de toda a sociedade, demonstrando que a Lei Maria da Penha é um instrumento legal e eficaz de proteção e que deve ser usada de forma consciente pelas verdadeiras vítimas dessa violência histórica.

Há que se ressaltar, ainda, que os direitos fundamentais são um conjunto de direitos e garantias do ser humano, sendo um dos principais objetivos o respeito, através da proteção do Estado, para que condições mínimas de vida e de desenvolvimento sejam possíveis ao ser humano (e a mulher não é diferente), podendo, assim, viver em harmonia em uma sociedade justa e o mais igualitária possível em direitos.

Afirma-se, portanto, que este trabalho não pretende esgotar a discussão sobre o assunto, mas alertar que é preciso tratar a violência doméstica e familiar contra a mulher não apenas como uma questão em que aspectos sociais, culturais, étnicos e de educação também devem ser abordados.

Destarte, faz-se necessários novos estudos e aprofundamentos quanto aos mecanismos de implementação das medidas protetivas de urgência, por exemplo, assim como a análise de dados quantitativos referentes ao alcance da Lei Maria da Penha no âmbito nacional, bem como a instituição de projetos, tais como o “botão do pânico”, atualmente utilizados nos Estados do Espírito Santo, Paraná e Pará, que permitem a segurança das vítimas, medidas estas que possibilitarão, a um só tempo, maior visibilidade do problema da violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como a segurança das mulheres vitimizadas, e, por conseguinte, para a eficácia da lei em comento.

 

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[1] FERRERA, T., SERRA, J. Impactos de la crisis y el ajuste estructural sobre las mujeres golpeadas. Ediciones Universidad de Salamanca. Salamanca: Espanha, 2004, p. 61.

[2] CALAZANS, Myllena; CORTES, Iáris.  O processo de criação, aprovação e implementação da Lei Maria da Penha. In: CAMPOS, Carmen Hein de (Org.) Lei Maria da Penha: comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 39.

[3] DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Revista dos tribunais, 2012, p. 14.

[4] Ibidem, loc. cit.

[5] Ibidem, p. 15.

[6] BIANCHINI, Alice; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Lei de violência doméstica e familiar contra a mulher (Lei Maria da Penha): constitucionalidade e convencionalidade. Revista dos Tribunais, São Paulo. p. 363-388, ano 98, v. 886, ago. 2009, p. 364

[7] DIAS, op. cit., p. 16.

[8] CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica: Lei Maria da Penha, Lei 11.340/2006, comentada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 12-14.

[9] BIANCHINI; MAZZUOLI, op. cit., p. 364

[10] Ibidem, loc. cit.

[11] OEA. Comissão Interamericana de Direitos humanos. Convenção interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, “Convenção de Belém do Pará”: Adotada em Belém do Pará, Brasil, em 9 de junho de 1994, no Vigésimo Quarto Período Ordinário de Sessões da Assembleia Geral. 1994. Disponível em: <http://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/m.Belem.do.Para.htm>. Acesso em: 06 jul. 2015.

[12] PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 287.

[13] Ibidem, loc. cit.

[14] OEA. Organização dos Estados Americanos. Relatório Atualizado sobre o Trabalho da Relatoria sobre os Direitos da Mulher. 2001. Disponível em: <http://www.cidh.org/annualrep/2001port/capitulo6e.htm>. Acesso em: 10 jul. 2015.

[15] CUNHA; PINTO, op. cit., p. 17.

[16] Ibidem, loc. cit.

[17] CALAZANS; CORTES, op. cit., p. 40.

[18] Ibidem, p. 41-42.

[19] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Lei Maria da Penha. Revista Brasileira de Direito de Família, IBDFAM, nº 3, out./dez., 1999, p. 45.

[20] Ibidem, loc. cit.

[21] CUNHA; PINTO, 2007, p. 19-20.

[22] CUNHA; PINTO, op. cit., p. 33.

[23] DIAS, op. cit., p. 35.

[24] BRASIL. Lei nº. 11.340/2006, de 7 de agosto de 2006: Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal. Disponível em: <http://legislacao.planalto.gov.br>. Acesso em: 10 jul. 2015.

[25] BASTOS, Marcelo Lessa. Violência doméstica e familiar contra a mulher: Lei Maria da Penha: alguns comentários. ADV Advocacia Dinâmica, Seleções Jurídicas, nº 37, dez. 2006, p. 39.

[26] CUNHA; PINTO, op. cit., p. 874.

[27] DIAS, op. cit., p. 114.

[28] BRASIL, 2006.

[29] Ibidem.

[30] DIAS, op. cit., p. 108.

[31] BRASIL, 2006.

[32] Ibidem.

[33] DIAS, op. cit., p. 99.

[34] DIAS, op. cit., p. 101.

[35] BRASIL, 2006.

[36] DIAS, op. cit., p. 101.

[37] ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual do Direito Penal Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 113.

[38] SILVA JÚNIOR, Edison Miguel da. Direito penal de gênero. Lei nº 11.340/06: violência doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1231, 14 nov. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9144>. Acesso em: 10 jul. 2015.

[39] CORTÊS, Iáris Ramalho; MATOS, Myllena Calasans. Lei Maria da Penha: do papel para a vida: Comentários à Lei 11.340/2006 e sua inclusão no ciclo orçamentário. Centro Feminista de Estudos e Assessoria. 2009. Disponível em: <http://www.cfemea.org.br/index.php?option=com_jdownloads&Itemid=128&task=view.download&cid=64> Acesso em: 10 jul. 2015.

[40] BRASIL, 2006.

[41] Ibidem.

[42] Ibidem.

[43] Ibidem.

[44] Ibidem.

[45] Ibidem.

[46] Ibidem.

[47] BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973: Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm>. Acesso em: 10 jul. 2015.

[48] BRASIL, 2006.

[49] CORTÊS; MATOS, 2009.

[50] DIAS, op. cit., p. 84-85.

[51] Ibid., p. 85.

[52] Ibid., p. 85-86.

[53] BRASIL, 2006.

[54] DIAS, op. cit., p. 84,

[55] BRASIL, 2006.

[56] DIAS, op., cit., p. 93.

[57] MELO, Mônica de; TELES, Maria Amélia de Almeida. O que é violência contra a mulher. São Paulo: Brasiliense, 2003, p. 29.

[58] GROSSI, Miriam P. Movimentos Sociais, Educação e Sexualidade. Florianópolis: EDUFSC, 1991, p. 167.

[59] MELO; TELES, op. cit., p. 30.

[60] SAFFIOTI, Heleieth I. B. Gênero, Patriarcado, Violência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004, p. 15.

[61] BRASIL, 2006.

[62] CUNHA; PINTO, op. cit., p. 37.

[63] BRASIL, 2006.

[64] CUNHA; PINTO, op. cit., p. 37.

[65] MELO; TELES, op. cit., p. 24.

[66] BRASIL, 2006

[67] MELO; TELES, op. cit., p. 21.

[68] CUNHA; PINTO, op. cit., p. 38.

[69] Ibidem, p. 38.

[70] Ibidem, loc. cit.

[71] MELO; TELES, op. cit., p. 22.

[72] BRASIL, 2006.

[73] CUNHA; PINTO, op. cit., p. 38

[74] MELO; TELES, op. cit., p. 25.

[75] PIOVESAN, Flávia; PIMENTEL, Silvia. A Lei Maria da Penha na perspectiva da responsabilidade internacional do Brasil. CAMPOS, Carmen Hein de (Org.) Lei Maria da Penha: comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 109-110.

[76] GASMAN, Nadine. O enfrentamento à violência contra as mulheres no mundo. Cadernos Jurídicos, São Paulo, ano 15, nº 38, p. 145-163, jan./abr. 2014, p. 147.

[77] Ibidem, loc. cit.

[78] BAPTISTA, Miriam Pereira; MARQUES, Ana Lúcia de Souza. Violência contra a mulher. Cadernos Jurídicos, São Paulo, ano 15, nº 38, p. 59-78, jan./abr./2014, p. 79.

[79] MELO; TELES, op. cit., p. 14.

[80] PILEGGI, Camilo. Lei Maria da Penha: Acertos e Erros. In: Ministério Público do Estado de São Paulo. 2006. Disponível em: <www.mp.sp.gov.br>. Acesso em: 10 jul. 2015.

[81] CALAZANS; CORTES, op. cit., p. 62.

[82] CERQUEIRA, Daniel et al. Avaliando a efetividade da Lei Maria da Penha: texto para discussão nº 2048 – Instituto Pesquisa Econômica Aplicada. Brasília: Rio de Janeiro: Ipea, 2015, p. 15.

[83] Ibidem, p. 33.

[84] Ibidem, loc. cit.

[85] Ibidem, loc. cit.

[86] DOSSIÊ Mulher 2015. PINTO, Andréia Soares; MORAES, Orlinda Cláudia R. de; MONTEIRO, Moraes (Org.). Rio de Janeiro: Instituto de Segurança Pública, 2015, 11.

[87] Ibidem, loc. cit.

[88] Ibidem, p. 11.

[89] Ibidem, loc. cit.

[90] Ibidem, p. 14.

[91] Ibidem, p. 17.

[92] Ibidem, loc. cit.

[93] Ibidem, p. 22.

[94] Ibidem, loc. cit.

[95] Ibidem, p. 27.

[96] Ibidem, p. 37.

[97] BRASIL. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Secretaria de Transparência – DataSenado, mar. 2013. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-Violencia_Domestica_contra_a_Mulher_2013>. Acesso em: 05 jul. 2015.

[98] Ibidem, loc. cit.

[99] Ibidem, loc. cit.

[100] Ibidem, p. 03.

[101] Ibidem, loc. cit.

[102] Ibidem, p. 03-04.

[103] Ibidem, p. 04.

[104] Ibidem, p. 04-05.

[105] Ibidem, p. 05.

[106] Ibidem, loc. cit.

[107] Ibidem, loc. cit.

[108] Ibidem, p. 06.

[109] Ibidem, loc. cit.

[110] Ibidem, p. 07.

[111] Ibidem, loc. cit.

[112] Ibidem, loc. cit.

[113] Ibidem, p. 08.

[114] Ibidem, loc. cit.

[115] Ibidem, loc. cit.

[116] Ibidem, loc. cit.

[117] IBDFAM. Botão do pânico é entregue às vítimas de violência doméstica no Espírito Santo. JusBrasil. Notícias, 2013. Disponível em: <http://ibdfam.jusbrasil.com.br/noticias/100462726/botao-do-panico-e-entregue-a-vitimas-de-violencia-domestica-no-espirito-santo>.  Acesso em: 15 jul. 2015.

[118] Ibidem.

[119] Ibidem.

[120] G1. Ex aciona botão do pânico no ES e suspeito é preso em 7 minutos: jovem foi preso pela 3ª vez por descumprir Lei Maria da Penha, em Vitória. G1, mar. 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2015/03/ex-aciona-botao-do-panico-no-es-e-suspeito-e-preso-em-7-minutos.html>. Acesso em: 15 jul. 2015.

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